Sara Tavares celebra 20 anos de carreira.
Nasceu em Lisboa, há 36 anos, filha de cabo-verdianos. A infância foi cheia de música?
Nem por isso. Tive uma infância normal, entre a escola e o futebol. Adorava futebol e acho que se não pudesse ter sido cantora teria sido futebolista. Só comecei a cantar na adolescência.
E começou a cantar aquilo que gostava de ouvir?
Sim. Tina Turner, Nat King Cole, Whitney Houston. Como não tinha muitos discos, cantava o que passava na rádio. A música negra puxava-me muito. A Motown. Quando comecei a ter dinheiro para comprar discos, era o que comprava. Marvin Gaye, Jackson 5...
Quando descobriu a sua voz?
Depois do ‘Chuva de Estrelas’. Quer dizer, eu sabia que cantava alguma coisa porque os meus colegas pediam-me que cantasse nas aulas de educação visual. Percebi que não soava mal. Foi isso que me levou a candidatar-me ao concurso.
Alguém a incentivou?
Não, fi-lo por mim. E até contei a poucas pessoas porque era tímida. Na altura já tinha começado a cantar em concertos de evangelização, na igreja.
Foi há precisamente 20 anos. Apercebeu-se da dimensão do que lhe estava a acontecer?
Nem por isso. Era muita coisa. Só a posteriori é que percebi que havia este filão a explorar.
Como reagiram os seus pais e os seus... 14 irmãos?
Agora já tenho mais. São oito da parte da mãe e nove da parte do pai. Pelo menos até à conta que fiz. Deixei de contar. Venho de uma família cabo-verdiana típica. Fui criada por uma avó. A minha mãe, que já estava no Algarve nessa altura, não se pronunciou mas ficou atenta. A minha avó, essa, deu-me força. Sobretudo, deu-me a liberdade para fazer o que quisesse. Nunca me impediu de nada.
Em Almada, onde cresceu, formou uma banda de gospel, os Shout!. Tanta iniciativa numa pessoa tão jovem?
Formei os Shout! com um amigo meu, um missionário americano. Acabaria por gravar o meu primeiro disco com eles: ‘Sara Tavares e Shout!’ [de 1996]. Estava cheia de força.
Nunca pensou ir para a faculdade e tirar um curso?
Como gostava de desenhar, pensei estudar Design, mas depois comecei a cantar. Aos 15, 16 anos. Ainda fui estudar à noite mas acabou por se tornar incomportável. Tinha muitas solicitações, muito trabalho. Afinal, aquele era o meu sonho. Porque não segui-lo? Toda a gente me dizia que era um sonho impossível, mas não foi. É possível. Com trabalho, obviamente, mas tem sido possível e tenho feito a minha vida com a música. Agora, talvez pense em voltar a estudar.
E faria Design, agora?
Não. Psicologia, Sociologia ou Antropologia... Definitivamente, uma ciência humana.
Em que momento é que percebeu que ia ganhar o ‘Chuva de Estrelas’, em 1994?
Quando comecei a passar nas eliminatórias todas e via as pessoas a aplaudirem. O apoio do público convenceu-me de que tinha algum valor. O que não tinha era repertório próprio. Estava totalmente impreparada.
Como inverteu isso? Quando e como começou a compor?
O caminho faz-se caminhando. Para o álbum ‘Mi Ma Bô’ [editado em 1999] escrevi muita coisa. O produtor congolês Lokua Kanza ajudou-me a depurar o método de trabalho como compositora. Embora não me considere uma grande compositora. Sou mais uma modista que faz roupa para si própria. Faço canções à minha maneira.
Recorrendo a diferentes tradições e géneros musicais?
Sim. Gosto de usar uma linguagem prosaica, tropical, meio crioula, meio das ruas de Lisboa. É o que me define. Quem podia escrever bem para mim seriam os rapazes do hip-hop.
Depois de representar Portugal no Festival da Eurovisão, muitos esperavam que a sua carreira se virasse para a pop.
Nessa altura estava muito ligada ao gospel e à música negra norte-americana. Se pudesse, teria partido para os Estados Unidos. Estava pouco conectada com a realidade portuguesa. Só depois fui sentindo necessidade de começar a cantar em português e crioulo. Até porque os crioulos me adotaram logo. Começaram a ensinar-me mornas...
