Mediadores relatam que grande parte do horário é ocupado com sessões para ajudar a desenvolver a língua portuguesa.
A falta de tempo, de orientações e de formação específica são algumas das dificuldades mais relatadas pelos mediadores linguísticos e culturais, que sentem ter caído de paraquedas nas escolas para apoiar alunos estrangeiros.
Patrícia Valent e Lídia Santos foram colegas de turma na faculdade e em setembro decidiram candidatar-se como mediadoras linguísticas e culturais e, depois das dificuldades durante a licenciatura, partilham agora os desafios de uma profissão que desconheciam: Patrícia numa escola no Montijo e Lídia em Camarate (Loures).
Foram ambas contratadas em horário parcial, de 18 horas semanais, para apoiar cerca de 15 alunos estrangeiros, identificados como os casos mais urgentes, por não saberem falar português. Muitos, não falam sequer inglês, ou são pouco fluentes.
Numa nota informativa de janeiro, quando anunciou que as escolas iriam poder contratar mediadores, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) escreve que a sua missão é "promover a integração plena no ambiente escolar de crianças e jovens de nacionalidade estrangeira".
O documento de oito páginas descreve o perfil e as funções destes profissionais e identifica atividades-chave como facilitar a comunicação entre alunos estrangeiros e portugueses, professores e famílias, apoiar os alunos migrantes nas suas necessidades linguísticas e sociais, e promover o envolvimento em atividades culturais.
No entanto, fora do papel a experiência tem sido diferente e no caso de Lídia Santos, grande parte do horário é ocupado com sessões para ajudar a desenvolver a língua portuguesa.
"Acho que a direção também me vê como se eu estivesse ali para ensinar português. Não vejo a minha função como tal, não é só isso, mas a própria escola introduziu-me ali como se fosse isso", considera, admitindo que sobra tempo para pouco mais.
Recentemente, soube que uma das professoras da escola organiza atividades para promover a interculturalidade, mas a informação só lhe foi transmitida "por acaso".
"Eu não tive orientações nenhumas, nem a lista dos alunos me deram", relata, considerando ter "caído de paraquedas" quando iniciou funções na escola há cerca de um mês.
Quando Patrícia Valente chegou à escola em setembro, recebeu o plano desenvolvido pela sua antecessora, para perceber o que tinha sido feito no ano anterior, mas pouco mais.
"Não tenho muitas 'guidelines', nem por parte da escola, nem por parte do Ministério", lamenta, considerando que o perfil descrito pela tutela, tem "informações muito simples".
Apesar de estar em funções há apenas dois meses, o trabalho de Patrícia é elogiado pela diretora da Escola Secundária Jorge Peixinho, no Montijo, que tem visto os alunos mais envolvidos e mais motivados desde a chegada da mediadora.
Reconhecendo que o horário é curto, Maria João Serra sublinha que "é melhor do que nada", mas a falta de tempo é, precisamente, uma das maiores dificuldades apontadas por Patrícia Valente.
"Se eu fizesse 35 horas, tinha trabalho para 35 horas", diz a mediadora, relatando que, além do apoio na aprendizagem da língua portuguesa, ajuda os alunos com questões burocráticas, tenta desenvolver atividades interculturais e até dá apoio a alguns pais, mas não consegue sequer chegar a todos os estudantes.
O rácio definido pelo MECI prevê meio mediador (ou seja, com um horário incompleto de 18 horas semanais) por cada 10 alunos estrangeiros.
Em setembro, foi autorizada a contratação de 310 mediadores, mais 23 do que no ano anterior, mas, de acordo com os profissionais, as contas consideram apenas os casos mais urgentes, que não falam português.
No agrupamento D. Pedro I, em Vila Nova de Gaia, há perto de 50 alunos inscritos em PLNM, mas Selma Almeida, também em horário parcial, só dá apoio individualizado a quatro, a quem dedica uma hora por semana.
Um dos casos é uma criança do pré-escolar, oriunda do Bangladesh, que só fala bengali. "Vai ser um processo muito lento", avisa, afirmando, com um sorriso na voz, que cada pequeno passo, como a repetição de uma palavra em português, é uma vitória.
Ao contrário de Lídia e Patrícia, a primeira experiência de Selma como mediadora foi no ano letivo passado, numa outra escola onde continuou a trabalhar este ano, acumulando agora funções em dois agrupamentos.
"Quando comecei a trabalhar em fevereiro, senti que ninguém sabia o que eu fazia", recordou, partilhando o mesmo sentimento de desorientação das colegas.
A chegada ao D. Pedro I foi diferente e nesse agrupamento, dirigido pelo presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep), Filinto Lima, encontrou um projeto já estruturado e "muito bem organizado".
"Sabiam o que queriam que eu fizesse. Deram-me toda a liberdade de pensar em novos projetos, novas atividades e de atuar conforme me parecia melhor, mas não me senti, de todo, perdida", relata.
Filinto Lima elogia a medida sempre que a comenta, mas não poupa nos alertas, sobretudo quanto à necessidade de reforço.
"As escolas públicas estão com bastantes alunos de origens muito diferentes. Há escolas que, precisando de mediadores, não têm [porque] privilegiaram as escolas que têm mais alunos de origem estrangeira. É preciso reforçar", defendeu, na semana passada.
As mediadoras acrescentam a falta de formação específica e as condições salariais pouco atrativas.
"É uma profissão extremamente interessante, que eu não me importava de ter para o resto da minha vida e tenho muita vontade em investir nela, mas a carreira não é atrativa, não fixa as pessoas", lamenta Patrícia Valente.
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