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"A Leonor é transexual. Ela existe. É a minha filha": carta de uma mãe sobre a polémica lei de identidade de género

Lei que estabeleceu direito à autodeterminação da identidade e expressão de género foi aprovada em 12 de julho e publicada em agosto de 2018.

23 de agosto de 2019 às 18:38

"Chamo-me Rita e sou mãe da Leonor. A Leonor é transexual. Ela existe. É a minha filha", começa por escrever Rita Alves, mãe de uma menina transsexual, em resposta a um artigo de opinião publicado pela professora universitária Laurinda Alves 

"Chamo-me Rita e sou mãe da Leonor. A Leonor é transexual. Ela existe. É a minha filha", começa por escrever Rita Alves, mãe de uma menina transsexual, em resposta a um artigo de opinião publicado pela professora universitária Laurinda Alves no jornal Observador sobre a lei que regulamenta a identidade de género. O artigo original, intitulado "minoria de estimação" lança duras críticas à lei aprovada pelo Governo e não deixou Rita Alves indiferente. A polémica das casa de banho nas escolas parece estar para durar. 

A mãe de Leonor pediu ao grupo de pais AMPLOS (para famílias pessoas próximas da comunidade 

), ao qual não pertence, para partilhar a carta na página de Facebook do grupo. "Ao contrário do que diz, havia e há legislação para as crianças deficientes e até houve uma escola onde a minha filha só encontrava privacidade na sala dos autistas. Digno, não é? Mas para si os autistas são uma minoria que vale a pena. A minha filha, para si, não merece a atenção do governo, que só peca por tardia", escreve a progenitora que acusa ainda Laurinda Alves de não ter interesse na situação da filha e informa que a professora não faz ideia sobre "

o que é ser mãe e ter um filho que logo aos três anos diz a chorar que não é menino, que não percebe porque insistimos em tratá-lo por menino".

Rita Alves diz a Laurinda que esta "nem sonha, nem imagina o que vivem estas crianças e as suas famílias. Está tão longe do seu mundo de anjinhos e coisas fofas que, percebo bem, a sua única via é falar do que não sabe e discorrer sobre casas de banho nas escolas". Mas reconhece também que, tal como a professora na universidade Nova, houve uma altura em que não sabia lidar com a filha.

"Porque nós, pais, tal como a Laurinda Alves, não sabíamos o que era. Para nós, tal como para si, o nosso querido filho era afinal o quê? Um deficiente? Uma aberração?" E mudar esta forma de  ver a situação da filha foi complicada e exigiu esforço por parte dos pais de Rita. "Aprender a amar é tão duro quanto isto. Voltar a amar aquele que rejeitámos. Sabe o que é o peso de nós, pais, termos contribuído para a rejeição?"

A mãe da criança transexual conta ainda o quão doloroso foi "ir ver as notas da sua filha e a pauta ter o nome em branco, como se não existisse, porque era, até agora, a única forma legal de não usar o nome" que a criança escolheu quando afirmou não ser um menino.

Rita Alves usa ainda o tema da casa de banho nas escolas - um dos que tem dado mais azo a polémicas - para chamar a atenção à cronista do Observador. "Sabe o que é ter uma filha em pânico por não saber se pode ir a uma casa de banho, por ter de se despir em frente a outros? "

Mas os ataques a Laurinda não se ficaram por aqui Rita Alves vai mais longe com a crítica: "No seu caso, reconhecemos todos qual é a sua atividade principal. As causas solidárias nas revistas giras, a foto das férias na capa cor-de-rosa, as campanhas queriduchas, o livro de auto-ajuda que vende bem no supermercado, tudo isso lhe dá a consciência tranquila para olhar para si e pensar como é boa. E até lhe dá a legitimidade pública para chamar à minha filha minoria de estimação. Pois é, a minha filha talvez não encaixe bem nos padrões de silicone das suas revistas cor-de-rosa nem dos lacinhos das causas da lágrima de crocodilo. Mas encaixa na minha vida. E não tem de levar com o seu desprezo e com a sua ignorância".

"Se a minha filha tivesse leucemia, talvez chorasse a sua lágrima e comesse o seu croquete solidário. Como é trans, tem de ser escondida e o estado tem de fazer de conta que ela não existe. É assim a espiritualidade e a humanidade das Laurindinhas. Sabe o que me anima, Laurinda Alves? São os jovens. A felicidade da minha filha tem sido assegurada pelos amigos e amigas que a têm apoiado e ajudado, tantas vezes contra adultos que pensam como a Laurinda", termina Rita escrevendo na sua carta aberta.

À SÁBADO, Laurinda Alves explicou que respondeu diretamente à mãe de Leonor através de e-mail, já que a carta lhe chegou por essa via.

A lei que veio estabelecer o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género, e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa, foi aprovada em 12 de julho e publicada em agosto do ano passado.

Na semana passada foram publicadas as medidas administrativas "que possam contribuir para garantir o livre desenvolvimento da personalidade das crianças e jovens e para a sua não discriminação em ambiente escolar, garantindo a necessária articulação com os pais, encarregados de educação ou representantes legais dos mesmos", lê-se no despacho.

Em 19 de julho passado um grupo de 85 deputados do PSD e CDS-PP entregou no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização sucessiva de parte da norma que determina a adoção de medidas no sistema educativo sobre identidade de género. 

"A ideologia de género, tal como qualquer outra ideologia, pode ser promovida e discutida no espaço público democrático. Decorre de vivermos em democracia num regime de liberdades, mas a Constituição muito justamente proíbe que o Estado promova no sistema de ensino a propagação de ideologias, religiões ou doutrinas. É só isso que aqui está em causa na nossa iniciativa: a proteção da escola face às ideologias - no caso desta lei, a de género", argumentou na altura o deputado Miguel Morgado (PSD) à Lusa, salientando que o pedido de fiscalização sucessiva abstrata não incide sobre o direito consagrado na lei à autodeterminação da identidade de género.

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