A autora da trilogia erótica ‘Cinquenta Sombras’ é uma vulgar mãe de dois rapazes. Tem é uma enorme imaginação.
Erika Leonard James tinha na antiga casa um quarto vago com uma parede vermelha. Era apenas uma divisão para passar a ferro, nada que se assemelhasse – já garantiu – ao ‘quarto vermelho da dor’, onde o Adónis da trilogia ‘As Cinquenta Sombras’ que escreveu recebe as suas conquistas no universo sadomasoquista, de sexo e dominação. Mas isso foi antes do sucesso da autora. Na nova casa – de quatro milhões de euros, com sete quartos e uma piscina interior –, são muitos os quartos vagos. E. L. James, assim é conhecida no universo literário, não refere para que servirão. Escusa-se, aliás, a falar de sexo quando o sexo não é aquele que é descrito nos livros que lhe deram fama e fortuna além-fronteiras.
A autora esteve em Portugal, e, em entrevista ao CM, contou que a inspiração para as ‘Cinquenta Sombras’ surgiu da sua própria "experiência pessoal, da imaginação e de alguma pesquisa", mas não adianta pormenores da vida em casal. Nunca leu Sade ou Anaïs Nin, mas na memória ainda tinha – contou também – "o livro lésbico ‘Macho Sluts’ (literalmente, ‘Galdérias-Macho’), de Pat Califia", que leu na década de 1990.
Mais tarde, "houve uma série de livros, no Reino Unido, também dentro do género LGBT, que me interessaram". Mas tinha vergonha das capas dos livros eróticos – sempre com muita exposição do corpo nu – e por isso decidiu que, se um dia escrevesse um romance do género, teria muita atenção na escolha da capa, para que as pessoas pudessem lê-lo nos cabeleireiros, transportes e outros locais públicos sem se sentirem embaraçadas. É o que está a acontecer um pouco por todo o Mundo, aliás.
DESPEDIU-SE POR TELEFONE
No ano passado, por esta altura, Erika, uma ex-assistente de produção na televisão britânica (despediu-se por telefone, perante o pasmo do marido, quando começou a escrever), de 49 anos, saía à rua sem ser reconhecida por ninguém que não fossem os vizinhos do bairro onde vivia com o marido de há 20 anos, que conheceu na televisão onde ambos trabalhavam, e dois filhos adolescentes, de 15 e 17 anos.
"Os meus filhos não lêem. São dois rapazes. E como tal o que gostam de fazer é brincar com as PlayStations e estar no YouTube. Eu não lhes disse que não podem ler os livros, mas ficaria bastante embaraçada se o fizessem. Acho que eles também ficariam embaraçados. Mais tarde, talvez", confessou também na referida entrevista ao CM. Por outro lado, a mãe da autora [o pai já morreu] "adorou os livros. Mas felizmente não me fez nenhuma pergunta sobre a minha vida sexual", partilhou Erika.
Certo é que, em pouco mais de 365 dias, a autora da literatura ‘porno para mamãs’ – chavão criado pelo jornal ‘The New York Times’ que tem sido repetido à exaustão por se ter tornado uma espécie de Kama Sutra para mulheres casadas e com filhos – tornou-se na sexta pessoa mais influente do Mundo – segundo a revista ‘Time’ –, só precedida por uma estrela da NBA e outra de futebol americano, dois actores de renome e um artista/compositor.
Ao ‘The Guardian’, o marido, Niall Diamond, um argumentista ‘freelance’ que aproveitou a boleia do sucesso de Erika para lançar ele próprio um romance, ‘Crusher’, anuncia que "os comentadores até podem achar" que o casal passa as tardes "numa piscina imensa com golfinhos treinados para trazerem refrigerantes, mas na vida real têm de passear o cão, alimentar os miúdos, tratar de parentes idosos e começar a escrever o próximo livro".
