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Embora essa (décima segunda) aventura em nome próprio de Cave valesse mais uma estrondosa, bela e múltipla página no seu historial, a verdade é que o 'anjo negro' até podia esquecer-se (no Centro Cultural de Belém, nas próximas terça e quarta, 24 e 25) deste passo. Porque, para trás, em 20 anos que agora se fecham de forma redondinha, a dar direito a uma qualquer efeméride, que o próprio teimosamente dispensará, Nick Cave e os Bad Seeds (o seu grupo, com elenco variável mas consistência uniforme, desde os dias de 'From Her To Eternity' até hoje) deixaram 'pegadas' fundas, contos e perfumes, desesperos e declarações, fervores e murros no estômago que chegam não só para lhes garantir um lugar na galeria dos grandes contemporâneos como para poder assegurar-se que são uma das mais desejadas e bem-vindas exportações do continente australiano. Como Nicole Kidman e Russell Crowe. Como Kylie Minogue, que lhe está nos antípodas musicais, mas que com ele rubricou, em parceria de som e imagem, uma das mais dramáticas e convincentes canções de amor, a mítica 'Where The Wild Roses Grow'.

Há pouco mais de dez anos, quando o álbum 'em referência' se chamava 'Henry's Dream', lembro-me de uma passagem de Cave pelo Coliseu de Lisboa. Frenética, de suar as estopinhas (lotação esgotada… em Junho), mas capaz, a cada canção, de deixar entrever uma grandeza melódica e uma densidade poética que não se esgotavam na moda e no carisma da figura central. Apesar dos quilómetros percorridos desde essa noite, esse 'show', longo mas ainda assim demasiado curto para os apetites acumulados, não saiu dos lugares cimeiros do meu 'ranking'. Porque Cave nunca deixava o centro das atenções embora fizesse questão de abrir espaços para os músicos irem colorindo os temas. Porque cantou, no limite, sempre no limite, 'The Weeping Song', 'The Ship Song' e 'Papa Won't Leave You, Henry', algumas das minhas (e são muitas…) favoritas. Porque trocou água, oferecida ao público, por cigarros, generosamente cedidos pela plateia. Porque chegou ao fim tão extenuado como aquela rapaziada militante que se pranta mesmo em frente ao palco. Porque houve, do primeiro ao último minuto, uma corrente de verdade, de entrega, de carisma, daquele subtipo que não precisa, nunca, de ser exibido.

Desta vez, Cave vai apresentar-se com uma moldura bem diferente: além do piano que assumirá por si próprio, estarão em Lisboa apenas um baixista, um percussionista e um violinista. O que, parecendo estranho, vai permitir perceber o que há por baixo das camadas superficiais das suas canções, sejam elas quais forem – este é um dos poucos homens que pode mudar o repertório de palco para palco sem baixar da tangente ao sublime. Por mim, se me é permitido formular uns quantos desejos (ou pedidos, se alguém der uma ajudinha), gostava mesmo de ouvir 'Wonderful Life', que até se adapta ao formato, de me perder ao som da balada 'Still In Love'. E de sentir como poderia ser dada a volta a 'Red Right Hand'… Mas é como o senhor quiser, que estará sempre bem.

Depois do orgulho de o vermos passar pelo primeiro lugar da tabela de vendas, graças a um 'Irmão do Meio' que lhe vale como mais um círculo (ou ciclo) na carreira sem nódoa, o mínimo que podemos fazer é marcar na agenda da semana – está carregada? Antes assim! – uma presença entusiasta no concerto que assinala o arranque de 2004 para SÉRGIO GODINHO. No Coliseu de Lisboa, claro está. E com as ajudas de outros 'manos' anunciados: Vitorino, Jorge Palma e David Fonseca. Temos festa, segurinha. n Um filme de Peter Hedges dá o título - 'Pieces Of April' (ed. Warner) -a uma banda sonora que marca o regresso de STEPHIN MERRITT (esse, o de Magnetic Fields e The 6ths). Segunda incursão no género, depois de 'Eban & Charley', recorda três momentos de '69 Love Songs' (dos Fields) e dois de 'Hyacinths and Thistles' (dos 6ths, um com Momus, outrol com Katherine Wallen, dos Squirrel Nut Zippers). Mas o melhor está nos cinco inéditos, que vão do psicadélico ao 'crooning'. Genial e imprevisível.

Monotonia, parte I: a espaços, especialmente se as canções trouxerem o rótulo de novidade, até se acha graça a um vozeirão domesticado e a uma 'soul' axaropada, características que marcam a carreira da lindíssima TONI BRAXTON. Mas a história é outra quando se trata de voltar atrás em cantigas que só fizeram história no momento, não mais. Uma dúzia de anos de carreira, 15 propostas, mais duas inéditas e uma remistura. Pouco excitante, este 'Ultimate' (ed. BMG) servido assim, em dose sem fim.

n Monotonia, parte II: para uma antologia do homem, não haveria melhor título do que 'The Electric Joe Satriani' (ed. Sony Music). Mas é dos pequenos pormenores que ressaltam as grandes diferenças – eléctrico não quer dizer eclético. Ora este CD duplo que recupera quase dúzia e meia de anos de solos, 'riffs', malhas e desvarios do 'virtuoso' JOE SATRIANI, acaba por roçar o insuportável, mesmo para quem tolere o género mais pesado do 'rock'. A técnica está aqui toda, a alma nunca passou por cá.

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