Os poetas da sátira erótica na Roma antiga
Latinos riam do sexo, do desejo, do prazer e dos costumes da sociedade
Ovídio (foto de baixo), Marcial e Juvenal foram alguns dos poetas latinos cujos textos satíricos comprovam que a má língua e a malandrice resistem ao tempo: os mesmos assuntos, os mesmos traços de caráter, os mesmos pormenores que embelezam ou desfeiam o corpo fazem-nos rir e chorar (ou chorar a rir), hoje como há dois mil anos. Estes três autores criticaram os costumes da sociedade da Roma imperial, com alguma insistência nas práticas sexuais e no erotismo que as estimulava.
Públio Ovídio Naso (43 a.C.-17 ou 18 d.C.) nasceu no ano a seguir ao assassínio de César, cresceu durante a guerra civil e viveu praticamente o resto da vida no reinado de Augusto, que o exilou. Causa provável da desgraça poderão ser passagens da sua ‘Arte de Amar’ em que tratava do adultério, proibido pelo imperador. A sua obra mais conhecida é ‘Metamorfoses’.
Marco Valério Marcial (entre 38 e 41- entre 102 e 104) nasceu na atual cidade espanhola de Calatayud e mudou-se para Roma no ano do incêndio que devastou a cidade no reinado de Nero. A sua obra mais importante são os ‘Epigramas’, alguns com forte carga erótica.
O título da obra mais conhecida de Décimo Júnio Juvenal (segunda metade do séc. I - depois de 127) não deixa margem para dúvidas: ‘Sátiras’. São dele expressões que ainda hoje usamos para elogiar ou para criticar, como "mente sã em corpo são", "pão e circo" ou "quem vigia os próprios vigilantes?"
Do livro ‘Antologia de Poesia Latina Erótica e Satírica’. Seleção, tradução e notas de Custódio Magueijo,
J. Lourenço de Carvalho e José
António Campos, prefácio de José Martins Garcia. Ed. Fernando
Ribeiro de Mello/Edições Afrodite
De Ovídio, ‘A Arte de Amar’:
"(...) Quando tiveres encontrado o sítio que a mulher gosta de sentir tocado,
que o pudor não te seja impedimento para afagos.
Verás seus olhos cintilar com inquieto
fulgor,
como o sol a miúdo em águas claras
refulge.
Ouvirás queixumes, ternos murmúrios,
doces gemidos, palavras aptas ao jogo amoroso. (…)
Que a mulher em espasmo se penetre de gozo até à medula,
e que a volúpia seja igual para ambos
os dois."
De Marcial, ‘Epigramas’:
"(…) Por dois dinheiros de ouro pode-se foder Gala,
e por outros dois pode-se mais ainda que foder.
Porquê então, Ésquilo, tu lhe dás dez dinheiros de ouro?
Gala brocha por menos. Porquê então? Para que se cale!...
(…) Andavam sempre a dizer-me que Pola, a minha amante,
dormia às escondidas com um panasca. Ah, meu caro Zupo,
apanhei-os em flagrante… mas não era panasca!
(…) Lésbia jura que nunca a foderam de graça.
Tem razão: quando quer que a fodam… Lésbia paga!"
De Juvenal, ‘Sátira VI, 2’:
"(…) São bem conhecidos os mistérios de Cibele: a flauta excita
os flancos, levadas pelo som das trompas e pelo vinho,
fora de si, as bacantes de Priapo revolvem os cabelos
e ululam loucas. Oh! Com que ardor delas se apodera
o desejo da cama! Que vozes soltam sob o aguilhão da luxúria,
que caudal de vinho velho lhes escorre pelas coxas ensopadas!
Uma coroa é posta em jogo: Saufeia desafia até as
putas, e os movimentos das suas coxas valem-lhe o prémio.
(…) Então a lascívia não sofre demora, a mulher é toda fêmea,
e por todo o salão ressoa ao mesmo tempo um só grito:
‘Já está na hora, mandem entrar os homens!’ – Se o amante está dormindo,
mandam-lhe que envergue a capa e venha rápido;
se não têm amantes, atiram-se aos escravos; se é impossível dispor de
qualquer escravo, paga-se e faz-se entrar um aguadeiro; se nenhum encontram
se há falta de homens, nada as detém,
o tempo urge:
a um burro que as monte o cu oferecem!"
Bacanais e orgias
Festas em honra do deus do vinho, Baco, protagonizadas pelas bacantes. Excessos de bebida e sexo levaram o Senado a proibir as bacanais no ano 186 a. C.
Lupanar em Pompeia
Cada aposento está decorado com frescos revelando as posições e práticas realizadas pela prostituta que ali trabalhava, incluindo sexo oral, sexo anal ou trios.
O culto de Priapo
Deus da fertilidade representado por um homem com um pénis exagerado (priapismo). Os poemas erótico-satíricos fazem-lhe referências frequentes.
Rapto das sabinas
Carentes de mulheres, os primitivos romanos foram capturá-las à tribo vizinha dos sabinos: este mito fundador é um tema comum na literatura e arte europeias.
Petrónio e o ‘Satyrikon’
A comédia satírica do dramaturgo Petrónio, escrita na segunda metade do séc. I d.C., foi adaptada ao cinema pelo realizador italiano Federico Fellini em 1969.
As orgias de ‘Calígula’
Helen Mirren (na foto) e Malcolm McDowell protagonizam ‘Calígula’, realizado por Tinto Brass em 1979, com descrições das orgias na corte daquele imperador.
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