‘O Deus da Carnificina’, último filme de Roman Polanski, é uma espécie de big brother da burguesia, um verdadeiro peep show à classe média alta
Em ‘Lars e o Verdadeiro Amor’, um discreto filme escrito por Nancy Oliver (autora da série ‘Sete Palmos de Terra’), o protagonista está enamorado por uma boneca insuflável com quem partilha todo o seu quotidiano. Nada que já não tenha acontecido fora da ficção e ainda antes de existir o plástico. O pintor Kokoschka apaixonou-se de tal maneira pela viúva de Gustav Mahler que, quando a relação terminou, mandou construir uma boneca de tamanho real e o mais realista possível. Alma era o nome da amada feita fantoche. Ao seu fabricante, Kokoschka enviou cartas, detalhando e especificando todos os traços que a "mulher silenciosa" devia apresentar. Quando a boneca ficou concluída, um dos expoentes do Expressionismo passeava-a pelas ruas ou levava-a à ópera. E, naturalmente, pintava-a.
Um dia, deu uma grande festa. Já de madrugada, partiu uma garrafa de vinho tinto na cabeça da Alma de trapos. De manhã, uma patrulha de polícia entreviu pela vedação da casa o que parecia ser uma mulher nua coberta de sangue e forçou o portão pensando tratar-se de um crime passional. Para Oskar Kokoschka era isso mesmo, como afirmou, porque na sua cabeça ele tinha mesmo assassinado Alma nessa noite.
Em ‘O Deus da Carnificina’ há uma altura em que um livro de Kokoschka leva com um vomitado em cima só comparável ao de ‘O Exorcista’. Podia ser atingido outro livro qualquer. Mas foi o de Kokoschka, uma figura da elite vienense e cuja história com Alma Mahler, outro relevo desse círculo, foi especialmente violenta. É. Por mais verniz que se passe, as vísceras falam.
Quem inutiliza esse livro é a mãe de um rapazinho que partiu os dentes a um outro. Ela, o marido e os pais da vítima estão reunidos na casa destes para discutir o sucedido. Quarto personagens dentro de quarto paredes.
BIG BROTHER
Esta última longa-metragem de Polanski baseia-se numa peça de Yasmina Reza. Nem uma nem outra têm o peso da tragédia nem o torcido da sátira. Não se trata de uma revelação inesquecível da essência humana, tão-pouco de uma subversão da ordem social. ‘O Deus da Carnificina’ parece mais um Big Brother da burguesia, um peep show à classe média alta que, à partida, nunca entrará nesses concursos, funcionando mais como comédia e caricatura da dita "sociedade civilizada".
Nesses meios, estatuto (o quinto elemento sempre presente na sala do quarteto), arte ou activismo social são apenas finas capas disfarçando a brutalidade inerente à natureza humana. Mas isso não passa de uma constatação mais ou menos superficial. De facto, este filme de Polanski também não oferece extraordinárias descobertas. Confronta com banalidades. Dirigido de forma exemplar, quando chega o final, o espectador só pode interrogar-se sobre o prazer de assistir a pessoas a desancarem-se umas às outras. É só isso que há para ver em ‘O Deus da Carnificina’. E esse questionamento já é suficiente.
Realizador: Roman Polanski
Intérpretes: Kate Winslet, John C. Reilly, Christoph Waltz e Jodie Foster
Em exibição nos cinemas
CINEMA: ‘HABEMUS PAPAM’
Numa versão humorística da psicanálise, a humanidade deixou de precisar tanto da religião e de um pai todo-poderoso quando os pais de carne-e-osso passaram a estar mais presentes. Neste filme, há um Papa que não quer ser Deus consultado por uma psicanalista que a todos diagnostica défice parental. Está lá.
Realizador: Nanni Moretti
Intérpretes: Jerzy Stuhr, Michel Piccoli, Nanni Moretti
Em exibição nos cinemas
CINEMA: ‘A TOUPEIRA’
Esta adaptação do romance de John le Carré é uma precisão cinematográfica ao serviço de uma história. Como se não bastasse, o elenco é irrepreensível. Se ‘Deixa-me entrar’ se transformou num filme de culto ‘A toupeira’ já é um clássico.
Resumo: O agente secreto George Smiley sai da reforma para investigar uma "toupeira" - um agente soviético infiltrado nos serviços secretos britânicos.
Realização: Tomas Alfredson
Argumento: Tomas Alfredson a partir de livro de John le Carré
Interpretação: Colin Firth, Gary Oldman, John Hurt, Tom Hardy
Em exibição nos cinemas
DVD: LUCHINO VISCONTI
Este duplo DVD é a ocasião perfeita para rever o mais aristocrático e um dos imprescindíveis filmes de Visconti (‘O sentimento’) e uma obra injustamente esquecida, ‘Noites Brancas’, uma das melhores adaptações cinematográficas de Dostoievski.
Resumo: ‘O sentimento’ é um filme de 1954 e ‘Noites Brancas’ foi premiado no Festival de Veneza em 1957
Filme: ‘O Sentimento’
Intérpretes: Alida Valli e Farley Granger
Filme: ‘Noites Brancas’
Intérpretes: Marcello Mastroianni, Maria Schell e Jean Marais
Editora: Edições Alambique
FUGIR DE...
‘A PELE ONDE EU VIVO’
Almodóvar, tal como Woody Allen, parece que se acomodou e repete o mesmo filme há várias longas-metragens. Este último trabalho do cineasta espanhol é preguiçoso e confuso, por vezes atafulhado, fazendo dos melhores trunfos do seu cinema os seus piores defeitos. Almodóvar parece querer libertar-se do seu estilo, da pele onde habita, mas paradoxalmente, essa epiderme cola-se e para sair leva-lhe o rosto.
Em exibição nos cinemas
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