Aprendeu a nadar com os golfinhos. Era ao lado deles que fazia a distância que separava a praia da Fnat, na Costa da Caparica, da Cova do Vapor, uma terrinha de pescadores, onde António Gonçalves Ribeiro, conhecido por Tarzan, tinha por hábito ir beber um pirolito depois do trabalho: “Os golfinhos já me conheciam e quando íamos a nadar, chegavam a pôr a cabeça de fora só para se certificarem que eu estava bem”, conta o nadador-salvador, de 87 anos, natural da Costa da Caparica.
Nunca teve medo da água e aos 17 anos já nadava mais depressa do que os atletas do Algés e Dafundo. Foi assim que conseguiu emprego como banheiro do Conde de Proença-a-Velha: “Como ele tinha muitos filhos e netos, precisava de alguém que os levasse à praia, tomasse conta deles e os ensinasse a nadar.”
A sua reputação como salva-vidas foi-se espalhando pela Costa da Caparica e em 1939 começou a vigiar, sozinho, o extenso areal da praia da Fnat - e ali passou os últimos 50 anos. A salvar vidas.
“Nessa altura, o mar era muito bravo. Não se usavam barbatanas nem braçadeiras. E nós, nem sequer tínhamos barcos de borracha para os ajudar. Tudo dependia do nosso desembaraço dentro de água”, confessa o senhor António que às vezes não tinha tempo para almoçar e recuperar as forças. “Quando alguém estava aflito, largava tudo e lá ia eu...tinha só uma bóia mas era um jovem muito valente e destemido. O mais engraçado é que mal acabava de salvar um, começava logo a ouvir os gritos de outra pessoa. Era sempre a aviar.” Modesto, diz que não fez mais do que a sua obrigação.
Não sabe ao certo quantos salvamentos fez porque deixou de os contar quando ultrapassou os 400. “Cheguei a ir buscar 16 de uma vez só. Não sabiam nadar mas aventuravam-se. Só que com o mar não se pode brincar”, avisa António Ribeiro, que além de ter dedicado a sua vida a salvar a dos outros, também foi pescador na Lagoa de Albufeira, em Sesimbra e estivador na Rocha de Conde d’Óbidos, em Santa Apolónia. Mas foi com o traje oficial de nadador-salvador que ganhou fama - e a alcunha de Tarzan, um tributo à sua coragem em situações de risco.
O que começou por ser uma brincadeira entre amigos, quando António ainda era novo e ia da Fnat à Cova do Vapor com uma perna às costas, acabou por pegar: “Lembro-me de estar sossegado a beber o meu pirolito quando um senhor veio ter comigo e me perguntou onde é que eu morava. Andava intrigado porque me via a entrar no mar e, pouco tempo depois, desaparecia nas ondas. Deve ter achado graça à minha história porque deixou paga uma caixa de pirolitos, em homenagem ao Tarzan. E foi assim que surgiu o nome.”
TERRA DE GENTE SIMPLES
Foram os pescadores de Ílhavo e do Algarve, que há mais de dois séculos ergueram as suas barracas na faixa de areia que se estende entre o oceano e a arriba, os primeiros a descobrir a Costa da Caparica. Apesar de rivais, os dois grupos acabaram por se fundir ao Caparicano.
Entre eles, encontram-se os antepassados do senhor António Ribeiro. Com a morte da mãe, viu o seu irmão, Honorato, dois anos mais novo, e a sua irmã, partirem para casa dos avós.
O jovem Tarzan ficou a viver sozinho com o pai, numa cabana, até ao patriarca voltar a casar e reconstruir a vida. “Ele trabalhou como pescador, andou a vender peixe, foi soldador numa fábrica de conservas e guarda-nocturno na Costa. A vida era muito dura.” Aos 14 anos saiu de casa e foi para a Lagoa de Albufeira ganhar a vida como pescador.
Seguiu-se Sesimbra, onde apanhava peixe-espada, pescada e carapau. Foi obrigado a crescer depressa, mas ainda guarda boas recordações da infância, quando tinha tempo para jogar ao pião, ao berlinde e correr com arcos. Na escola só lá esteve um dia: “Éramos muito pobres. Tive de ir ajudar o meu pai no mar.”
Em pequeno, andava quase sempre descalço. Os homens daquela época usavam calças e camisas remendadas, uma cinta e barretes. Já as mulheres, eram obrigadas a sair de casa de saia comprida a tapar o tornozelo, blusa e lenço à cabeça.
Apesar de ser uma terra de gente simples, que se dedicava à pesca e ao transporte do peixe, Caparica chegou a atrair a realeza, e hoje ainda há uma rua com o nome de D. João VI e o Largo da Coroa, onde ficava a casa (já demolida) dos membros da realeza que ‘iam a banhos’. Hoje, é um dos destinos mais procurados pelos portugueses assim que o calor aperta. Para Tarzan, saudosista, a Costa perdeu o seu encanto.
“Tem mais prédios e comércio, mas o mar tem vindo a reduzir o areal. As pessoas que vêm para aqui nem sempre nos respeitam. Tratam mal os que as querem ajudar”, desabafa o banheiro, que apesar da idade, ainda gosta de dar os seus passeios pelas praias, conversar com os jovens que hoje se certificam que ninguém morre afogado. “Gosto de pensar que ainda sou útil”, diz.
Desde que perdeu a sua mulher, Germana Rodrigues Maria, há dois anos, e com quem teve dois filhos, dedica-se ao artesanato de conchas. Durante anos, marido e mulher trabalharam juntos. Germana não sabia nadar mas ajudava-o a armar as barracas e os toldos. E depois ficava ali, sentada ao seu lado.
O tempo passou, os filhos casaram, chegaram os netos, ele e Germana continuaram a fazer a vida na Fnat. Tarzan hoje está sozinho, mas sente que cumpriu uma missão: salvar vidas.
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