A Ota recebeu o I Open de Portugal, uma largada de lebres vivas perseguidas por galgos. Um desporto para estômagos fortes.
Trinta corridas depois, os galgos ‘Texas de Bente’ e ‘Morante’ estão presos à mesma trela, prestes a partir para a última corrida. Dos 32 cães e cadelas que se apresentaram ao concurso do I Open de Portugal, estes dois machos são os eleitos para disputar a final. Os cerca de dois mil espectadores que se acotovelam à volta do recinto, montado na Quinta de Paços, nos arredores da vila de Ota, concelho de Alenquer, esperam, ansiosos, pela prova. E eis que sai a lebre a correr esbaforida, logo perseguida pelos dois galgos a grande velocidade.
A lebre não corre para muito longe, tenta safar-se dos cães com uma série de fintas curtas. Inverte a marcha e, em menos de um minuto, escapa-se do recinto para uma liberdade conquistada ao preço do maior susto da sua vida. Segundos depois, o júri montado a cavalo agita a bandeira branca, cor da coleira do vencedor.
Ganhou o ‘Texas de Bente’, um cão que Fernando Lopes e a sua equipa trouxeram de Vila Nova de Famalicão. "Não estávamos à espera, é a primeira vez que este cão corre às lebres. Foi uma grande vitória", diz Fernando Lopes, que explica o nome do galgo de dois anos e meio: "Veio da Irlanda com um nome inglês, pusemos ‘Texas’ por que eram as últimas letras do nome original e ‘Bente’ por que é a minha freguesia."
VELOCIDADE E DESTREZA
A primeira prova organizada pela Federação Portuguesa de Galgueiros começa por volta das 10h30 da manhã. Uma fila imensa de carros entope a estrada de terra batida que dá acesso à Quinta de Paços, onde há mais de 20 anos não se faziam largadas de lebres. Os bilhetes custam cinco euros e permitem aos 2 mil espectadores ver as 32 corridas previstas. As regras são simples: os galgos competem aos pares e têm por missão perseguir a lebre, que parte com 100 metros de avanço. Ganha o cão que mais vezes tocar na lebre antes de esta sair do recinto ou até a lebre acabar morta na boca dos cães – o que acontece em mais de metade das corridas.
As regras ditam que a lebre que conseguir saltar a vedação ganha o direito à liberdade, mas não raras vezes os cães perseguem-na fora da pista, até serem agarrados pelos donos ou pelo pessoal da organização. Para eliminar o adversário e progredir na prova, o galgo tem de ter duas qualidades fundamentais : velocidade para chegar primeiro à lebre e agilidade para acompanhar as fintas sucessivas com que aqueles animais tentam escapar.
As largadas já foram contestadas pelas associações dos direitos dos animais, mas a Associação Galgueira do Norte (uma das três que compõem a Federação) ganhou recentemente um processo judicial que lhe tinha sido interposto pela Associação Animal. A sentença confirmou a legalidade das provas. "Os cães estão treinados para matar as lebres num só golpe, sem causar sofrimento nas lebres. E grande parte delas consegue fugir e é deixada em liberdade. Nós respeitamos os animais", garante José da Silva Ferreira, presidente da Federação, que organizou o I Open de Portugal com concorrentes de todo o País, de Vila do Conde a Albufeira.
UM HOBBIE CARO
Tiago Pinheiro, de 23 anos, veio de Vila do Conde com a cadela ‘Sandy’ e o seu primo, Jorge Neves, trouxe o cão ‘Cosmos’. O avô dos dois já criava galgos, pelo que sempre se lembram de viver rodeados destes animais. Para eles, as corridas são uma paixão, mas uma paixão dispendiosa. "A ‘Sandy’ nasceu em minha casa. Não a vendo por nada, mas sei que o valor de mercado andará por volta dos 1500 euros", conta Tiago, que estuda Medicina Veterinária no Porto. Os galgos de competição seguem um rigoroso programa de treinos e comem uma ração especial. Um saco de 20 kg custa 50 euros e não chega para um mês. "Andamos nisto por carolice. Nesta prova, por exemplo, o primeiro lugar ganha 400 euros, mas a inscrição são 150 euros."
