Pedem-se informações ao algoritmo com muito mais à-vontade do que o fizemos à Wikipédia nos anos 90.
A sociedade portuguesa vive uma crescente polarização, impulsionada pelas redes sociais e pelo consumo individual e autónomo de notícias. O fosso geracional nunca foi tão grande - a última geração que saiu de Abril está praticamente na pré-reforma (eram crianças em 1974) e os novos adultos, já no mercado de trabalho ou em papéis de relevo na Função Pública e na política, nasceram em democracia e na era da internet. No ano dos 50 anos do final do PREC e do 25 de Novembro, “as conquistas de Abril” parecem ser paleio da esquerda e não uma vitória de todos.
Neste início da era da inteligência artificial (IA), a maioria dos portugueses utiliza regularmente ferramentas de IA, seja nos liceus ou nas universidades (muitas vezes em usos fraudulentos), para poupar tempo no trabalho ou para preparar simplesmente o programa das férias ou a disposição dos móveis lá de casa. Pouco a pouco, empregos como aqueles em ‘call centers’ - que ocupavam há mais de década e meia quem não tinha outra hipótese - tornaram-se dispensáveis. Só a entrega de comida ainda depende das pernas dos explorados alvo da xenofobia, que se banalizou. (De repetente parece ter passado a haver uma larga maioria que se esqueceu de que somos todos “descendentes do escravo e do senhor que o escravizou”, como disse neste 10 de junho Lídia Jorge).
Num país onde o comércio (por grosso e a retalho) é um dos maiores empregadores (cerca de 70%) foi este ano mais visível o aumento das caixas de ‘self-checkout’. Já há lojas de conveniência e farmácias totalmente automatizadas. Os postos de atendimento personalizado estão, portanto, a deixar de ser oportunidade de emprego num mercado de trabalho envelhecido, com menos jovens no ativo e mais trabalhadores com idades avançadas. Portugal é um dos países com trabalhadores mais velhos na UE.
O atendimento telefónico nos serviços essenciais é hoje feito através de recursos de IA e mesmo a voz simpática, na maior parte das vezes, já não é de ninguém.
Em 2025, 90 por cento dos dos portugueses utilizaram o ChatGPT. A ferramenta de IA tornou-se mais rapidamente banal do que o Facebook ou as buscas no Google quando apareceram, também porque a tecnologia de suporte - telemóveis e computadores pessoais - está absolutamente disseminada. A capacidade de concentração e a persistência estão diminuídas. Pedem-se informações ao algoritmo com muito mais à-vontade do que o fizemos à Wikipédia, a enciclopédia multilíngue escrita de forma colaborativa que apareceu em 2001. Ressuscitamos até avós de fotografias a preto e branco e vemo-los a sorrir pela primeira vez, sem que isso coloque questões substanciais. Entrámos definitivamente na época em que a verdade passou a não ser uma via única.
No último mês do ano veio a notícia de que, afinal, a crise no jornalismo pode ainda piorar se se concretizar a possibilidade do interior do País deixar de ter acesso à distribuição de imprensa - um retrocesso tremendo numa região que nunca saiu de facto do isolamento histórico.
No início deste ano letivo tivemos menos candidaturas ao ensino superior, principalmente aos polos que começaram há 40 anos a revitalizar algumas cidades secundárias, parte delas nesse espaço geográfico distante do litoral, urbano, onde se perpetuam os centros de poder. Este foi sintoma maior do encurtamento do poder de compra das famílias portuguesas em 2025.
Perceções
Discutem-se ‘perceções’ de todo o género, mas a palavra do ano acabou por ser ‘apagão’, apenas porque a meio da manhã de 28 de abril a Península Ibérica ficou às escuras por mais de 24 horas. (A Proteção Civil convidou-nos a ter um kit de sobrevivência em casa e poucos acharam anormal.)
Por causa de um dermatologista, também a perceção de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) vive uma crise histórica se acentuou. O Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, reagiu muitas semanas depois da denúncia na Comunicação Social, com a suspensão de vencimento do doutor que já tinha amealhado 700 mil euros em produção adicional.
Mas valha-nos o turismo. Se nada mais houver, poderemos sempre contar com o facto de vivermos num país espetacular. A prová-lo o facto de os mercados emissores que mais cresceram serem economias de primeira linha. Também o Canadá, a Alemanha, o Reino Unido e os EUA escolhem cada vez mais viver entre nós. Em 2017, por exemplo, eram três mil americanos; oito anos depois 20 mil, atraídos pela segurança e pela qualidade de vida que os naturais tantas razões têm para criticar.
Mas só a comunidade do Bangladesh, entre nós desde os anos 90, mereceu um cartaz de uma força política a dizer que Portugal não é a terra deles - a normalização da xenofobia (essa doença que varre a Europa) já cá está. Em fevereiro, houve uma manifestação da extrema-direita contra a “islamização da sociedade portuguesa”.
A falácia
No verão mais quente, no 10 de Junho choveu e caiu granizo. Marcelo Rebelo de Sousa levou as comemorações do Dia de Portugal para Lagos; e Lídia Jorge, a comissária, como já referimos, discursou e parte deste País dito de brandos costumes não gostou de ouvi-la denunciar a “falácia da ascendência única”.
A perceção da insegurança associada às minorias serve um propósito político. À conta desta perceção, impingida, o País esquece-se que as nossas cidades não são guetos de violência e que nessa verdade está uma das razões da demanda dos imigrantes de 'primeira classe'. É devido também a eles que temos habitação a preços muito estrangeiros.
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