'Pontas Soltas’ de Fábia Rebordão: Um vaivém atlântico entre Portugal e Brasil

Fábia Rebordão lançou um novo disco. Chama-se Pontas Soltas e é composto por catorze temas, num vaivém atlântico entre música brasileira e portuguesa. Nasceu de uma ideia antiga da cantora, de recriar temas com os quais cresceu, e com autores de quem gosta muito. O álbum foi produzido por Jorge Fernando e Kapa de Freitas, e editado pela Lusafrica.

“Tive o privilégio de ter comigo o Ney Matogrosso no tema ‘A nossa guerra’ de Jorge Fernando, o Zeca Baleiro no ‘Fado tropical’ de Chico Buarque e o Renato Teixeira no tema ‘Romaria’, que é uma canção da sua autoria, integralmente. Para além de temas de Fausto Bordalo Dias, Sérgio Godinho, um tema meu também, Jorge Fernando, Vinícius de Moraes. E também ir buscar um bocadinho, ao fundo do baú, aquelas letras que se escreviam antigamente, que eram fado no seu estado puro e duro, que era, imaginem, uma pessoa tinha um acidente e era escrita uma letra de fado à volta desse tema. O ‘Café de camareiras’ retrata exatamente isso e o ‘Justino da Tipoia’ também. São fados mesmo daquela altura, brilhantemente interpretados por Fernando Maurício e Alfredo Marceneiro, que eu fiz a minha recriação”, refere a fadista.

A ideia de fazer um dueto com Ney Matogrosso nasceu durante uma tertúlia em casa de um amigo comum, Paulo Mendonça, que está atualmente na presidência da Academia Brasileira de Cinema. “Havia muitas tertúlias em casa do Paulinho, e nós vamos muitas vezes a casa dele. Ficamos lá porque somos mesmo muito amigos. Tertúlias onde estão reunidos atores, músicos, cantores e em várias dessas tertúlias está o Ney, que é compadre do Paulinho Mendonça e padrinho da filha mais velha dele. Eu estava a cantar ‘A nossa guerra’, e de repente só ouço o Ney a perguntar ao Jorge Fernando – Tens mais destas? – Imediatamente surgiu a oportunidade e a possibilidade de cantarmos isto juntos, o que me deixou muito feliz”, explica a cantora.

Outro tema do disco é a música de Fausto Bordalo Dias, ‘A voar por cima das águas’, do duplo álbum Por Este Rio Acima. “O Fausto é uma pessoa muito próxima. Desde o meu primeiro disco. Ele deixou um legado enorme e a sua obra é intemporal. Éramos muito amigos, mesmo. Estávamos muitas vezes juntos, nos seus almoços. Eu tive o privilégio de ser sua convidada, para cantar com ele- na Casa da Música, no Porto. Resolvi homenageá-lo neste disco cantando o ‘Voar por cima das águas’. É um dos temas de que gosto muito, mas existem muitos mais temas que eu adoro. É muito difícil escolher apenas um tema. Mas tive de o fazer, e escolhi ‘A voar por cima das águas’. Gosto imenso da história. As pessoas aderem logo, assim como tantos outros temas do Fausto. As pessoas batem logo o pé, porque são ritmos portugueses, noto isso quando canto em concertos e quando canto em casas de fados. Não preciso de fazer muito para as pessoas cantarem imediatamente comigo o refrão – 'ó é tão lindo, ó é tão lindo' – portanto, é de fácil acesso e de fácil aceitação. E o Fausto é esta pessoa, este compositor, este génio da nossa música e eu quero manter sempre vivo este legado. Infelizmente não tive oportunidade de lhe mostrar o tema como está, com muita pena minha. Mostrei-o à Ana, a sua filha e à Isabel, a sua esposa, que me deixaram muito feliz, ao dizer que ele ficaria muito contente e honradíssimo, porque gostava muito de mim. Referiram ainda que são um público muito difícil, claro, tendo Fausto como o grande génio de casa e da música. Deixaram-me muito contente com essas palavras”, salienta Fábia Rebordão.

Nesta música, ‘Voar por cima das águas’, a presença de Fausto é imediatamente reconhecida através da interpretação de Fábia Rebordão, que nem por isso perde a sua identidade, pelo contrário, com a sua voz a música ganha uma nova vida.

“Eu tenho a sorte de ter comigo dois grandes produtores, o Jorge Fernando, que encontrou o seu parceiro, Kapa de Freitas, na produção. Digamos que o Jorge tem sido sempre, nesta história do fado, um visionário. Ele consegue a modernidade mantendo a essência do fado. Ouvi muitas vezes este tema, inclusivamente cantado ao vivo pelo próprio Fausto, e sim, há algumas diferenças, o arranjo ficou ligeiramente diferente, não quisemos desvirtuar o tema, mas quisemos trazê-lo um bocadinho mais para o nosso universo. Neste tema existe alguém que faz aquela declamação – 'Vai de roda quem quiser' – e depois o Fausto faz a parte cantada, e depois todos os músicos fazem o refrão em uníssono. Eu tinha de o fazer sozinha, portanto arranjei aqui uma forma de o fazer ao meu jeito, encontrando um ponto de equilíbrio para não desvirtuar totalmente o tema. Mas acho que o consegui fazer bem. Acho que deixaria o Fausto orgulhoso”, revela a cantora.

O videoclipe foi gravado na Mouraria, em frente à casa onde a Severa nasceu. “Quisemos recriar o espírito bairrista. O seu espírito mais verdadeiro, mais puro, mais abrangente, mais limpo, que no fundo era aquilo que o Fausto também respirava, que era Portugal, portugueses, era história”, diz Fábia Rebordão.