Se o arquivo colonial contém muita informação, o mesmo não acontece com o passado mais recente, após as independências.
Investigadores consideram que o desinteresse de Portugal pelas ex-colónias após as independências está espelhado no lapso temporal e de conteúdo sobre esse período nos arquivos históricos portugueses, nos quais abundam registos da época colonial.
"Portugal deixou de olhar para as suas ex-colónias em termos de registo histórico", disse à agência Lusa a investigadora Inês Ponte, coordenadora do Arquivo de História Social (AHS) do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa), que contém documentação dos movimentos nacionalistas africanos, entre outras.
Este desinteresse pelas ex-colónias da parte de Portugal, país que há 50 anos vivia um processo revolucionário em curso, coincidiu com a altura em que os países libertados decidiram escrever a sua história, em virtude da desconfiança da narrativa contada pelo colonizador.
"O arquivo, enquanto ferramenta do aparelho do Estado, foi de facto uma ferramenta importante no processo de dominação colonial", disse à Lusa Matheus Serva Pereira, investigador do ICS-Lisboa.
E acrescentou: "Era um inventário sobre os povos; mas quando você faz um inventário, a própria palavra dá a entender isso, é uma imaginação sobre o que é e não necessariamente um retrato fidedigno da realidade, mas um olhar a partir do colonizador".
Apesar da demanda pós-colonial destes países em busca da sua história, contando para isso com testemunhos vivos, os conflitos internos que se seguiram interromperam o processo de recolha e tratamento de dados, alguns dos quais começam agora a ser objeto de curiosidade e até de estudo por alguns académicos.
Inês Ponte e Matheus Serva Pereira organizaram, em maio, um seminário dedicado aos "Arquivos da Revolução", o qual contou com participantes com diferentes experiências em cada um dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
O encontro revelou o que está a ser feito e o que falta fazer para preservar as memórias destes povos e também que estes estão muito determinados em guardá-las devidamente.
Se o arquivo colonial contém muita informação, o mesmo não acontece com o passado mais recente, ou seja, após as independências destas ex-colónias portuguesas.
Já em relação à documentação produzida pelos movimentos nacionalistas, muita dela encontra-se fora de Portugal e dos países de origem dos movimentos, dada a passagem pelo exílio de vários dos seus elementos.
Ou seja, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) produziu documentação na Guiné-Conacri, no Senegal, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) na Tanzânia, Argélia, Brasil, Estados Unidos, França, China...
Estes movimentos vão depois, já no poder, tentar monopolizar a memória, defendendo narrativas únicas, como a maioria dos partidos que então assumiram o Governo.
Em relação ao acervo do Arquivo de História Social (AHS), Inês Ponto refere que é notório como o "PREC consumiu Portugal à atenção em si próprio".
"É impressionante. Eu às vezes olho para o catálogo do AHS e digo que, neste arquivo, Angola ainda está em guerra, ainda não chegou à paz, ainda não chegou a 2002", disse.
E acrescenta: "Há um lapso temporal e de conteúdo, há um desinteresse absolutamente radical" após as independências, que completam este ano meio século, com exceção da Guiné-Bissau, que a proclamou unilateralmente em 1973.
"Portugal deixou de olhar para as suas ex-colónias em termos de registo histórico, se olharmos para o AHS, que é um arquivo muito especial", o que provavelmente também aconteceu com outros, indicou.
Inês Ponte identifica um "crescendo de curiosidade nestes temas coloniais, a descolonização e a pós independência" e até sobre os próprios países.
"Sente-se uma crescente curiosidade em conhecer, por exemplo, Angola, mas não só o que foi a Angola colonial, como também o que é a Angola de hoje, as independências e os percursos que estes diferentes países fizeram", prosseguiu.
"Há um ponto em que nós temos que explicar às gerações mais novas o que é que foi o colonialismo português, que elas já não viveram, e os jovens começam a ter curiosidade com o presente desses países.
Para Matheus Serva Pereira, os arquivos têm enriquecido com a desclassificação de certos documentos, que permite ao investigador o seu acesso, e também a doação de espólios, que muitas vezes revelam informações até então desconhecidas, porque eram privadas.
Inicialmente designado de Arquivo Histórico das Classes Trabalhadoras, o AHS foi fundado em 1979 e as suas coleções cobrem fontes relevantes para o estudo do anarquismo, do corporativismo, do feminismo, do movimento estudantil, dos movimentos nacionalistas africanos, do colonialismo português ou do processo revolucionário português.
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