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Exército do Zimbabué coloca Mugabe sob custódia e toma controlo da capital

Militares garantem que não se trata de um golpe de estado.

15 de novembro de 2017 às 00:12

O exército do Zimbabué anunciou esta quarta-feira que tem sob custódia o Presidente e a mulher, controla os edifícios oficiais e patrulha as ruas da capital, após uma noite de agitação que incluiu a tomada da televisão estatal.

A ação dos militares gerou especulação quanto a um golpe de estado, mas os apoiantes dos militares disseram tratar-se de uma "correção sem derramamento de sangue", escreve a Associated Press.

No entretanto, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, garantiu já ter falado com Mugabe por telefone. Este contou-lhe que se encontra "confinado à sua casa", mas "está bem". O The Guardian adianta que a mulher de Mugabe, Grace, está fora do país: ao que tudo indica, estará em Namíbia numa visita de negócios. 

Soldados armados em veículos blindados estão hoje estacionados em pontos-chave da cidade de Harare, enquanto os residentes formam longas filas nos bancos para levantar dinheiro, uma operação de rotina num país em crise financeira.

As pessoas olham para os seus telefones para ler sobre a tomada do exército, enquanto outros se deslocam para o trabalho ou para as lojas.

Num discurso à nação após a tomada do controlo da televisão estatal, o major general Sibusiso Moyo disse esta madrugada que o objetivo da ação são os "criminosos" que rodeiam o Presidente, Robert Mugabe, e que os militares pretendem assegurar que a ordem do país é restaurada.

 "A sua segurança está garantida", disse Moyo. "Nós desejamos deixar bem claro que isto não é um golpe militar", disse.

"Estamos apenas a visar criminosos em torno dele [Robert Mugabe] que cometem crimes que estão a causar sofrimento económico e social no país, de modo a levá-los à justiça", afirmou o exército através dos 'media' estatais.

"Assim que tivermos cumprido a nossa missão, esperamos que a situação volte à normalidade", acrescentou Moyo.

O porta-voz do exército pediu às igrejas para rezarem pelo país e instou as outras forças de segurança a "cooperarem para o bem da nação", advertindo que "qualquer provocação terá uma resposta adequada".

Todas as tropas receberam ordens para retornarem ao quartel imediatamente, disse Moyo. A transmissão da televisão passou da sede da ZBC para perto de um subúrbio de Harare, em Borrowdale.

Durante a noite, pelo menos três explosões foram ouvidas na capital, Harare, e veículos militares foram vistos nas ruas.

A embaixada dos Estados Unidos está hoje fechada ao público e encorajou os cidadãos a procurarem refúgio, citando "a continuada incerteza política ao longo da noite".

A embaixada britânica emitiu um aviso similar, citando "relatórios de atividade militar invulgar".

O Zimbabué vive pela primeira vez uma divergência aberta entre o Presidente, que dirige o país desde 1980, e o exército.

A tensão escalou na semana passada depois de Mugabe ter despedido o seu vice-presidente e aliado de longa data, Emmerson Mnangagwa, de 75 anos, que tinha estreitas ligações com os militares.

Na segunda-feira, o chefe das Forças Armadas, o general Constantino Chiwenga, condenou a demissão do vice-presidente do país, e avisou que o exército poderia "intervir" se não acabasse a "purga" dentro do Zanu-PF, partido no poder desde a independência do Zimbabué, em 1980.

O partido Zanu-PF, de Mugabe, reagiu no dia seguinte ao aviso sem precedentes, acusando o chefe das Forças Armadas de "conduta de traição", afirmando que as críticas do general Constantino Chiwenga se destinavam "claramente" a perturbar a paz nacional e demonstravam uma conduta de traição, "já que foram feitas para incitar à sublevação".

Mnangagwa, há muito considerado o delfim do Presidente, foi humilhado e demitido das suas funções e fugiu do país após um braço-de-ferro com a primeira-dama, Grace Mugabe.

Figura controversa conhecida pelos seus ataques de cólera e dirigente do braço feminino do partido do marido, Grace Mugabe tem muitos opositores, tanto no partido, como no Governo.

Com este afastamento, fica na posição ideal para suceder ao marido, que, apesar da idade avançada e da saúde frágil, foi nomeado pela Zanu-PF como candidato às eleições presidenciais de 2018.

Comunidade portuguesa está calma, vida em Harare decorre normalmente

António Simões, proprietário de um restaurante a menos de um quilómetro do centro de Harare e há 24 anos no país, salientou que a única diferença para um dia perfeitamente normal é a presença de militares nas ruas e avenidas mais movimentadas junto ao palácio do Governo, parlamento e ministérios.

"Apenas é proibida a circulação automóvel junto a estes locais, mas as pessoas podem atravessar a zona a pé, sem problemas", salientou António Simões, que se preparava para ir buscar os dois filhos à escola, contactado por telefone em Harare a partir de Lisboa.

