Professor de criminologia em Oxford, Federico Varese, regressa ao seu assunto preferido - a Mafia - num livro agora editado em Portugal.
Federico Varese, professor de criminologia em Oxford, costuma dizer aos seus alunos que não é uma espécie de Indiana Jones na investigação do fenómeno da Máfia, que o risco é controlado, mas que jamais pensaria em escrever livros sentado à secretária. ‘Mafia Life’ é o mais recente, agora publicado em Portugal pela Desassossego.
Como é que se interessou pelo fenómeno da Máfia?
Quando era estudante, no final dos anos 80, princípio dos 90, estava fascinado com o que estava a acontecer na URSS e na Rússia no período pós-soviético e, por isso, vivi lá durante um ano para estudar a transição para a democracia e para a economia de mercado e foi então que percebi a importância do crime organizado naquele contexto. ‘The Russian Mafia’ foi o meu primeiro livro.
A economia de mercado mudou a face do crime organizado na Rússia?
Muito. A economia de mercado andou a par do aparecimento de novas máfias.
Qual é a principal característica das máfias contemporâneas?
A vontade de controlar um território ou um mercado. Todas as máfias de que falo no livro estão profundamente enraizadas nos seus territórios.
Não se trata então apenas de uma questão de dinheiro?
Não é só o dinheiro, é o poder. Dinheiro e poder andam a par, mas para as máfias o poder é muito mais importante.
A sociedade de informação, a internet e as redes sociais transformaram as organizações mafiosas?
Não muito, porque a Máfia continua a estar muito ligada ao seu território de origem. É claro que, tal como todos nós, usa o Skype, o Whatsapp e o telefone, mas não creio que a Mafia tenha sido transformada pela sociedade de informação. Outros novos atores estão a tirar partido das redes sociais, da internet - falo do cibercrime, por exemplo. Mas se olharmos para os locais onde mais existe cibercrime e cibercriminosos (casos da Roménia, do Brasil, do Vietname e dos países do Leste Europeu), percebemos que são sítios onde a Máfia é também muito forte porque tende a proteger os cibercriminosos, mas são fenómenos distintos.
Nesse sentido, podemos dizer que a Máfia é uma organização antiquada?
Sim, sem dúvida.
Alguma vez simpatizou com algum mafioso?
Talvez a palavra simpatizar seja demasiado forte, mas tentei sempre perceber quem é que eles são. Nunca pretendi saber quem cometeu aquele crime, quem matou aquela pessoa, mas sim perceber a pessoa que tinha à minha frente e o que ela pensava.
Como é que se pode perceber um criminoso?
Se se pretender perceber o que eles fazem e quais os propósitos dos seus crimes. E o que fica é que querem dinheiro e uma boa vida mas, acima de tudo, querem poder, querem tornar-se autoridade num determinado território.
Segundo escreve no seu livro, as máfias têm códigos, valores morais e em certo sentido assemelham-se a seitas religiosas.
Todos os rituais que respeitam são de alguma forma religiosos. Não é uma questão de dinheiro, de poder, é também uma questão de padrões morais. A Máfia tem um sentido de moral e de dever. Quando matam alguém, não é só matar; são uma espécie de tribunal que executa a pena e, por isso, matar torna-se legítimo aos olhos deles.
Como é que explica a longevidade da máfia italiana?
É uma boa questão. Acho que é por beneficiar muita gente fora da Máfia. A principal característica da Máfia italiana, e da siciliana em particular, é beneficiar gente exterior à organização - particularmente gente de negócios - e é por isso que é tão difícil acabar com o fenómeno sem acabar primeiro com esta relação.
O que é que isso diz da democracia italiana?
A Itália é uma democracia, mas a Máfia tende a atuar em democracias. O Japão é uma democracia e tem máfia. A Rússia tornou-se mais democrática no início dos anos 90 e as organizações mafiosas prosperaram. Há máfias nos Estados Unidos da América. As máfias adoram as democracias porque podem ajudar a eleger políticos e ajudar empresários nos seus negócios. A Máfia anda de braço dado com a democracia, o capitalismo e a economia de mercado.
