BCG confere "uma proteção viral geral, embora limitada", defendeu a imunologista Helena Soares.
A vacina contra a tuberculose, administrada em Portugal apenas a crianças com risco acrescido de ter esta infeção, pode dar alguma proteção contra o coronavírus que causa a doença respiratória covid-19, admitiram especialistas à Lusa.
"Pode conferir uma certa proteção, alguma proteção, não uma proteção total", defendeu a imunologista Helena Soares, do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (Cedoc) da Universidade Nova de Lisboa, assinalando que só uma vacina, que ainda não existe, poderá dar essa proteção total contra o SARS-CoV-2, muito embora não se saiba por quanto tempo.
Contudo, o que a vacina contra a tuberculose, vulgarmente conhecida como BCG, pode fazer é, segundo Helena Soares, "tornar a infeção" pelo novo coronavírus "menos severa", ao "ativar o sistema imunitário inato", aquele que responde de forma imediata a uma infeção causada por um vírus, uma bactéria ou um parasita sem saber de que vírus, bactéria ou parasita se trata, uma vez que é novo.
Ou seja, a vacina BCG tem um duplo efeito no sistema imunitário: além de induzir a produção de anticorpos contra a bactéria da tuberculose, a 'Mycobacterium tuberculosis' ou bacilo de Koch, gerando uma resposta imunitária mais rápida e específica contra a infeção, combatendo-a, também ajuda o sistema imunitário, numa resposta inicial, a agir contra um invasor, que reconhece, genericamente, como sendo uma bactéria ou um vírus, mas que desconhece qual é, porque, sendo novo, não tem memória dele.
No fundo, explicou Helena Soares, a BCG, apesar de ter sido concebida especificamente para prevenir uma infeção bacteriana como a tuberculose, confere "uma proteção viral geral, embora limitada".
A imunologista realça, a este propósito, citado estudos científicos, que a vacina BCG tem, por exemplo, um efeito protetor contra o vírus da febre-amarela.
Apoiando-se nas amplas potencialidades da BCG, cientistas na Holanda, Grécia, Alemanha, Reino Unido, França e Austrália vão testar a vacina em médicos, enfermeiros e idosos para verificar até que ponto pode prevenir ou mitigar os efeitos da infeção provocada pelo coronavírus da covid-19.
Os médicos e enfermeiros, por cuidarem de doentes, estão em risco acrescido de ser infetados pelo SARS-CoV-2, que se propaga facilmente.
Os idosos são mais vulneráveis à doença, nas suas manifestações mais graves, devido à fragilidade do seu sistema imunitário. A letalidade da covid-19 é prevalecente nos idosos, sobretudo com doenças crónicas (cardiovasculares, respiratórias ou cancro) associadas.
Caso os ensaios clínicos sejam conclusivos e confirmem a proteção da BCG contra o novo coronavírus, ainda que parcial, ressalva a imunologista Helena Soares, o reforço da administração da vacina poderá ser uma opção profilática (depois de feito o teste à tuberculina) até ao aparecimento de uma vacina específica para o SARS-Cov-2, que, de acordo com as previsões mais otimistas, só deverá estar disponível dentro de ano e meio.
A imunologista Ana Espada de Sousa, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, da Universidade de Lisboa, sustentou que a BCG, não sendo a solução, uma vez que "não é uma vacina contra o coronavírus", pode vir a ser um possível tratamento para a covid-19 se for comprovado nos testes clínicos que ajuda a "eliminar mais rapidamente o vírus" ou a evitar as manifestações mais graves da doença.
Ana Espada de Sousa, que dirige o Laboratório de Imunodeficiências Humanas e Reconstituição Imunitária, salienta que a BCG "é uma das vacinas mais potentes a ativar" as células dendríticas.
Estas células constituem parte do sistema imunitário inato e processam os antigénios - substâncias introduzidas no organismo por vírus, bactérias, parasitas, fungos ou toxinas - que vão estimular a formação de anticorpos específicos capazes de neutralizar esses antigénios, travando a infeção.