Em 20 anos de carreira, tem gravado pouco. Cinco discos.
É mais uma maratonista da música do que uma sprinter?
É assim que sou como pessoa. Falo devagar, penso devagar, sou bastante quieta, necessitada do meu espaço, do meu tempo, da minha leitura. Tem a ver com as raízes cabo-verdianas. Embora tenha nascido cá, sou uma pessoa que leva as coisas devagar. Sempre fui assim.
Visto de fora, o seu percurso profissional parece fácil... Conseguiu um contrato com uma editora holandesa, durante anos manteve uma agenda preenchida com concertos no estrangeiro...
Tudo se consegue à custa de trabalho. Para o primeiro disco, compus 40 canções. Não ao nível de um Carlos Tê, mas foram 40 canções. Sempre trabalhei muito, sempre deitei material fora, sempre exigi muito de mim. O lema é fazer o melhor e não algo só para desenrascar.
Tentar a sorte lá fora não a constrangeu?
Sempre senti que se a nossa música tivesse qualidade não haveria fronteiras. Desde o disco ‘Mi Ma Bô’ que comecei a enviar CD para fora. Fazia mailings para programadores de festivais, editoras, para o Mundo inteiro. Não tínhamos dinheiro para enviar milhares de discos, mas enviámos centenas. E obtivemos respostas, algumas importantes. Foi assim que fui à Womex [feira internacional da World Music]. E estive vários anos a cantar lá fora sem ganhar nada. Como investimento para me dar a conhecer.
Grande parte da sua carreira continua a ser feita lá fora?
Infelizmente. Gostava de dar mais concertos cá. Talvez aconteça agora, nesta nova fase. Quando saiu o ‘Balancê’ [2005] fiz vinte concertos cá, quarenta concertos fora. Foi uma opção: expandir a carreira. Mas agora, quando tiver um novo disco, acho que devo começar por cá. E por Cabo Verde, Angola, Moçambique. É o meu público.
Muita gente acha que se ganha mais dinheiro lá fora.
Ganha-se no conjunto. É a soma de todos os mercados que faz o lucro. E mesmo assim, para mim, até agora, tem sido mais investir do que ganhar. Ganhar viria depois, mas vou parando...
Então não está rica?
Nem pouco mais ou menos. Paro muito e entretanto gasto as economias. Neste momento estou praticamente parada há quase quatro anos. A fazer muito poucos concertos.
Uma paragem forçada, depois do tumor benigno que teve no cérebro e que lhe provocou epilepsia. O que mudou na sua vida?
Essencialmente, o ritmo de trabalho. Já não aguento tantas noitadas. A seguir à operação tive de fazer mais pausas. Mas depois percebi que esse é o meu ritmo natural. Fazer muitas viagens de avião não é muito saudável. Alterei isso. De resto, tenho uma vida normal. Só não posso saltar de paraquedas.
Aos 36 anos, não sente o apelo da maternidade?
Vou tendo a família que vou escolhendo, rodeando-me de pessoas de quem gosto. E como nunca tive uma família típica, habituei-me a rodear-me de afetos. Quem sabe, um dia...
Vai celebrar os 20 anos de carreira em Lisboa, no Teatro São Luiz [dias 30 e 31], mas prepara novo CD. Que pode adiantar sobre o disco?
Apenas que será um disco da alma. Nem eu própria sei bem o que vai ser. Tenho algumas canções preparadas, já, mas ainda falta muito para ter um álbum pronto. A minha ideia é, assim que passarem estes concertos de celebração, fechar a página dos 20 anos e recomeçar a compor. Eu preciso de ter um disco novo. Sinto que preciso de uma roupa e de uma cara novas.
O que falta para se sentir realizada como artista?
Segurança económica. No fundo, aquilo que nenhum artista tem, ou que é raro conseguir... E também a liberdade artística para fazer aquilo que me dá na cabeça. Outro sonho irrealizável, porque é preciso manter a empatia com o público. Gostava de aprofundar a minha empatia com o público.
Onde se imagina daqui a outros 20 anos?
Não faço a mais pequena ideia. Com saúde e paz, espero eu.
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