Na pista, os galgos dos primos conhecem sortes diferentes. O ‘Cosmos’, galgo nascido na Irlanda e que custou 1700 euros a Jorge Neves, perde a primeira corrida e fica eliminado. ‘Sandy’, a cadela de Tiago, ainda ganha o primeiro duelo, mas é derrotada nos oitavos-de-final. No termo da corrida, é preciso tratar dos cães. "Chegam a perder 5 kg numa prova. É frequente ficarem magoados nas patas, as corridas deixam-nos à beira da exaustão."
O esforço físico a que os cães estão sujeitos levaram a que o calendário das largadas de lebres fosse alterado. "Estas corridas fazem-se até Março, porque, depois, os cães ficam muito desidratados. Já aconteceu morrerem seis cães por exaustão numa prova disputada num dia de muito calor", conta Luís Lourenço, vice-presidente da Federação Nacional de Galgueiros. Começa então a época das corridas de galgos, em que os cães perseguem uma lebre mecânica. Essa é uma prova de velocidade pura, ganha o primeiro a cruzar a meta.
PETISCOS E POLÉMICAS
As primeiras 16 corridas ficam completas até à hora de almoço. A fome aperta e o público junta-se em volta dos grelhadores que trouxeram de casa. Afinal, está um belo domingo de sol e a corrida é um excelente pretexto para um piquenique de Inverno ali para os lados da Ota.
Maria João Feliciano, de 43 anos, veio com um grupo de 30 familiares e amigos assistir à prova. "É a primeira vez que participo e estou a adorar. É muito divertido." No bar montado pela organização, as bifanas e as sandes de carne de porco são o petisco mais procurado. Com muitas imperiais e copos de vinho a empurrar o conduto, reina a boa-disposição.
As corridas da tarde mostram que as largadas de lebres são um desporto de paixões. Se há uma prova com júri em que o resultado é determinado pela avaliação de dois árbitros – neste caso, dois homens montados a cavalo, que acompanham a corrida dos cães – já se sabe que haverá discussão. E a polémica estala nos quartos-de-final. O galgo ‘Jackpot’ sai na frente do ‘Ritual MP’ e é o primeiro a atacar a lebre, atinge-a várias vezes, mas depois pára. Deixa de correr e fica prostrado no chão. O júri dá a vitória ao ‘Ritual MP’ e os ânimos exaltam-se na assistência, até porque o ‘Jackpot’ é um cão da casa, ali de Alenquer. Os protestos sobem de tom e um dos espectadores chega a entrar na pista determinado a agredir um dos júris. A coisa resolve-se com alguns empurrões e muitos apelos à calma, mas o speaker de serviço vê-se obrigado a explicar as regras aos altifalantes: "Quando um cão desiste de correr é desclassificado. É o que dizem os regulamentos."
E a prova lá segue, com mais ou menos protestos à mistura. À medida que disputam mais corridas, os galgos que passam as eliminatórias mostram evidentes sinais de cansaço. Sorte para as lebres, que conseguem escapar para o campo. "Trouxemos 40 lebres, compradas em Espanha. No final, vendemos os animais para consumo. Estão em perfeitas condições, foram vistoriados por um veterinário", explica Luís Lourenço, vice--presidente da Federação.
João Archer, filho da proprietária da Quinta de Paços, espera que a prova se repita por muitos anos. "Antigamente, as lebres eram criadas na própria quinta, mas depois deixaram de se fazer corridas e isto ficou ao abandono. Era bom que houvesse condições para recuperar este espaço para a modalidade." José Ferreira, presidente da Federação, faz um balanço positivo. "Tivemos muita gente assistir, foi um sucesso. Provámos que há aficcionados para este desporto." Radiante, Fernando Lopes celebra com a sua equipa a vitória do ‘Texas de Bente’. "Neste momento tenho oito cães e um deles já foi campeão de corridas."
Ao pôr do sol, o Open de Portugal termina. A organização promete que para o ano a Ota voltará a ter cães e lebres.
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