Aos 68 anos, cantora lança novo disco de originais 'Tropical Glaciar'. O pretexto para falar de música e rever memórias
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Voltou a gravar um disco com canções do Pedro da Silva Martins (ex-Deolinda). O que encontrou no Pedro que nunca encontrou em mais ninguém desde os anos 80?
O Pedro tirou-me a pinta toda (risos). Ele conta-me que quando eu fiquei famosa em 1981 com o ‘Robot’, era ainda um miúdo, e que na altura lembra-se de ir às compras com o pai, ao Mercado de Benfica, ver a Lena D’Água e aquilo ser uma emoção muito grande.
Mas que afinidades artísticas encontrou com ele?
Eu já conhecia o Pedro como autor desde o tempo dos Deolinda e das canções que compôs para a Ana Moura e para o [António] Zambujo. O tema ‘Desfado’, da Ana Moura, por exemplo, é qualquer coisa de extraordinário. Há nove anos, quando nos encontrámos pela primeira vez, não me esqueço do que ele me disse: “Um dia ainda vou escrever para ti”. Um ano depois convidou-me para ir ao Festival da Canção e eu disse-lhe logo: “Para tudo o que me convidares eu vou”. E foi assim que tudo começou.
Sente que a Lena D’Água está a viver uma segunda ou terceira vida desde que conheceu o Pedro?
Sim, sem dúvida. Nunca tive outros trabalhos, sempre cantei e nunca deixei de fazer da música a minha forma de vida, mas o que faltou durante muitos anos foram originais que eu quisesse fazer. Quando o Pedro chegou, ele veio com tudo (risos). As canções que o Pedro compõe casam com as canções antigas dos anos 80, o que funciona muito bem nos espetáculos. É como aquela coisa da maionese, não talha (risos). Acredito que, para o público, esta seja uma segunda ou terceira vida, mas para mim não é, porque nunca deixei de cantar, nunca desisti.
Não desistiu, mas resistiu, porque a Lena D’Água passou por períodos muito difíceis!
Pois foi, mas sobretudo por causa da falta de originais. Se está a falar do outro assunto [drogas], isso já foi há muitos anos e só tenho a dizer que nos anos 90, em que tive um problema de adição, estava a cantar com as Canções do Século e nunca me faltou nem trabalho, nem dinheiro. Foi difícil de superar, mas eu consegui. Em 98 já estava livre daquela coisa horrível e, portanto, está quase a fazer 30 anos. Fui eu, aliás, que resolvi falar disso para ficar esclarecido. Agora está mais do que enterrado.
Mas porque é que resolveu expor isso, ao contrário da maioria das pessoas, que prefere esconder?
Porque quis antecipar-me. Só falei disso uns dois ou três anos depois de ficar livre só para dizer que me tinha safado daquela adição horrível. Felizmente ficou resolvido e nunca mais olhei para trás.
Este novo disco debruça-se muito sobre as temáticas ecológicas e ambientais. O facto de hoje viver numa aldeia, em ambiente rural, longe de uma grande cidade, trouxe-lhe outra visão sobre estas questões?
De certa forma, sim. Aqui [Bombarral] os agricultores andam a despejar herbicidas e fungicidas e o diabo a sete, e isso mata as abelhas todas. Em Lisboa, onde vivi durante 50 anos, as pessoas não têm noção disto.
Mas qual é o tema ambiental que mais a preocupa?
A pegada ecológica da agropecuária, algo que ainda é tabu. Não são os aviões, os autocarros ou os automóveis que mais me preocupam. A exploração intensiva dos animais é muito pior, e já não estou a falar da crueldade. O bacon, por exemplo, é feito com porquinhos bebés de três meses. Não podemos esquecer que o metano é um gás mais nocivo do que o C02. Preocupa-me, também, as áreas na Amazónia que são arrasadas para fazer campos de soja e milho só para alimentar bois que são consumidos nos países ricos. O Pedro ainda há-de escrever muito sobre isto, até porque nós estamos aqui a fazer uma trilogia. Eu acho que os mais novos já estão mais despertos para isto, mas ainda assim sinto que tenho a obrigação de falar nisto.
Tem um tema neste disco intitulado ‘O que Fomos e o que Somos’. Como é que definiria a Lena que foi e a Lena que é hoje?
