Novo disco do músico é um trabalho pessoal e solitário.
O Carlão é um tipo muito mais sentimental quando trabalha sozinho do que quando trabalha em grupo. Porquê?
Não sei. Quando estou a fazer as minhas coisas e a escrever as minhas letras sem a dinâmica de banda é mais fácil debruçar-me sobre os assuntos de uma forma mais pessoal. Na verdade, sou só eu que estou ali. Em Da Weasel e 5-30, por exemplo, éramos dois a cantar e havia uma dinâmica de coletivo.
Agrada-lhe este lado mais egoísta?
Eu sempre fui um pouco assim a escrever. Às vezes consigo distanciar-me mais, mas quase tudo o que escrevo vem de experiências pessoais e diretas.
Mas isso é cada vez mais explícito. Se isso já acontecia nos Da Weasel não era assim tão evidente!
Olha que não sei! Eu lembro-me que havia temas dos Da Weasel que me custavam muito fazer ao vivo por virem de experiências que tinham sido muito fortes para mim, amorosas ou não. Havia momentos em que eu tinha de me fazer forte para não ir-me abaixo ao dizer determinadas palavras. A questão é que quando faço as coisas em nome próprio as pessoas percebem que isto é mesmo meu.
E é confortável e pacífico este exercício de escrever sobre si?
Eu não penso muito nisso, até porque a escrita serve como terapia para eu me debruçar sobre determinados assuntos. É a minha forma de lidar com eles. Mas, sim, às vezes não é de facto muito confortável, sobretudo quando as coisas tomam uma proporção de que eu não estava à espera. E depois ando ali a revirar as tripas para meio mundo [risos].
E as palavras saem de forma natural ou é muito de escrever e deitar fora?
Não, eu não deito nada fora. Pode até haver um texto que ache muito mau, mas há sempre uma frase que acabo por ir buscar mais tarde que pode ser o princípio de outra coisa nova e boa. O que eu sou é muito impulsivo e nunca penso nas consequências que um texto meu pode ter.
Nesta altura e depois de vinte anos, o Carlão pode ser visto como um poeta ou continua a ser apenas um escritor de canções?
Eu já usei o termo poeta a brincar, mas o que eu faço é uma mistura de prosa poética com poesia que não cumpre exatamente as regras. Ainda assim, tenho para mim como grandes poemas canções de cantores portugueses que eu admiro.
A escrita é sempre um processo solitário. Isso significa também isolamento?
É sempre preciso uma certa dose de isolamento. Geralmente não consigo escrever em casa, mesmo que vá para outra divisão. Sei que a minha família está perto. Por isso acabo por fugir para o meu estúdio. Vou para lá como qualquer outra pessoa vai para o seu trabalho. Vou deixar a minha filha à escola e depois sigo.
E esse isolamento dá mais para a nostalgia ou daí podem surgir coisas mais alegres?
Dá para tudo [risos]. Não me remete para nenhum estado de espírito específico. Eu sou um tipo depressivo q.b. e o isolamento às vezes até me faz bem. Sou uma pessoa que está bem sozinha e isso não me puxa coisas más.
Hoje faz um hip-hop mais caseiro, mais virado para si e menos sacado à rua. Isso é reflexo dos seus quase 40 anos?
Acho que aquilo que faço não é hip-hop puro e duro. Sempre foi uma mistura de muitas coisas. Isso foi, aliás, algo que já caracterizava muito os Da Weasel, por exemplo. E aqui neste novo disco, ‘Quarenta’, isso volta a notar-se.
O ‘Quarenta’ é uma referência aos seus quase 40 anos. Preocupa-o muito esta coisa da idade?
Um bocado [risos]. Primeiro penso na velocidade com que os anos passaram e depois penso, até por causa da paternidade, que os adultos me enganaram muito bem [risos].
Como assim?
Julguei que ia chegar aos 40 com montes de coisas resolvidas e que a experiência e a sabedoria seriam muito diferentes.
É por isso que começa este disco a dizer que quando se olha ao espelho ainda vê o mesmo puto?
Isso é uma metáfora. Claro que eu olho ao espelho e vejo um tipo de quarenta anos, mas continuo a ter as mesmas angústias e as mesmas questões. As coisas afinal não são assim tão diferentes. Há uma certa desilusão, mas é uma desilusão boa esta de perceber que não estou acabado para a vida.
Ou seja, o Carlão dos 40 que imaginava aos 20 não tem nada a ver?