São as células dendríticas que vão apresentar os antigénios às células especializadas do sistema imunitário: os linfócitos T, que "serão capazes de eliminar as células infetadas", e os linfócitos B, que "produzem anticorpos contra o microrganismo infeccioso".
Os anticorpos (glicoproteínas) são produzidos e expelidos pelas células plasmáticas - células que existem no soro sanguíneo e que foram geradas a partir dos linfócitos B - para responder a uma substância estranha ao organismo.
Neste sentido, de acordo com a investigadora Ana Espada de Sousa, a vacina BCG pode facilitar "a montagem da maquinaria da resposta imunitária" contra uma infeção que aparece pela primeira vez, como a causada pelo novo coronavírus.
Segundo a virologista Maria João Amorim, do Instituto Gulbenkian de Ciência, "há a correlação de que países sem implementação universal da vacina BCG, tal como a Itália, a Holanda e os Estados Unidos, estão a ser mais severamente afetados pela pandemia comparativamente a outros países em que a vacinação com a BCG está implementada".
Para a cientista, que lidera o grupo de investigação de Biologia Celular da Infeção Viral, "surge assim uma janela de oportunidade, ainda que pequena, de que a vacina BCG possa estar a proteger contra a infeção de SARS-CoV-2".
A centenária vacina BCG (Bacilo de Calmette e Guérin) foi desenvolvida a partir de um bacilo vivo, o 'Mycobacterium bovis' (bactéria responsável pela transmissão da tuberculose entre bovinos), cuja virulência foi atenuada para conferir imunidade contra a tuberculose humana, com origem na bactéria 'Mycobacterium tuberculosis'.
A vacina deve o seu nome aos imunologistas franceses Albert Calmette e Camille Guérin, que criaram o medicamento.
Em Portugal, a BCG deixou de ser dada, de forma universal, à nascença em 2017, passando a ser administrada a crianças de famílias com risco acrescido para a tuberculose ou que vivem numa comunidade com uma elevada incidência da doença.
Desde 2017 que a BCG não consta no Programa Nacional de Vacinação, em vigor desde 1965 e onde a vacina tinha sido incluída em passos sucessivos.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de um milhão de pessoas em todo o mundo, das quais morreram acima de 50 mil.
Dos casos de infeção, mais de 205 mil são considerados curados.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde a declará-lo como uma pandemia.
O continente europeu, com cerca de 600 mil infetados e mais de 40 mil mortos, é aquele onde se verifica o maior número de casos, sendo a Itália o país do mundo com mais vítimas mortais, cerca de 15 mil em quase 120 mil casos.
A Espanha é o segundo país com maior número de mortes, registando mais de 10 mil, entre cerca de 120 mil casos de infeção, enquanto os Estados Unidos, com mais de 6.000 mortos, são o país que contabiliza mais infetados (mais de 260 mil).
A China, sem contar com os territórios de Hong Kong e Macau, conta com mais de 81 mil casos (mais de 76 mil recuperados) e regista mais de 3.300 mortes.
Além de Itália, Espanha, Estados Unidos e China, os países mais afetados são França, com mais de 6.500 mortos (mais de 64 mil casos), Reino Unido, com mais de 3.600 mortos (cerca de 40 mil casos), Irão, com mais de 3.200 mortos (mais de 50 mil casos), e Alemanha, com mais de mil mortes (perto de 80 mil casos).
Portugal, em estado de emergência até 17 de abril, regista 246 mortes e 9.886 infeções, segundo o balanço mais recente da Direção-Geral da Saúde.
Das pessoas infetadas, 1.058 estão internadas, 245 das quais em unidades de cuidados intensivos, havendo 68 doentes que recuperaram desde que a doença foi diagnosticada no país, em 02 de março.
A covid-19, uma infeção respiratória aguda que pode provocar, nos casos mais graves, pneumonias, manifesta-se, na maioria das situações, de forma ligeira.
No entanto, a recuperação é mais lenta quando comparada com a gripe sazonal, que é também uma infeção viral, mas causada por um outro tipo de vírus e para a qual há uma vacina, administrada todos os anos.
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