Já Erika descreve-se repetidamente a si própria como "uma pessoa aborrecida. Os livros são a minha fantasia. Escrevi-os para mim, mas o melhor de tudo é ver que muitas outras pessoas têm fantasias parecidas, por isso não sou nenhuma pervertida". Sobre a vida sexual do casal, o marido também é parco em palavras. "Não sou masoquista, e isso é tudo o que saberão", disse ao ‘The Guardian’, adiantando que nenhum leitor os abordou nesse sentido nem nenhum vizinho se sentiu tentado a espreitar pela janela do quarto do casal na esperança de ver ao vivo o que lera nos livros.
Certo é que a mulher – licenciada em História –, que enquanto escreve ouve Black Eyed Peas, Bruce Springsteen e Britney Spears (apesar de as personagens que criou fazerem sexo ao som de música clássica), tem o seu rendimento de 15,5 milhões de euros ainda longe do pódio dos escritores que ganham mais dinheiro. Mas a revista ‘Forbes’ já avisou que no próximo ano vai subi-la na lista, talvez até atingir o topo do ranking, um verdadeiro feito. Não é para menos: a trilogia que escreveu vendeu mais de 60 milhões de livros em todo o Mundo. Em Portugal, as vendas estão quase a atingir 200 mil exemplares. Está também previsto receber 3,7 milhões pelos direitos de adaptação ao cinema.
O INÍCIO DO SUCESSO
É comparada frequentemente à escocesa Susan Boyle (que saltou para a fama no concurso ‘Britain’s Got Talent’), pelo aspecto pouco sexy ("ainda que com as sobrancelhas arranjadas e menos idade", ironiza um jornal espanhol), e à autora de Harry Potter (J. K. Rowling, que já vendeu mais de 450 milhões de livros), pela ascensão meteórica trazida pelo sucesso musical, no primeiro caso, e literário, no segundo. Mas quem E. L. James realmente admira é Stephenie Meyer, autora da saga ‘Twilight’, que o marido lhe ofereceu no Natal de 2008.
Há uma explicação: Erika começou a escrever histórias num fórum on-line, o Fan Fiction, precisamente inspirada pelas personagens de Meyer, e foi aí que a aventura, que se transformou num verdadeiro jackpot, começou. A proposta do grupo de fãs era criar uma história de amor passada nos EUA, pelo que Erika começou por procurar dados no Google sobre Seattle e Portland (cidades americanas que nunca tinha visitado mas que entretanto já conheceu em digressão) e terminou com uma grande quantidade de fãs on-line a sugerirem que devia publicá-las.
Daí a ter um livro erótico que explora o universo sadomasoquista foi um curto passo que até a ela surpreendeu. O primeiro livro saiu em e-book e só depois despertou a atenção de uma editora australiana. "As redes sociais ajudaram. Sou louca pelo Twitter, e isso criou curiosidade", disse à brasileira ‘Veja’.
A verdade é que a filha de um casal escocês-chileno nascida no condado de Buckinghamshire, no sul de Inglaterra, sonhava desde a infância escrever "uma história que apaixonasse as pessoas" – diz na própria biografia on-line –, mas adiou esse sonho em prol da família e da carreira. A missão foi cumprida, apesar da descrença dos críticos, que apontam os clichés recorrentes na escrita de Erika. Os fãs, ou melhor, as fãs têm mostrado que nada disso importa. Erika recebe e-mails diariamente a agradecer o facto de o livro ter conseguido recuperar-lhes a vida sexual, salvando do tédio a actividade entre lençóis. Ou melhor, dentro e fora, já que o universo sadomasoquista explora a diversidade de posições e locais nas relações entre dominador e dominada e as regras que isso pressupõe.
Segundo o ‘The Hollywood Reporter’, a trilogia não só tem salvo casamentos como tem provocado alguns divórcios. O jornal noticiou inclusive o caso de uma empresária britânica, leitora compulsiva das ‘Cinquentas Sombras’, que terá pedido o divórcio depois de o marido se recusar a reproduzir as cenas de sexo entre Anastacia e Grey, protagonistas do romance.
