Economista diz que políticos não contam os reais custos da transição e defende medidas mitigadoras para os mais pobres.
O economista Christian Gollier diz que a transição energética e climática é fundamental, mas que os políticos não contam os reais custos, que implicarão sacrifícios e perda de poder de compra, e defende medidas mitigadoras para os mais pobres.
Em entrevista telefónica à Lusa, o diretor da Toulouse School of Economics, Christian Gollier, considera que a União Europeia tem uma responsabilidade histórica em liderar o combate contra as mudanças climáticas, assim como tem uma responsabilidade para com as gerações futuras. Mas, avisa, a transição energética vai ser cara e implicará sacrifícios, com impacto no bem estar.
"Precisamos de reconhecer que a energia vai ser mais cara, há um custo global que tem de ser pago" disse à Lusa Christian Gollier, que integrou em 2020 o grupo de 26 economistas que aconselharam o Presidente francês, Emmanuel Macron, sobre os grandes desafios económicos de França (clima, desigualdades e demografia) ficando encarregue das questões climáticas.
Questionado sobre se a transição energética irá penalizar os mais pobres e agravar as desigualdades sociais, o economista de origem belga assume que, uma vez que as famílias mais pobres gastam proporcionalmente mais rendimento em energia, quando se toma medidas que aumentam o preço da energia estas "são mais afetadas, então implicitamente aumentam-se as desigualdades".
A solução, considera, não pode passar por medidas que embarateçam a energia baseada em combustíveis fósseis, pois fomentaria o consumo pondo em causa a transição energética.
Na sua visão, a 'taxa de carbono' (imposto sobre as emissões de carbono) deveria ser mais ambiciosa (mais cara e estendida a mais setores) para que as indústrias tenham maior incentivo para reduzir as emissões poluentes.
Já as receitas fiscais dessa taxa "seriam usadas para compensar os mais pobres", provavelmente através de um cheque anual que compense os mais vulneráveis pelo impacto do custo excessivo da energia decorrente das políticas de transição energética.
Por exemplo, França vai dar a partir de dezembro um "cheque-combustível" único de 100 euros a cerca de 36 milhões de condutores que ganham menos de 2.000 euros por mês devido à escalada dos preços do gasóleo e da gasolina.
Sobre o impacto nas classes médias e como pode levar a crispação social e política contra a fiscalidade verde (como aconteceu com o movimento dos Coletes Amarelos em França, em 2019), Gollier disse que é preciso assumir-se publicamente que "se pode compensar algumas pessoas, mas não toda a gente" e que os políticos não estão a querer dar as más notícias.
Defende que há que explicar que mais vale o custo agora do que de futuro, que seria mais catastrófico, mas que são grandes os sacrifícios.
"A maioria dos partidos políticos diz que a transição energética é uma oportunidade para Europa, que irá reduzir a conta da eletricidade, que gerará milhões de empregos bem pagos. Mudar de fontes baratas de energia para mais sustentáveis e caras significa fazer sacrifícios, milhões de empregos serão destruídos, outros serão criados, mas globalmente haverá perda, não são boas notícias. Vamos gerar outras vantagens, mas a curto prazo é um ataque ao rendimento das famílias", afirmou Gollier.
"A energia é crítica e sem energia não podemos trabalhar, viajar, produzir bens e serviços, gerar prosperidade. Quando aumentamos o custo da energia reduzimos o bem estar, não há dúvida sobre isso", vincou o economista, que publicou em 2019 o livro 'Le climat après la fin du mois' ('O clima depois do fim do mês', em tradução livre) em que defende o princípio do poluidor-pagador e a imposição de um preço do carbono à escala mundial (que reflita o valor dos danos que crie) e diz que o problema é que o fim do mês acontece antes do fim do mundo.
Questionado sobre se a redistribuição de rendimentos poderá ser uma política europeia, Christian Gollier nega, afirmando que cabe a cada país decidir como a fazer. E sobre se isso não irá criar desigualdades, face a contas públicas muito diferentes entre países, Gollier admitiu e recordou mais desigualdades, como haver países que vão pagar muito mais pela descarbonização, por exemplo, por ainda terem um 'mix' energético muito mais dependente de combustíveis fósseis.
Na Polónia, por exemplo, mais de 70% da energia gerada vem da queima de carvão e já há problemas relacionados com o impacto direto em milhares de empregos (desde logo de mineiros).
Nos postos de trabalho que são destruídos na transição energética, Gollier defende que tem de se atuar com políticas mitigadoras como dar formação a esses trabalhadores para conseguirem novos empregos, mas admite que nem todos serão compensados.
"A partilha do custo desta ambição europeia não será igual em todos os países e temos de assegurar que não se cria mais desigualdades", afirmou.
A Comissão Europeia apresentou em julho um pacote para conseguir um corte de, pelo menos, 55% das emissões até 2030 (face a 1990), e o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050.
O pacote 'Fit for 55' propõe criar um novo mercado de carbono, semelhante ao que já existe através do Regime de Comércio de Licenças de Emissão, mas que vise agora os setores dos transportes e aquecimento dos edifícios.
Propõe ainda um imposto sobre o carbono a um conjunto de produtos -- cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade -- que sejam importados para o mercado europeu e o fim da venda de automóveis a gasolina e gasóleo a partir de 2035.
Para mitigar os efeitos, Bruxelas propõe o Fundo Social para a Ação Climática, avaliado em 70 mil milhões de euros, a sete anos, alimentado pelas receitas do mercado de carbono (comércio de licenças de emissão relativas aos combustíveis destinados aos edifícios e aos transportes rodoviários) para compensar o impacto sobre os mais vulneráveis.
Christian Gollier considerou que o pacote é credível e ambicioso, mas recorda que há muita oposição de Estados-membros, sobretudo contra o aumento do preço do carbono para transportes e edifícios.
De momento, na UE, afirmou Gollier na entrevista à Lusa, é difícil aumentar o preço do carbono quando os combustíveis fósseis estão mais caros nos mercados internacionais, mas disse que provavelmente esse aumento é temporário (ainda que ainda vá demorar a passar) e que, face à pressão para a longo prazo eliminar os combustíveis fósseis, países com grandes reservas (petróleo, gás ou carvão) quererão vender mais o mais cedo possível e preços poderão baixar nos próximos anos.
Será aí, defendeu, que se deverá impor um preço do carbono ambicioso para garantir que os combustíveis fósseis não sejam atrativos de futuro e fazer a transição energética.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.