Segundo o proprietário do restaurante, que mantém o estabelecimento aberto e que está a servir almoços normalmente, não existem confrontos nem escaramuças.

Pelo menos é isso que está a ser indicado na televisão e rádio oficiais, já nas mãos dos militares, que têm apelado à população para manter a calma e continuar com a vida normalmente, evitando apenas as zonas controladas pelos militares.

Se em Harare a situação é pautada pela normalidade, quebrada apenas pela presença de militares nalgumas ruas da capital, em Bullawayo, segunda maior cidade do país, apenas se sabe da crise político-militar pela televisão e rádio oficiais.

Contactado telefonicamente pela Lusa a partir de Lisboa, o empresário português Rodrigo Tavares, já reformado, explicou, a partir de Bullawayo, onde residem 33 portugueses, que nem polícias nem militares patrulham as ruas.

Segundo o antigo Tesoureiro da Comunidade Portuguesa aí residente, natural de Vendas Novas (Portugal), 74 anos e há 41 no país, não há qualquer sinal visível de preocupação entre a população.

Em Harare, António Simões adiantou à agência Lusa que os únicos sons de confrontação que ouviu foram os de duas explosões - "há quem fale de três" - ocorridas "cerca da 01h00" (23h00 de terça-feira em Lisboa), mas diz que, desde então, nada mais aconteceu.

O empresário português, de 50 anos e natural da África do Sul, adiantou, por outro lado, ter conhecimento de que houve pequenas escaramuças quando os militares tentaram deter alguns ministros do Governo de Robert Mugabe nas respetivas casas.

Os confrontos opuseram militares à segurança pessoal de vários ministros, nalguns casos fortemente armada, desconhecendo-se, porém, a existência de mortos ou feridos.

"Mas a situação é tranquila e pacífica", insistiu António Simões, destacando que o "nível superior de instrução, educação e civismo da população" o leva a pensar que a crise político-militar estará resolvida nas próximas 24 a 48 horas sem derramamento de sangue.

"Ao contrário de outros países africanos, em que a presença de militares nas ruas é um mau presságio, não há no Zimbabué uma tradição de violência, pois é um povo educado e com um nível de instrução superior e não há qualquer tipo de hostilidade, até porque não existe também uma oposição militarizada que possa agravar a situação", explicou.

António Simões, que aos três anos veio com a família para Portugal, seguindo há 24 anos para Harare para ajudar, durante duas semanas, a reerguer o restaurante após a morte do tio -- "fui por duas semanas e já cá estou há quase duas dezenas e meia de anos" -, sublinhou, pelas razões apontadas, não acreditar num conflito no país.

"A cultura dos zimbabueanos dá-nos paz de espírito e a situação não é comparável à de outros países africanos", garantiu, admitindo, porém, que não subestima a crise em curso no país, pois há "muita informação errada a circular nas redes sociais" que pode desencadear algo mais confuso.

Ministro da Defesa diz que há tentativa de "mudança de regime forçada"

O ministro da Defesa do Zimbabué, Sydney Sekeramayi, alertou esta quarta-feira que há pessoas interessadas em destruir a imagem do seu Governo para "orquestrar uma mudança de regime forçada".

"Eles divulgam informações para deteriorar a nossa imagem, com o objetivo de orquestrar uma mudança de regime forçada", disse Sydney Sekeramayi, durante uma reunião ministerial em Moçambique.

As declarações foram feitas durante um discurso na X Sessão da Comissão Conjunta Permanente de Defesa e Segurança, que junta Moçambique e Zimbabué e que decorre em Bilene, província de Gaza, 200 quilómetros a norte de Maputo.

O governante do Zimbábue abandonou os trabalhos mais cedo para regressar ao país.

Para Sydney Sekeramayi, há forças que usam as redes sociais para espalhar informações que favorecem a oposição, afrontando o governo "legitimamente eleito".

"Usa-se a internet na tentativa de destruir os governos eleitos legitimamente, através das redes sociais", acrescentou durante o seu discurso.

Associação de Veteranos apoia exército e pede afastamento de Mugabe

O presidente da Associação de Veteranos de Guerra do Zimbabué anunciou que está ao lado do exército e que defende o afastamento de Robert Mugabe da presidência e da liderança da Zanu-PF.

Victor Matemadanda disse à imprensa na capital do Zimbabué, Harare, que o país tem estado a resvalar para um "estado caótico" e que a tomada do poder pelos militares é boa para o Zimbabué.

Matemadanda defendeu ainda que a Zanu-PF, o partido no poder, deve constituir uma comissão de inquérito a Mugabe e à decisão de deixar a mulher, Grace, insultar os veteranos e as Forças Armadas.

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