No Facebook da autora, que soma quase 170 mil ‘Gostos’, os agradecimentos repetem-se. ‘Conseguiu falar à minha imaginação como nenhum outro livro tinha feito’, ‘O meu marido está muito satisfeito desde que eu comecei a ler os livros’, ‘Estou louca, estou muito louca, estou a tirar cada fio de cabelo da cabeça’ e ‘Obrigada por salvar casamentos por este mundo fora’ são alguns dos comentários dos leitores.
Outro caso curioso passou-se num hotel de Lake District, nos EUA, onde os livros de Erika substituíram as Bíblias nas mesas-de-cabeceira. Numa estratégia de marketing à altura das circunstâncias, o dono arrumou na arrecadação o livro sagrado e fez sair a história de Anastacia e Grey, na esperança de que as ‘Cinquentas Sombras’ deixariam as hóspedes mais felizes... e talvez mais tempo alojadas no hotel, entretidas. Algo que tem vindo a atormentar os críticos passa pelo surpreendentemente rápido sucesso e a razão de se dizer que o público-alvo são mulheres com mais de 40 anos, uma vez que os protagonistas são dois jovens, uma virgem de 21 anos e o dominador, de 27.
VIDA DE CASAL
Nas primeiras viagens pelo globo para promover o livro, o marido de Erika começou – uma vez que não tinha emprego fixo e por isso tinha muito tempo livre – por "carregar-lhe as malas". Mas agora são dois escritores a partilhar casa. Ainda assim, como confidenciou ao ‘The Guardian’, o casal só se encontra "às refeições". Já segundo o próprio, Niall ajudou a mulher a escrever a obra que lhe trouxe mediatismo: "Apesar de ser o homem menos romântico à face da Terra" – tanto que no primeiro Natal juntos lhe ofereceu um "abre-latas". De forma divertida, disse ainda que "a primeira experiência de "sexo pervertido" foi com Erika a tentar enfiar o abre-latas – o tal que ele lhe deu – no rabo, ironizou. Mais valia ter-lhe oferecido um livro de Nora Roberts (autora de best-sellers), já que Erika fez saber que é uma das suas leituras preferidas.
A Feira do Livro de Frankfurt, em Outubro deste ano, preparou à autora uma festa de homenagem, que teve honras de estrela de passadeira vermelha. "Estavam lá os editores dela de todo o Mundo e faziam fila para a conhecer, para a cumprimentar, todos a trocar números", recorda José Prata, editor de E. L. James em Portugal. "Quando tínhamos estado na feira de Londres, já se sentia no ar que ia ser um fenómeno, pelo modo como estava a vender em Inglaterra. Isto é completamente novo. Pela primeira vez, tudo acontece num ano. Pela primeira vez, antecipámos o lançamento dos livros por causa do carácter viciante da obra, porque as pessoas começaram a comprar em inglês." Sobre a autora, José Prata desfaz-se em elogios: "É superdespachada e profissional."
A ESCRITORA QUE PÔS AS MÃES A LER SOBRE SEXO E DOMINAÇÃO
As descrições dos encontros sexuais entre Anastasia e Christian não deixam pormenores de fora. Há sessões de sexo que chegam a ocupar cinco páginas. Sexo oral, sexo anal, masturbação, palmadas com as mãos ou com réguas, cordas e algemas, vendas e vibradores. A edição portuguesa não usa as palavras ‘pénis’ ou ‘mama’. Mas ‘seio’, ‘erecção’ ou ‘membro’ chegam para E. L. James agarrar o leitor e , sobretudo, as leitoras – a parte de leão da legião de fãs que a escritora inglesa granjeou em dois anos de vida literária. O sucesso é fulgurante: estima-se que já foram vendidos 60 milhões de livros em todo o Mundo, traduzidos em 51 línguas.
Para lá do êxito comercial, a trilogia de ‘As Cinquenta Sombras’ tem conseguido outro mérito indiscutível: lançou o debate sobre o que são os limites do jogo sexual e pôs muitas mulheres a questionarem-se sobre as suas próprias vidas sexuais.
