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Especialista pede a governos aposta na educação sobre efeitos do uso de psicadélicos

Investigador ressalvou que "os psicadélicos são amplificadores" de problemas antigos ou desconhecidos.

01 de outubro de 2025 às 08:26

O especialista em medicamentos psicadélicos Jules Evans, usados para tratamento clínico da depressão, defendeu esta quarta-feira que os governos devem apostar na educação da população sobre os efeitos nocivos destas substâncias quando consumidas fora do acompanhamento médico.

"A utilização médica será provavelmente apenas de cerca de 5% da utilização total. Temos de pensar numa forma de educar o público sobre como consumir estes medicamentos em segurança", realçou em entrevista à agência Lusa.

O diretor do Challenging Psychedelic Experiences Project, Jules Evans, recordou que atualmente "os psicadélicos já estão muito disponíveis" ao público, quer na Internet, quer num campo, no caso de cogumelos.

"Se estamos a pensar em como reduzir os efeitos nocivos dos psicadélicos, em como proteger as pessoas dos efeitos nocivos, não podemos pensar apenas no uso clínico. Temos de pensar em toda a utilização de substâncias psicadélicas", disse o investigador que vai participar esta quarta-feira no simpósio "Psychedelic Therapy: From Evidence to Equity", na Fundação Champalimaud, em Lisboa.

De acordo com o cientista, os governos e as entidades reguladoras têm de pensar em como se educa o público "sobre como consumir estas drogas em segurança".

Jules Evans indicou que "os psicadélicos tornam as pessoas mais sensíveis", podendo ser aproveitadas no meio social.

"Se formos até ao 'underground' psicadélico, ao subsolo (ilegal), a uma igreja psicadélica, as pessoas aproveitam-se das outras quando estão sob o efeito de psicadélicos, para benefício próprio. Talvez tentem fazer sexo com elas. Roubar-lhes dinheiro. Tentem que se juntem ao seu culto. Não acontece muitas vezes, mas é um risco", alertou.

O investigador que analisa as dificuldades após ingestão de psicadélicos ressalvou que "os psicadélicos são amplificadores" de problemas antigos ou desconhecidos.

"Se tiver um historial familiar de psicose ou de perturbação bipolar, pode ser arriscado tomar substâncias psicadélicas, porque pode espoletar a psicose ou a perturbação bipolar. Pode atuar como um gatilho para essa vulnerabilidade genética", afirmou, vincando que "é muito raro" e que acontece em "menos de 2% dos casos".

À Lusa, Jules Evans deu exemplo de casos de transtorno obsessivo-compulsivo, em que os psicadélicos podem ajudar o doente a recuperar, alertando que "se for feito com falta de cuidado antes, durante e depois da experiência, por vezes, pode amplificar-se, piorar a situação".

"O mesmo se passa com a perturbação pós-traumática. Os psicadélicos podem ajudar as pessoas a recuperar da perturbação pós-traumática, mas se for sem cuidado, antes, durante ou depois da experiência, pode exacerbar a perturbação pós-traumática", acrescentou.

Questionado sobre a implementação em larga escala de psicadélicos em tratamentos, o investigador lembrou que a ciência ainda está "a aprender sobre os riscos" e que a sociedade "ainda não está preparada".

"Ainda há coisas que estamos a aprender. Ainda estamos a aprender se é necessária uma terapia para acompanhar o medicamento. Ainda estamos a aprender sobre os riscos, como reduzi-los e como ajudar as pessoas que se sentem pior depois. Por isso, penso que tudo isso é possível de alcançar", frisou.

O diretor da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud, Albino Oliveira Maia, acrescentou que o simpósio "Psychedelic Therapy: From Evidence to Equity" reúne clínicos, investigadores, representantes de doentes, decisores políticos e especialistas em ética para discutir "a investigação clínica e o tratamento de doença".

O psiquiatra e investigador recordou que a preocupação "é conseguir atingir um equilíbrio em que o progresso não se faça à custa de riscos".

"Quando nós estamos a falar de uma nova abordagem terapêutica que possa, eventualmente, um dia vir a ser utilizada para tratar a depressão em pessoas com doença de Parkinson, por exemplo, nós temos que pensar que devemos comunicar sobre este assunto de um modo que seja justo para os participantes em investigação e não os assuste", salientou.

Sobre quantas pessoas já fizeram tratamentos, após a aprovação do primeiro psicadélico para depressão grave a usar em meio hospitalar em maio, Albino Maia disse que "não é uma resposta fácil de dar", dizendo que apenas conhece dois casos: um tratado na Fundação Champalimaud e no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Beja.

"Desde maio, não sei dizer. Não faço ideia. Espero que seja mais do que duas, porque temos claramente mais do que duas pessoas que precisam deste tratamento", vincou.

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