José Mourinho, José Peseiro e José Couceiro, rostos de uma nova geração de técnicos de sucesso, foram colegas no curso de treinadores de IV nível da FPF. O tempo em que bastava ter jogado à bola para ser técnico já lá vai. Os três ‘Zés’ são hoje símbolos de uma revolução desencadeada por homens como Jesualdo, Queiroz ou Vingada.
Hoje estão no topo do Mundo, mas há pouco tempo foram simples colegas de turma. Falamos de José Mourinho, José Peseiro e José Couceiro, os três Zés, que em 2001 frequentaram o curso de treinadores de IV nível (o mais elevado) da Federação Portuguesa de Futebol, sob tutela curricular da UEFA. Mas essa turma integrava ainda dois 'Carlos' que hoje em dia também dão cartas no futebol nacional: Carlos Carvalhal, técnico do Belenenses, e Carlos Brito, treinador do Rio Ave.
"Era de facto um grupo especial, pela qualidade dos seus elementos", recorda Agostinho Oliveira, formador da disciplina de técnica-táctica, enquanto o coordenador do curso, Francisco Andrade, que se destacou como jogador e técnico da Académica, fala de um "naipe de excelência". A turma era ainda composta por Silvino, hoje técnico de guarda-redes do Chelsea, o adjunto de Peseiro no Sporting Luís Martins, e outros nomes como Amílcar Fonseca (treinador do Louletano) e Ricardo Formosinho (antigo jogador do Farense, hoje treinador no desemprego).
Mourinho fez o curso depois da passagem fugaz pelo Benfica e antes de ingressar na União de Leiria; Peseiro treinava o Nacional, que nessa época ficou em 7.º na II Liga; e Couceiro era administrador da SAD do Alverca. Os três tiveram também em comum a nota final de curso: Bom Grande. Ou seja, não conseguiram Muito Bom, a nota máxima. Entre os alunos da "classe de 2001" há quem recorde, embora sob anonimato, que alguns dos formadores não eram levados a sério.
"O Mourinho já tinha treinado o Benfica, sabia mais que alguns formadores e isso gerava situações caricatas", recorda. Das aulas, Francisco Andrade recorda as acesas discussões que por vezes se geravam. "Eram capazes de estar 15 minutos a estudar um pormenor que para outros poderia parecer insignificante, mas eles tinham a noção de que no futebol actual os pormenores fazem a diferença", afirma o prelector, que recorda com saudade o jantar realizado no fim do curso: "Ficou de certeza uma grande amizade entre todos eles".
Mourinho e Peseiro já tinham sido colegas no ISEF nos anos 80, como recorda Nelo Vingada: "Fui professor deles e também do Mariano Barreto na cadeira de futebol, uma disciplina obrigatória nos 1.º e 3.º anos, para rapazes e raparigas. Eu já os conhecia do futebol e nas aulas eram claramente uma mais-valia para as turmas onde estavam", afirma Vingada, centrando depois o seu discurso em Mourinho: "Há muitas coisas que não se aprendem na faculdade. Mas as coisas que o Mourinho aprendeu na faculdade ajudaram-no a ser mais seguro naquilo que já é natural nele".
JOSÉ MOURINHO: PERFIL
Idade: 42 anos
Naturalidade: Setúbal
Treinou o Benfica (00/01), U. Leiria (01/02), FC Porto (02/04) e Chelsea (04/...)
JOSÉ COUCEIRO: PERFIL
Idade: 42 anos
Naturalidade: Lisboa
Clubes como treinador: Alverca (Entre 2002 e 2004), Vitória de Setúbal (Até meio da época 04/05) e FC Porto (desde Fevereiro de 2005)
JOSÉ PESEIRO: PERFIL
Idade: 44 anos
Naturalidade: Coruche
Treinou U. Montemor (94/96), Oriental (96/99), Nacional (99/03), Real Madrid (adjunto em 03/04) e Sporting (04/...)
COUCEIRO: NO ISEF SÓ DANÇA
Até chegar a treinador do FC Porto, José Couceiro palmilhou um percurso ímpar no futebol português, tendo sido jogador, sindicalista e dirigente. Mas ao contrário de Mourinho, Peseiro e Carvalhal, o treinador portista não possui formação académica na área desportiva. Ele bem tentou tirar o curso do ISEF, mas não deixaram.
Couceiro começou por entrar para economia, mas acabaria por pedir transferência para o ISEF. No entanto, só havia vaga para entrar no curso de... Dança, quando o que ele queria era Educação Física. Optou então por Direito, curso que não chegou a terminar. Fez a sua formação de treinador nos cursos da FPF.
Francisco Andrade assegura ter logo detectado a sua aptidão para técnico: "No curso de IV nível, Couceiro era o único menos ligado ao campo, porque estava na gestão desportiva, no Alverca. Mas de imediato se adaptou. Foi uma aposta muito inteligente do FC Porto e estou convencido de que Couceiro vai ganhar esta guerra".