O jornal ‘The New York Times’, um dos mais vendidos e influentes dos Estados Unidos, escrevia em Março sobre a ‘febre’ de ‘As Cinquenta Sombras’: "Uma novela erótica de uma autora obscura, que tem sido descrita como ‘porno para mamãs’ ou ‘Twilight’ para crescidos, está a electrificar mulheres por todo o país, que espalham a palavra como se fosse o Evangelho em páginas do Facebook, nas escolas e no ginásio."
Em Inglaterra, o primeiro volume da trilogia tornou-se rapidamente no livro mais vendido de sempre no país, com mais de cinco milhões de cópias vendidas. O tablóide ‘The Sun’ avaliou os efeitos colaterais deste sucesso: a venda de artigos como algemas, vibradores, vendas, lingerie e brinquedos sexuais cresceu em percentagens de três dígitos desde que a relação de Anastasia e Christian conquistou os leitores britânicos. Um exemplo: as jiggle balls, bolas de estimulação anal e vaginal, usadas pelo casal inventado por James, são agora o acessório sexual mais procurado nos sites da especialidade.
INVERSÃO DE PAPÉIS
A sexóloga portuguesa Vânia Beliz não leu os livros da saga ‘As Cinquenta Sombras’, mas tem acompanhado o interesse que, também em Portugal, faz de E. L. James a escritora mais vendida. E adianta uma explicação possível para o facto de haver tantas mulheres interessadas num enredo que extravasa as fronteiras do amor convencional. "As exigências que vivemos no nosso dia-a-dia remetem-nos para papéis muito rígidos. A cama pode servir como libertação e por isso não é de estranhar que haja pessoas que queiram inverter os papéis. Uma mulher que tem uma posição de poder numa empresa pode gostar de ser dominada sexualmente em casa."
A sexóloga diz que há uma nova forma de os profissionais de saúde lidarem com estes casos. "Até há pouco tempo, estes comportamentos eram vistos como parafilias, pensava-se que havia uma perturbação. Hoje aceita-se mais facilmente que haja relações saudáveis em que um dos membros do casal é dominado. A questão central é que essa opção tem de ser uma escolha de livre vontade e nunca uma imposição", explica Vânia Beliz, que acredita que o número de praticantes de BDSM (bondage, dominação e sadomasoquismo) "está a crescer em Portugal".
O investigador universitário Daniel Cardoso, autor de vários trabalhos sobre fetiches e relações poliamorosas (em que os intervenientes mantêm várias relações amorosas em simultâneo) analisa o sucesso de ‘As Cinquenta Sombras’ em dois planos: "O lado positivo é que há muita gente a ler e a ter a percepção de que existem pessoas que gostam de relações de dominação e as praticam. O livro fala de um contrato e eu sei de casos em que efectivamente foi assinado um contrato entre dominador e dominado."
O lado negativo é a forma como a história revela as razões de Christian ser dominador: "O livro acaba por revelar a infância traumática de Christian e isso é usado para justificar o seu comportamento tido como desviante. É voltar à velha ideia de que quem pratica a dominação ou o sadomasoquismo é porque tem algum problema psíquico. É errado, há quem tenha relações estáveis e saudáveis."
NET AJUDA A ENCONTROS
Sob o anonimato, muitos portugueses encontram na internet os parceiros com quem podem realizar as suas fantasias sexuais. Sites como Fetlife.com ou o fórum bdsmportugal.org são pontos de encontro para quem gosta de relações fortes. "Há pessoas que têm dois perfis no Facebook, um para a sua vida ‘normal’ e outro em que expõem a sua condição de dominadores ou dominados", explica Daniel Cardoso.
Encontrar um parceiro pode não ser uma tarefa fácil, mas hoje já existem serviços profissionais. Há mulheres e homens a quem se paga para desempenharem o papel de dominadores. "Nem sempre a relação de dominação passa pela concretização de relações sexuais", explica Daniel Cardoso. Há casais para quem a violência física ou psicológica é em sim suficiente para garantir a satisfação de uma fantasia quase nunca assumida em público.