Exatamente. Pensei que ia ser diferente. E ainda bem que isso não se concretizou. É verdade que sou uma pessoa com uma vida estável, o que há uns anos era inconcebível, mas continuo a querer fazer coisas novas e a querer viver a vida. Acho que é geracional. Hoje vemos pais e filhos a passear nos jardins e pela cidade, coisa que não via quando era adolescente. Para mim, as pessoas com 40 anos estavam acabadas.
Tem saudades desse puto de Almada?
Não. Primeiro, porque tenho mais independência e experiência hoje. Eu fui muito feliz, mas também fiz muita porcaria. Era um puto um bocado estúpido [risos]. Não trocava os anos que vivo agora por aqueles. Para mim, tudo é melhor. O sexo é melhor, as noites são melhores, os filmes que vejo são melhores... O pior disto é que já há menos tempo.
Assumir pela primeira vez um disco em nome próprio é também uma forma de dizer que o puto Pacman, que era quase um nome lúdico, cresceu e amadureceu?
Eu não sinto necessidade de ser encarado como uma pessoa diferente, mais séria ou menos séria. Já passei essa fase. Este disco tinha de ter o meu nome porque é a ‘cena’ mais minha que tive até agora. É um disco que é Carlão.
Já é pai, e com mais uma menina a caminho. Já se sabe que essa condição muda um homem, mas em que é que mudou o músico e o autor?
Acho que me ajudou a focar mais no trabalho e se calhar a fazer as coisas mais a sério.
O Fernando Ribeiro [Moonspell] dizia--me que com o nascimento do filho teve de extinguir uma parte de si. Sentiu isso?
Extinção, não, mas talvez uma transmutação. Claro que hoje não posso chegar à quinta-feira e ir de fim de semana não sei para onde só porque me deu na cabeça. Para programar um fim de semana tenho de fazê-lo semanas antes. Portanto, lá se foi a loucura e a espontaneidade. Mas no lugar disso ganharam-se outras coisas.
Fazer esse processo de luto do Carlão sem filhos foi difícil?
Não, porque as coisas já estavam resolvidas, até porque eu raramente já saía à noite. Andava cansado da noite. Já me via um tipo muito caseiro. Se tivesse sido pai aos 20, aí sim tinha sido um terror. Acho que os meus filhos seriam hoje pessoas traumatizadas [risos].
Como é a ligação da sua filha, Alice [quatro anos], com a sua música?
Ela gosta muito. Mesmo dos 5-30 ela já ouvia algumas coisas. A Alice é uma miúda muito musical. O engraçado é que ela ainda leva as coisas muito à letra. Quando eu digo "é difícil pôr isso na cabeça" ela julga que eu estou a falar de um chapéu. Fartamo-nos de rir lá em casa. Quando eu canto que vou "levar alguém para a cama" ela julga que estou a falar dela quando a vou deitar. Mas palavras à parte, ela gosta muito de música. O ‘Bla Bla Bla’ com a Sara Tavares, ela canta do princípio ao fim.
Era uma vida que gostava para ela, esta da música?
Há um lado em mim muito emocional que gostava que ela seguisse algo ligado às artes. Cabe-me estar muito atento. Seja o que for que ela curta, vou apoiá-la sempre.
Vem aí mais uma menina. Como é que é o Carlão entre as fraldas e os biberões?
Fico um pouco stressado com o primeiro ano, mas faz-se bem. Aquilo que é mais chato para mim é a privação do sono. Eu fico louco, viro um bicho. Não é por acaso que a privação do sono é usada como tortura.
Neste disco também faz alguma crítica como no tema ‘Colarinho Branco’. É difícil fugir a este estado de coisas com um país de rastos?
Não, é muito fácil fugir. É fácil alienar-me, basta chegar a casa e não ver o telejornal. É possível não olhar para o estado do País nem que seja com a ajuda de alteradores de humor [risos]. É fácil alienarmo-nos porque temos muitas distrações.
Mas agora é pai. Não o preocupa saber que a sua Alice não vive no País das Maravilhas?
Claro, preocupa-me acima de tudo a educação e pensar que ela pode crescer com pouca formação. Daqui a uns anos sei que me vou preocupar mais com a sobrevivência dela. E espero que seja mais do que isso: sobrevivência.
É desligado da política?
Sou, porque a determinada altura deixamos de acreditar. Basta olharmos para os nossos dois últimos primeiros-ministros, um está preso e o outro esqueceu-se de pagar o IRS durante anos.
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