"BAGAGEM ENORME" (Agostinho Oliveira, seleccionador de sub-21)
"Era um grupo muito atento, interventivo e que tinha a qualidade que entretanto alardeou. Muitos deles eram licenciados em Educação Física e por isso tinham uma 'bagagem' enorme. Mas continuo a pensar que a gestão de um grupo tem mais a ver com a maneira como o treinador consegue juntar as diferentes lideranças e maneira como concilia as componentes afectiva e disciplinar e isso não se aprende nos cursos”.
"GRUPO INTERESSADO" (José Pereira, Presidente da A. N. de Treinadores)
"Recordo que este era um grupo muito interessado e a maior parte deles já possuía alguma experiência de banco. A opinião generalizada na altura entre os formadores era de que se tratava de um grupo de boa qualidade, perspectivando-se saídas profissionais para todos eles. A disciplina que eu leccionei (A Classe dos Treinadores) tinha mais a ver com a legislação laboral e para eles não tinha tanto interesse como outras viradas para o treino”.
"CURSO DIFERENTE" (Francisco Andrade, Antigo treinador)
"O curso de 2001 teve uma filosofia diferente. Até essa altura era mais o prelector a falar e os formandos a ouvir, mas neste caso houve mais reflexão. Na altura escrevi que tinha ali um lote de 7 ou 8 treinadores de grande potencial. Havia muita qualidade, mas era um grupo de grandes diferenças. Lamento que hoje se diga que alguns imitam o Mourinho, porque penso que cada um tem o seu caminho e não precisam de copiar os outros. Entre eles houve e há respeito pelas diferenças”.
"HOUVE RESISTÊNCIA ATÉ DOS JOGADORES"
Jesualdo Ferreira, técnico do Sp. Braga, foi percussor da revolução na formação de treinadores que se deu em Portugal nos últimos 20 anos.
Correio da Manhã – José Mourinho e José Peseiro foram seus alunos no antigo ISEF?
Jesualdo Ferreira – Não, eu fui sim professor de Carlos Queiroz, Rui Caçador e outros. Em 1979, criei o gabinete de metodologia do treino de futebol no ISEF [actual Faculdade de Motricidade Humana], que foi o embrião da formação de muitos treinadores hoje na berlinda. Foi naquela casa que tudo nasceu, com alterações profundas em toda a metodologia do treino. Quando saí, em 1986, ficaram à frente do gabinete o Carlos Queiroz, o Arnaldo Cunha, o Nelo Vingada e o Jorge Castelo, e estes sim foram professores de Mourinho e companhia.
– O futebol começou por desconfiar dos treinadores com formação académica, hoje tão na moda...
– Sim, há 20 anos era impossível o Mourinho ter chegado ao Benfica, ou o Peseiro ao Sporting. As coisas não foram fáceis, mas houve gente que conseguiu criar uma nova mentalidade. Houve sempre uma rejeição por parte dos treinadores que estavam e chegou a haver extremismos de ambos os lados. Eu tentei sempre a conciliação. E da minha geração, o único em actividade sou eu.
– Que novas ideias trouxe a nova vaga de que foi percussor?
– O conceito de treino integrado, sem separações entre as componentes física e técnico-táctica como defende a tradicional perspectiva analítica, e também a ideia de que o treino se dirige ao jogo. Eu, há 20 anos, já não fazia aqueles treinos de conjunto, peladinhas de 11 para 11, os meus jogadores não iam correr para a mata ou para a praia, nem faziam corridas de 400 metros. No início houve muita resistência, mesmo dos jogadores, e tive de lutar contra isso.
– É verdade que a FMH, em Lisboa, está-se a deixar ultrapassar pela Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física (FCDEF), no Porto, onde o Prof. Vítor Frade, e o seu conceito de periodização táctica são referências?
– Os grandes treinadores que aí estão foram formados em Lisboa e é natural que o Porto esteja agora em fase de crescimento. O Vítor Frade foi meu colega no ISEF, tem muita qualidade e penso que defende os mesmos conceitos de treino integrado que eu defendia há 20 anos. É natural que com a evolução do conhecimento surjam novas dimensões e penso que a periodização táctica é ainda mais a perspectiva de que, em cada treino, todos os exercícios integram o modelo táctico da equipa. É focalizar ainda mais a ideia de que o treino se dirige ao jogo.
– O que lhe parece a formação que se faz hoje sob a égide da Federação Portuguesa de Futebol (FPF)?
– Sou defensor da formação complementar, mas não estou de acordo com a formação que se faz hoje. Mas também já não tenho paciência para isso. Em 1983, em consonância com a FPF, nós no ISEF fizemos o 1.º curso de treinadores, que até deu origem à Associação Nacional dos Treinadores de Futebol. Depois essa ligação com a universidade perdeu-se. Em relação à nossa perspectiva, o modelo não evoluiu. Devia existir uma escola nacional de treinadores com centros regionais, dirigida pela FPF e ligada às universidades, para haver uma formação uniforme e evolutiva.
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