No disco anterior, no tema ‘Desalmadamente’, havia um verso que dizia: “E agora só o espelho é que envelhece”. E é um bocado isto. Continuo a ser aquela miúda de 20 anos, primeiro muito tímida, mas ao mesmo tempo sem vergonha nenhuma de dizer coisas e de levar umas lambadas do pai (risos). O espelho é que me envelhece e, por isso, também já não olho muito para ele. Esse tema ‘O que Fomos e o que Somos’ emociona-me muito. Quando o gravei tive de parar várias vezes porque começava a chorar. Essa canção vale para todas as pessoas.
Falava da tal miúda Lena e passam agora 50 anos desde aquele famoso episódio em que subiu ao palco numa reunião de moradores no Bairro Santa Cruz!
Sim, mas isso foi uma coisa sem saber. Fui chamada por um amigo para assobiar uma música do Sérgio Godinho. E depois cantei o ‘Ne me Quitte Pas’ do Jacques Brel. O meu pai tinha-me oferecido uma viola quatro anos antes e eu já sabia tocar. Mas, para mim, só conta como primeira vez quando subi ao palco com a minha primeira banda, os Beatniks, na festa dos finalistas do Liceu de Sintra. Foi no dia 27 de março de 1976, ainda nenhum de nós era profissional. Éramos todos amadores e, nem a propósito, a banda era da Amadora (risos).
É muito saudosista em relação a esses tempos iniciais?
Não, não sou, porque foram tempos muito difíceis. Sentimentalmente, as coisas também não me correram muito bem, quando eu era gira e novíssima (risos). Tenho muitas memórias que, graças à genética e a Deus, acho que me vão dar pano para mangas para um livro que estou a escrever.
Que tipo de memórias?
Olha, lembro-me que quando aconteceu o 25 de Abril eu ainda nem tinha feito 18 anos. Levei com a Revolução à porta da faculdade, naquela quinta-feira em que tinha Matemática às oito da manhã. Mas também recordo com saudade os tempos em que vivi em Matosinhos, quando o meu pai era treinador do Leixões. Tenho grandes recordações de Viena quando, no último ano do meu pai como jogador, ele foi para o Áustria de Viena e eu tive de frequentar a escola lá. Acho que tenho muitas memórias que vão valer a pena registar em livro. É sobre o quotidiano de uma miúda que nasceu nos anos 50 e que foi filha de um grande ídolo do futebol, que viveu o tempo dos Beatles e dos hippies e do ‘boom’ do rock português...
No tal tema ‘O que Fomos e o Que Somos’ fala em “correr atrás dos sonhos”. Concretizou todos aqueles que queria?
Na verdade, os meus sonhos eram apenas ser feliz e fazer alguma coisa na vida que tivesse valor, que não fosse só pelo dinheiro. Se tivesse sido só por isso poderia ter feito a minha carreira de outra forma.
Como assim?
Optei por fazer a minha carreira com músicos que escreviam originais, mas podia ter feito uma carreira só de versões, com temas que vinham lá de fora. Usava-se muito na altura. O Marco Paulo foi um desses exemplos, embora ele tenha acrescentado muito com aquela voz incrível que tinha. Estávamos em 1980 e eu já estava com o Luís Pedro Fonseca e o Zé da Ponte [Salada de Frutas], quando o Thilo Krassman chegou a convidar-me para uma carreira desse género, mas eu recusei. E acho que foi assim que não fiquei rica (risos).
Nos comentários aos seus vídeos no YouTube alguém escrevia que a Lena é “património nacional”. Sente que tem esse estatuto?
Esses comentários são incríveis. As coisas mudaram muito e agora as pessoas estão mais próximas umas das outras por causa da internet. O divertido é que aos 60 anos é que tenho este reconhecimento todo e os miminhos que me faltaram durante anos. O público sempre me recebeu bem, já a crítica nem por isso. Nos anos 80 diziam que eu era afinada demais. Tive que ler e aguentar muita coisa.
Já não esperava por isto?
Eu não estive à espera de mimos, eu sempre estive foi à espera de alguém que fizesse canções para mim, que me representasse. E sempre tive a certeza de que este momento ia chegar. Tive, sim, momentos de chorar e ir dizer muitas asneiras para o Facebook, mas nunca desesperei.
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