As diversas facções militares, cada uma apostada em fazer a revolução, tentam o apoio de Costa Gomes.
O presidente da República general Costa Gomes era, nos tempos escaldantes da revolução, o fiel da balança entre as diversas facções do Movimento das Forças Armadas: ninguém ousava dar um passo sem cuidar saber se teria o apoio do velho cabo de guerra – tão cuidadoso na estratégia militar como no jogo político. Enquanto exerceu as funções de presidente da República e de chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas nunca viveu no Palácio de Belém. Preferiu o conforto da sua casa da Avenida dos Estados Unidos da América, em Lisboa. Mas neste Verão agitado, os dias corriam em tropel. O general não tinha descanso. Nem à noite. Batiam-lhe à porta fora de horas. O espaçoso apartamento era acanhado para receber tanta gente em reuniões que se prolongavam em algazarra pela madrugada. Costa Gomes mudou-se com a mulher para o Forte de São Julião da Barra.
Numa noite por estes finais de Agosto, o presidente da República recebeu em São Julião da Barra seis grupos diferentes da extrema-esquerda militar – todos apostados em fazer uma revolução. Costa Gomes passou a noite em branco: saía um grupo, entrava outro – cada um decidido a ‘endireitar’ o País à custa de um golpe revolucionário. O general conseguiu travá-los: o primeiro a dar um passo teria de contar com a sua firme oposição e com a de todas as tropas que lhe eram fiéis.
Em 30 de Agosto, Costa Gomes anuncia ao País a demissão de Vasco Gonçalves. Caiu o V Governo Provisório – que já não contava com o apoio dos partidos de inspiração democrática nem da extrema-esquerda. Mas o presidente da República jogava cautelosamente. Receava as reacções do PCP e a sua influência no Movimento das Forças Armadas – e, por isso, não mandou Vasco Gonçalves para casa: anunciou a intenção de o nomear chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Ainda assim, o PCP sentia-se isolado. O dirigente comunista Octávio Pato telefonava a Mário Soares, quase sempre à noite, a perguntar-lhe se podia passar por sua casa, no Campo Grande. O líder do PS recebeu-o várias vezes. Octávio Pato levava recados de Álvaro Cunhal: “O processo revolucionário ganharia nova dinâmica se socialistas e comunistas se unissem.” Soares recusava as propostas – mas estava sempre disponível para receber Octávio Pato no Campo Grande, até para avaliar o ponto de vista do PCP sobre o novo ambiente político.
Em 28 de Agosto, Soares foi chamado ao Palácio de Belém por Costa Gomes. A convocatória deixou receoso o líder histórico socialista: achou que iria ser preso nesse dia. Não lhe passava então pela cabeça que o presidente da República ia demitir Vasco Gonçalves. Soares foi a Belém, a meio da manhã, acompanhado por Salgado Zenha. Os dois dirigentes socialistas tomaram algumas precauções: deram instruções ao Secretariado do PS para contactarem imediatamente as agências de notícias estrangeiras se não saíssem ambos de Belém à hora do almoço.
Esperavam-nos o general Costa Gomes e o almirante Pinheiro de Azevedo. O presidente manteve-se silencioso. O almirante usou da palavra. Disse-lhes que fora encarregue pelo presidente de formar Governo. Voltou-se para Mário Soares: acrescentou que nada sabia de política – e convidou-o para vice-primeiro-ministro.
ALIMIRANTE CHAMA "TRAIDOR" A SOARES
O encontro no Palácio de Belém, entre Costa Gomes, Pinheiro de Azevedo, Mário Soares e Salgado Zenha, terminou em gritaria. Soares fez depender a aceitação do convite para vice-primeiro-ministro do futuro reservado a Vasco Gonçalves. Pinheiro Azevedo respondeu-lhe que o ex-primeiro-ministro seria nomeado chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Soares ficou colérico: “Não posso consentir na sovietização das Forças Armadas” – disse.
O almirante, homem mais talhado para a guerra e menos dado à retórica política, desatou aos gritos: “Você é um traidor. Vou prendê-lo”. Costa Gomes assistiu a tudo calado. Soares e Pinheiro Azevedo travavam-se de razões, ambos de pé, numa tremenda gritaria. Ouviu-se então a voz doce de Salgado Zenha para o almirante: “Parece-me que o senhor para primeiro-ministro não serve. Lá dizia Mao Tsé-Tung que quem não sabe ouvir também não sabe governar.” Pinheiro de Azevedo parou espantado. Fez-se silêncio. Deu uma palmada nas costas de Soares – e disse-lhe: “Ele é capaz de ter razão. Vamos lá falar com calma.” Mas a conversa nesse dia ficou por aí. Dias depois, Pinheiro de Azevedo pediu desculpa a Soares por lhe ter dado voz de prisão. E Vasco Gonçalves não chegou a chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
O jovem capitão a quem foi atribuída a mais difícil missão no golpe de 25 de Abril de 1974 atravessou os meses de brasa da revolução sempre ao lado do Grupo dos Nove. Foi aliciado pelo PCP e pela extrema-esquerda – mas não se afastou um milímetro do objectivo de colocar o País no caminho da democracia parlamentar. Derrubado o V Governo Provisório, a ala militar comunista apenas foi travada em 25 de Novembro de 1975 – e nessa altura, como em 25 de Abril de 1974, Salgueiro Maia saiu com as suas tropas e contribuiu decisivamente para o êxito do golpe.
REVOLUÇÃO DIA-A-DIA
29 DE AGOSTO - O Conselho da Revolução reúne-se ainda sem a presença do Grupo dos Nove: são ratificadas as nomeações de Pinheiro de Azevedo para formar Governo e de Vasco Gonçalves para chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. O Documento do COPCON é considerado como “reaccionário” pela maioria dos conselheiros.
30 DE AGOSTO - É assaltada e incendiada a sede do PCP em Barcelos: o ataque é atribuído ao MDLP, movimento clandestino de acção directa dirigido pelo general Spínola. Publicado diploma que nacionaliza as cervejeiras; Costa Gomes anuncia ao País que Pinheiro de Azevedo será o próximo primeiro-ministro e Vasco Gonçalves o chefe do Estado-Maior--General das Forças Armadas.
31 DE AGOSTO - Cisão no MDLP: divergências entre os grupos operacionais do major Morais Jorge e do comandante Alpoim Calvão. Aumenta o número de retornados de Angola: passam a chegar a Lisboa cerca de 700 por dia.
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