page view

Crianças de Chernobyl passam férias em Portugal

Desastre na Ucrânia aconteceu há 30 anos.

25 de abril de 2016 às 09:12

A 50 quilómetros de Chernobyl, Ivankiv é a última cidade habitada antes de se chegar à zona interdita, mas onde se fala mais das férias em Portugal do que do acidente nuclear de há três décadas.

"Não têm consciência (do acidente). As crianças não sabem e mesmo os pais eram muito pequenos. Chernobyl não faz parte das conversas", diz à Lusa Fernando Pinho, responsável pelo projeto Verão Azul, que desde 2009 já proporcionou férias em Portugal a mais de 120 crianças de Ivankiv.

Fernando Pinho já esteve várias vezes na região, a fazer a seleção de crianças que vêm a Portugal passar um "verão azul", e por isso sabe do que fala: "quando falta um mês já ninguém os segura, não falam de outra coisa, os próprios professores, que sabem quem são os que vêm".

O "Verão Azul" inspirou-se num projeto idêntico em Espanha e destina-se a acolher crianças da região de Chernobyl junto de famílias portuguesas durante cinco semanas, no verão. É patrocinado pela companhia Liberty Seguros e são funcionários da empresa a maior parte das famílias de acolhimento.

Ideia começou em 2009

Começou em 2009, com 10 crianças, e praticamente não tem parado de crescer. Este ano chegam a 07 de julho mais 36 meninos e meninas, com partida marcada para 21 de agosto. Espalhados por famílias de várias regiões será um mês de aprendizagem, de sol, de uma alimentação diferente e de uma experiência que muitos (um terço) repetem, alguns até à adolescência.

Anya Kot, com 17 anos, vem para Peniche desde criança e este ano voltará, desta vez como monitora (por falar as duas línguas serve de ligação com os que chegam pela primeira vez, caso seja necessário). E Viktoriya Shevchenko, 10 anos, que passou férias no ano passado pela primeira vez com uma família portuguesa, volta este ano de novo.

"Digo sempre para tirarem uma fotografia à chegada e à partida", diz Fernando Pinho, explicando que um mês faz uma grande diferença nos rostos das crianças, sujeitas na Ucrânia diariamente a radiação nociva de Chernobyl.

Zona do desastre é pobre e muito rural

A explosão no reator quatro da central nuclear, a 26 de abril de 1986, tornou a região um dos sítios piores do mundo para se viver e depois de Ivankiv é "terra de ninguém", a passagem é interdita por militares.

Fernando Pinho explica que se trata de uma zona rural e muito pobre, constituída por pequenas aldeias, e confessa não entender porque não se foram embora aquelas pessoas. "Cinquenta quilómetros não é nada", diz, e explica depois que ali não há empregos, que o hospital é "indescritível", ou que no inverno as temperaturas descem a 25 graus negativos.

"As famílias portuguesas que vão lá vêm com o coração apertado, até mesmo eu, que pensava que já estava imune".

Nas aldeias de Ivankiv a "grande figura" familiar é a avó, com a maior parte das crianças a ter apenas um dos pais, a viver em condições de grande miséria, em casas demasiado pequenas para tanta gente (cinco ou seis por quarto, por vezes incluindo os adultos), muitas vezes sem condições sanitárias, diz também Fernando Pinho.

São algumas destas crianças que nunca comeram um iogurte que em Portugal comem bolos e gelados, que veem o mar, que andam de avião. "Quando lá vamos às vezes até nos sentimos mal porque os pais estão sempre a agradecer. Sabem que vai ser bom para os filhos deles", diz o responsável, acrescentando que é "muito complicado" fazer a escolha, dizer "tu vais, tu ficas".

30 crianças viajam para Portugal anualmente

E complicado é também o regresso à Ucrânia, as despedidas das famílias de acolhimento no aeroporto. "Aqueles minutos são muito maus, as famílias a chorar, as crianças a fazer o mesmo".

Mas, diz também, quase nunca é um fim. Muitas das crianças regressam no verão azul seguinte e quando crescem alguns vêm estudar para Portugal, para perto das suas novas famílias, além de que a adoção, admite, é "um passo que pode vir a ser seguido".

O desastre de Chernobyl tornou Ivankiv um dos piores lugares do mundo, mas permitiu anualmente a três dezenas de crianças vizinhas da central uma experiência nova e uma família também.

Por isso choram quando partem, ainda sabendo que podem voltar no ano seguinte. "São crianças mas têm noção disso, eles sabem que se acabou o sonho". Não de uma noite mas de um mês inteiro de verão. Azul.

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

o que achou desta notícia?

concordam consigo

Logo CM

Newsletter - Exclusivos

As suas notícias acompanhadas ao detalhe.

Mais Lidas

Ouça a Correio da Manhã Rádio nas frequências - Lisboa 90.4 // Porto 94.8