A Itália é uma democracia mas não é uma democracia que funcione muito bem; o aparelho do Estado não é eficiente. Num tribunal civil, uma disputa entre duas pessoas sobre a divisão de uma propriedade demora, em média, oito anos a resolver. Se os intervenientes pedirem a intermediação da Máfia, a coisa resolve-se rapidamente. Precisamos de um Estado eficiente, que ajude as pessoas a viver as suas vidas. Essa é uma das razões da presença tão enraizada da Máfia em Itália, a outra é a relação que mantém com pessoas ligadas ao mundo dos negócios.
Qual é a organização mafiosa mais sofisticada?
Penso que será a Máfia Calabresa, a ‘ndrangheta (sul de Itália), que controla as drogas, especialmente a cocaína vinda da Colômbia e tem tentáculos na Austrália, na Alemanha e nos Estados Unidos. Se é isso que quer dizer com sofisticada, esta é a minha resposta. Os grupos pós-soviéticos são também muito poderosos, muito presentes na Europa, em Itália, Grécia, Espanha, Alemanha, talvez em Portugal.
Uma das histórias do livro é sobre um tipo que cometeu um crime em Itália e que acaba por ser preso em Portugal. Ele estava escondido aqui, num grupo de georgianos que fazia assaltos.
Se, como diz, as máfias refletem a sociedade, como vê o futuro das máfias?
Não me parece que possam alguma vez desaparecer, nem me parece que a Internet mude dramaticamente estas organizações. Penso que terão um futuro próspero, especialmente num mundo em que as drogas continuem a ser consumidas e a render muito dinheiro, num mundo em que haja tráfico humano, atividade atualmente controlada por máfias, nomeadamente em Itália. A não ser que atuemos rapidamente, as máfias terão um ótimo futuro.
O fenómeno da imigração ilegal para a Europa acabou por oferecer mais uma atividade às redes mafiosas...
Em Itália, por exemplo, não é a máfia que está a controlar os barcos das pessoas vindas da Líbia ou da Nigéria, mas uma vez que os imigrantes ilegais chegam à Itália são levados por máfias para os campos ou para o tráfico de drogas. E é por isso que a imigração deve significar sempre integração, caso contrário estamos a tornar as máfias mais fortes.
Em que países está a emergir o fenómeno da Máfia?
No Médio Oriente, na Irlanda do Norte (onde houve um processo de paz mas onde muita gente que antes lutou não arranjou emprego e ainda continua no desemprego e, por isso, junta-se ao crime organizado). Na América Central (em países como a Guatemala, as máfias provindas dos Estados Unidos e do México estão a assumir um papel relevante). Estão a surgir gangs muito poderosos em muitos países, mas há um que destaco: Myanmar, a antiga Birmânia, que está a passar por um processo de democratização e de abertura à economia de mercado (talvez não tão rapidamente como queiramos, no que se relaciona com o estado democrático), onde o crime organizado está atualmente a crescer.
Para se ter uma democracia genuína, votar não basta. Putin foi eleito e os candidatos dos outros partidos não podem ir à televisão. Nos anos 90, havia muitos políticos com ligações ao crime organizado. Agora Putin tem muito mais controlo que Ieltsin, e o Estado é mais poderoso do que nos anos 90 e, por isso, o poder da máfia junto do Estado foi reduzido ao submundo. Na Rússia temos um regime autoritário e a Máfia acha difícil operar no seio deste tipo de regimes, pois estão sob maior pressão e escrutínio do que numa democracia.
Podemos então concluir que as democracias são propícias à Máfia?
Sim. É paradoxal e controverso, mas é o que eu acho. As democracias são boas para organizações como a Máfia porque podem controlar os políticos e aspetos da economia local, que está integrada no mercado livre e não controlada pelo Estado como era, por exemplo, na URSS. O desafio não é, como é óbvio, livrar-nos da democracia, mas estarmos cientes de que o crime organizado nasce e encontra ninho nas democracias. Tem absoluta razão, a Máfia adora a democracia.
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