A investigadora austríaca Angelika Tsaros está a fazer o doutoramento na Universidade de Graz com um estudo que tem como pano de fundo os livros de E. L. James. Angelika explica à Domingo que o objectivo é "fazer um trabalho sobre o papel do consentimento nas relações de dominação que parte dos livros de ‘As Cinquenta Sombras’ e, sobretudo, do impacto que estes romances têm tido em todo o Mundo". E avalia o que tem acontecido: "As pessoas estão a falar sobre estes temas, estão a interessar-se, estão a comprar mais objectos sexuais. Há sex-shops que têm pacotes especiais de acessórios de ‘As Sombras de Grey". A investigadora aponta também as fragilidades da obra de James. "Anastasia é uma mulher passiva. Aceita ser submissa, mas percebe-se que não procura esse tipo de relações. Na vida real, as mulheres que se envolvem em práticas BDSM são muito mais activas."
Angelika acredita que o sucesso dos livros se deve ao facto de "no fundo ser uma história romântica de uma relação entre uma mulher e um homem que acabam casados e felizes". Não há muito de inovador na escrita de James, "mas o livro parte do ambiente de mistério que vem da saga ‘Twilight’. Christian é apresentado com um jovem rico e com um lado oculto. O facto de ser a mulher a submissa faz com que a história seja mais credível. O público mainstream ainda não está preparado para ler sobre um amor em que o homem é dominado pela mulher".
Mas o livro tem um mérito brutal: "Fez despertar a imaginação de milhares de casais em todo o Mundo, e isso é muito positivo", diz Angelika.
HISTÓRIA DA AMIZADE QUE UNE DESDE SEMPRE EROTISMO E AUTORES
Inspiram, transpiram e alguns vendem que se fartam. Os autores de obras eróticas têm destas coisas: reflectem a sociedade do seu tempo, rompem o pudor e evocam prazer. Explica o professor Carlos Reis, da Universidade de Coimbra, que "desde sempre, os textos literários foram cenário de acolhimento e de tematização do erotismo, em proximidade com vivências amorosas e pulsões de tipo pornográfico". De tal modo que por vezes é difícil saber "onde acaba o erotismo e começa a pornografia".
Lançado em 1934, ‘Trópico de Câncer’, o livro maior de Henry Miller, é disso exemplo. A obra retrata a vida boémia e libertina de entre-guerras e esteve proibida nos EUA até 1961, classificada como ‘obscena’. Apesar de ter corrido desde sempre na pena dos escritores, desde a Idade Média à famosa ‘Justine’, do Marquês de Sade, o erotismo explodiu visualmente nos anos 1960. Nessa década, Stanley Kubrick filmou ‘Lolita’, de Vladimir Nabokov. No livro, de 1955, o autor russo descreve a obsessão de um homem maduro pela sua jovem enteada e recebeu o selo de proibido em vários países. Em 1964, o filme de Kubrick foi considerado "normal"; a versão de Adrien Lyne, 1997, nem tanto.
A diferença é que, "em épocas de repressão ou de hipócrita censura, o pendor para a expressão erótica afigura-se mais marcante", diz Carlos Reis. E cita iniciativas editoriais, "famosas entre nós, como as publicações das Edições Afrodite que, antes e depois de 1974, causaram perturbação e escândalo, tendo chegado, num ou noutro caso, à barra dos tribunais". Aconteceu com a ‘Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica’ (1966), coordenada por Natália Correia e ilustrada por Cruzeiro Seixas, "que levou à condenação da organizadora do volume, do editor Fernando Ribeiro de Mello e de vários outros dos escritores insertos no livro. Foi o caso de Luiz Pacheco, um autor reconhecidamente propenso à provocação erótica e libertina".
