Matias Damásio recorda a pobreza extrema: "Os meus filhos choraram quando lhes mostrei onde cresci"

Cantor assinala este sábado 20 anos de carreira no Meo Arena, em Lisboa, e recorda vida difícil.

28 de novembro de 2025 às 18:48
Matias Damásio Foto: Direitos Reservados
Matias Damásio
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Matias Damásio
Matias Damásio atua com o filho

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Já lá vai muito tempo, mas Matias Damásio ainda se recorda bem de quando escamava peixe no mercado de Luanda, engraxava sapatos e lavava carros para poder comer. Um dia, viu dois amigos a tocarem na rua, com um chapéu no chão, onde os turistas depositavam dinheiro, e achou que também conseguiria fazê-lo. Do anonimato saltou para o estrelato em pouco tempo e hoje é um nome incontornável da música lusófona. Vinte anos depois de ter lançado o disco de estreia, o cantor sobe este sábado, 29 de novembro, ao palco do Meo Arena, em Lisboa, para assinalar duas décadas de carreira.

"É uma celebração com a compilação das melhores canções, porque na verdade temos um repertório muito vasto desde a saída do meu primeiro álbum. De lá para cá foram muitos sucessos", começa por contar ao CM, assegurando que do alinhamento fará parte o novo single 'Juro por Deus', decidado à sua mulher, Márcia Damásio. "Foi ela a pessoa que sempre me acompanhou e que sempre acreditou em mim. Foi ela que patrocinou o meu primeiro disco ainda sem saber bem o que eu cantava". Em palco, o músico contará com os convidados especiais D.A.M.A, Mickael Carreira e MC Tchabaco, da Guiné Bissau. "É um músico que tem uma história muito parecida com a minha e que me faz lembrar o meu início de carreira. Decidi realizar um dos seus sonhos que era viajar de avião para Lisboa". Garantida no concerto, essencialmente "acústico", está ainda  "a presença de uma grande senhora da música lusófona" e uma surpresa especial: "um pedido de casamento em palco". 

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Foi em 2005, que Matias Damásio lançou o seu primeiro disco, 'Vitória', um título mais do que premonitório para o que viria a seguir. "Passou tudo muito rápido, mas foi muito intenso. Conquistei Angola e África, Portugal e parte da Europa. Nunca sonhei com nada disto do que está a acontecer, venho de um meio muito pobre, onde não tinha rádio, nem televisão e ouvia música na rua. Os nossos sonhos em bairros muito pobres eram sonhos muito pequenos", desabafa o cantor. "Entre os sonhos pequenos estavam saber o que tinha dentro de um avião e viajar nele, entrar num carro ou comer três refeições por dia. Eu tinha 10/11 anos e sonhava com as coisas mais simples porque tudo era muito grande para nós", lembra. "Hoje fechos os olhos e ainda parece que me vejo a bater tampas de panela para fazer música". 

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Nascido em Angola, a 9 de maio de 1982, Matias Damásio cresceu no Bairro da Lixeira, em Benguela, onde a dignidade humana não entrava. "Era um depósito de lixo onde as famílias mais pobres tiravam lixo para construir as suas cubatas. A minha casa era feita de adobo, que é uma massa de barro, tinha portas em madeira feita de paus, uma sanita em cimento e o chão em terra batida", recorda. Ainda assim nem tudo são más memórias. "Da minha infância o que mais me recordo é da minha avó Augusta a quem cheguei a dedicar um disco. É das minhas mais saudosas lembranças. Lembro-me ainda das casas que vendiam bebidas alcoólicas fermentadas, através dos alambiques. Foi graças a elas que ouvi as minhas primeiras músicas. Elas davam música 24 horas por dia para chamar a clientela e eu ainda menino, ficava na rua como um alcoólatra, só que embebedava-me era com a música que passava nos gramofones". 

Viveu no bairro da Lixeira até aos 12 anos quando decidiu viajar para Luanda à procura de trabalho. "Fui trabalhar na praça a escamar peixe. Lavei carros e engraxei sapatos. Fazia de tudo um pouco que aparecia. Mas o meu sonho era mesmo ser pescador, pelo facto de estar perto do mar. O maior sonho de uma pessoa que escama peixe é ir para o mar pescar e assim ganhar mais dinheiro". A música surgiu depois, quase por acidente. "Tinha uns amigos que tocavam viola, punham o chapéu no chão e ganhavam dinheiro com isso. Por isso a música não surgiu primeiramente por amor, mas sim por uma necessidade de subsistência. Olhei para aquilo como uma atividade mais fácil do que escamar peixe ou ir para a pedreira. O verdadeiro amor pela música só surgiu depois disso. Entrou em mim, tomou conta de mim e tornou-se na maior coisa da minha vida". 

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A primeira vez que tocou em público foi num concurso que se chama 'Gala Sexta-feira' da televisão TPA. Foi fazer um casting para esse programa, mas reprovou, só que por impossibilidade de um dos concorrentes apurados, acabou repescado. "Cantei e ganhei o concurso", recorda. 

Hoje, duas décadas depois de ter lançado o disco de estreia, admite ter "uma vida financeira estável", mas não esquece as dificuldades que enfrentou. "Hoje olho para trás com alguma tristeza, até porque gostava que muitos dos meus amigos, que já não estão vivos, pudessem ver o que eu consegui. Sei que tenho uma profissão que me dá rendimentos acima do normal e o que eu gostava era de proporcionar  uma vida boa a quem esteve comigo".  Reconhecendo que foi importante o seu passado para valorizar o que tem hoje, Matias Damásio admite que também passou pela fase do deslumbramento de "quando se começa a ter dinheiro e se quer comprar tudo", admite. "Quem diz que não passou por isso está a mentir. Eu passei de vinte euros na conta para quase 300 mil. Tinha 20 anos e os discos ainda se vendiam muito. Só em Angola tinha vendido 40 mil discos. A primeira coisa que comprei foi um carro de luxo, um Audi Q7 que depois veio a incendiar-se num acidente de viação", recorda o cantor que assim que conseguiu ofereceu uma casa aos pais. "Tirei-os de Benguela e mandei-os para Luanda. Comprei um carro  para o meu pai e tudo aquilo a que tinham direito, arca, congelador, frigorífico, televisão, coisas que nunca tinham tido".

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Da sua história, ficam os ensinamentos, já passados aos filhos. "Faço questão de lhes dizer que tiveram um pai que veio de uma realidade diferente. Eles tiveram a felicidade de nascer num outro contexto. Eu já os levei onde vivi. Choraram muito e não acreditaram que eu tinha crescido num bairro com aquelas condições".  

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