Com os tempos mudam as vontades. E no ano em que a revolução chegava a Portugal, a holandesa Sylvia Kristel protagonizava no cinema ‘Emmanuelle’, inspirado na série erótica escrita em 1959 por Emmanuelle Arsan, pseudónimo de Marayat R. Andriane. Entre filmes e DVD, as cenas de sexo escaldante cativaram mais de 650 milhões de pessoas e a cadeira de verga usada na fita virou peça de moda.
FRUTO PROIBIDO
Em 1976, foi no cinema, com uma escrita visual e erótica, que Nagisa Oshima criticou a sociedade consumista do Japão de então. Pegou num caso real e filmou a história de uma prostituta que se emprega em casa rica e se torna amante do patrão. As cenas ininterruptas de sexo, os pedidos do homem para morrer estrangulado e o excesso da rapariga, que para lembrança corta e guarda o pénis do amante, causaram polémica e adoração. Oshima passou de cineasta falido a autor de prestígio e fortuna internacional. Exibido fora de competição, o filme passou 13 vezes no Festival de Cinema de Cannes. Em Portugal, a exibição em 1991 na RTP foi seguida com atenção. Ficou célebre a frase do arcebispo de Braga: "Aprendi mais em dez minutos do que na vida inteira."
Certo é que os portugueses aceitam bem cenas de sexo, "desde que não seja gratuito", diz o cineasta António Cunha-Telles. "Tem tudo a ver com a época. E um fenómeno curioso ocorreu com o filme ‘Garganta Funda’, um clássico da pornografia, que chegou cá com vários anos de atraso em relação ao resto da Europa, e foi magnificamente acolhido. Todos queriam ver e iam famílias inteiras."
Ainda assim, a ousadia vive bem com o anonimato. António Ventura, da editora Tinta da China, lembra que "muitas das boas obras eróticas do séc. XIX eram edições clandestinas, folhetos, de qualidade". E o caso que melhor relata o desejo de escrever na sombra é o da jornalista Anne Cécile Desclos, que só em 1994 revelou, em entrevista ao ‘The New York Times’, ser a autora de ‘A História de O’, ícone da literatura erótica, lançado em 1955 sob o pseudónimo de Pauline Réage.
Por cá, "de Gil Vicente a Bocage, de Camões a Eça de Queirós, de um desconhecido Alfredo Gallis a Vergílio Ferreira, de Cesário Verde a E. M. de Melo e Castro, de José Agostinho de Macedo a José Régio, a literatura portuguesa ostenta incontáveis exemplos de culto da sexualidade como tema, oscilando entre o erotismo subtil e a desbragada descrição pornográfica", diz Carlos Reis.
Nesta década, surgem as mulheres. Mónica Marques deu que falar com ‘Transa Atlântica’, livro que descreve as aventuras de uma portuguesa no Brasil. "Tem a suspeita de ser biográfico, o que o torna engraçado e prova que no Brasil há mais desinibição, mesmo na escrita", diz o escritor Pedro Mexia. Os escaparates ostentam agora ‘O Mundo Proibido de Daniel V.’, obra erótica de Maria Luísa Castro, pseudónimo de uma (outra) jornalista portuguesa.
AUTORES DE PÁGINAS DESPUDORADAS
HENRY MILLER: ‘TRÓPICO DE CÂNCER’
Lançado em 1934, o livro descreve a libertinagem do mundo entre-guerras. Vendeu 500 milhões de cópias.
UBALDO RIBEIRO: ‘A CASA DOS BUDAS DITOSOS’
Em 1999, o autor brasileiro colocou uma mulher de 68 anos a narrar as infinitas possibilidades do sexo.
NATÁLIA CORREIA: ‘ANTOLOGIA (...) ERÓTICA’
Em 1966, a poetisa reuniu uma série de obras eróticas. O livro foi proibido e os autores condenados.
MÓNICA MARQUES: ‘TRANSA ATLÂNTICA’
Em 2008, a jornalista contou em livro as aventuras sexuais de uma portuguesa no Brasil.
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