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José Manuel Anes: “Serei maçon até morrer”

O presidente do Observatório para a Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo confessa-se

26 de fevereiro de 2012 às 00:00

- Sobram dedos para contar as pessoas que têm permissão para entrar na sua casa. Porquê?

- É uma questão de precaução e de princípio. As pessoas sabem onde eu vivo, mas não devem saber o que tenho dentro de casa. É um método de segurança e de autoprotecção. À parte do jardineiro, da mulher-a-dias e de uma amiga muito especial, neste momento, não há mais ninguém que possa lá entrar, nem mesmo a minha família.

- É um tique de um antigo perito superior criminalista?

- Digamos que, de certa forma, também é. Mas, como já disse, não passa de uma questão de segurança.

- O que fazia no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária?

- Exames às diversas substâncias que apareciam e a vestígios de explosões. É preciso não esquecer que eu e os meus colegas apanhámos os tempos das explosões das Forças Populares 25 Abril. Quase todas as semanas, ou várias vezes por semana, havia, pelo menos, uma bomba que rebentava. Foi um período intenso de análises.

- O curso de explosivos em que participou em Israel, no ano de 1986, ajudou a travar as FP 25 de Abril?

- Foi devido a essa intensa actividade criminosa que o director do Laboratório de Polícia Cientifica da PJ me sugeriu que eu fosse a um congresso em Herzliya, Israel, de análises e detecção de explosivos e que estagiasse durante um mês no laboratório da Polícia Nacional de Israel, em Jerusalém. Nos anos 80 havia uma diferença entre a polícia portuguesa e a israelita; Israel, em comparação com Portugal, tinha mais meios e mais aparelhos, mas hoje em dia, muita coisa mudou e temos imensas razões para nos sentirmos orgulhosos.

- O doutor, que coordenou a Equipa de Peritos no ‘Caso Camarate’ de 1986 a 1996, suspeita qual foi a razão do processo ter sido arquivado?

- Bem, a razão em si, não sei, mas penso que houve uma atitude errada. Os exames foram avaliados pelo Laboratório de Polícia Científica da PJ e confirmados por um laboratório inglês, que, estranhamente, passados uns três meses do primeiro exame e relatório, veio dizer o contrário. Esse é um mistério, mas não me cabe desvendá-lo. Creio que a História esclarecerá um dia por que é que mudaram de posição.

- De nada pesou ter defendido a hipótese de atentado...

- Pois… Mas esta é a minha convicção sob o ponto de vista químico, porque foram detectados elementos que indiciam uma explosão que não seria um grande rebentamento, mas uma explosão localizada com o objectivo de destruição.

- Que influência teve a sua licenciatura em Química – ramo científico de Química-Física – no seu gosto pelo esoterismo?

- Muita! Ao estudar a Química interessei-me pela Alquimia, pelo imaginário alquímico, que é muitíssimo exuberante. Caminhei com um pé na ciência exacta e com outro na ciência humana. É uma vida dividida entre a ciência e a sua aplicação no mundo do crime.

- O esoterismo, por sua vez, conduziu-o à Maçonaria?

- Sim, de certa maneira. A Maçonaria tem valores muito altos, como por exemplo, a ideia do ser humano se aperfeiçoar para criar uma sociedade melhor, mais justa e mais fraterna. É um orgulho ser maçon e seguir determinados valores.

- Quem o recrutou para entrar na Maçonaria?

- O falecido professor Armando Santinho Cunha abordou-me nos anos 70, mas eu só decidi entrar em 1988. Assim, iniciei-me no Grande Oriente Lusitano [GOL] e pertenci à Loja Simpatia e União.

- O GOL nunca foi uma obediência esotérica...

- Pois, não. Por essa mesma razão, eu e outros obreiros saímos do GOL, em 1990, para fundar uma obediência maçónica de via sagrada e iniciática prosseguida pela Grande Loja Unida de Inglaterra, pelas Grandes Lojas dos Estados Unidos e do Canadá: a Grande Loja Regular de Portugal [GLRP].

- A sua Loja ‘Quinto Império’ na GLRP era conhecida por tardar nos trabalhos e há quem diga que os obreiros tentavam levitar a pedra. É verdade?

- Não! Apenas posso avançar que a Loja ‘Quinto Império’ tinha obreiros que eram muito ligados à espiritualidade. Em vez dos trabalhos de loja demorarem uma hora e meia, levavam duas a três horas. Foi por essa razão que estávamos presentes na noite em que a Casa do Sino foi assaltada.

- A GLRP, após o escândalo da Casa do Sino, sofreu uma cisão, em 1996, dando origem à GLLP/GLRP. Por que decidiu seguir o dr. Nandim de Carvalho e não o dr. Fernando Teixeira?

- Porque ele foi eleito por uma esmagadora maioria e instalado na presença de uma dezena de grão-mestres estrangeiros. Este é o meu conceito de democracia.

- Sei que há maçons que ficaram em choque com as declarações que deu, no seguimento do escândalo da ‘Loja Mozart’ da GLRP: "Jorge Silva Carvalho usou a Maçonaria para um projecto de ambição pessoal e conquista de poder."

- Na altura, sim, é verdade, os meus irmãos ficaram em choque. Mas garanto que esse sentimento de choque já desapareceu em todas as obediências. O que eu disse é o pensamento de muitos irmãos.

- Nunca antes nenhum maçon se pronunciara na praça pública sobre outro maçon...

- O dever chamou por mim. Era preciso defender a honra da instituição maçónica. O nosso juramento não é só maçónico; os maçons juram perante as leis do Estado.

- A sua frase não será uma forma de se desresponsabilizar: "Ele [Jorge Silva Carvalho] maltratou o padrinho [José Manuel Anes], dentro e fora da Maçonaria, e começou a fazer o contrário do que eu lhe dizia"? Afinal, Jorge Silva Carvalho [ex-director dos Serviços de Informação Estratégica e de Defesa que transitou para o grupo Ongoing e está a ser alvo de investigação do Ministério Público] entrou na Maçonaria pela sua mão.

- Entrou e evoluiu no sentido negativo – sem que eu pudesse acompanhar e inverter o sentido – o que infelizmente deu os resultados que se conhecem. Não me sinto, de modo nenhum, responsável, pois não me foi permitido acompanhar a sua evolução.

- Nem se sente responsável pela Maçonaria ter caído na boca do lobo?

- Não tenho responsabilidade nenhuma no que se está a passar. Nunca pertenci e nunca estive em nenhuma reunião da ‘Loja Mozart’. Houve um grupo de pessoas que tomou conta dela. Isso sim. Apenas não me agradou o caminho da loja; havia um certo secretismo dentro dela, o que na minha opinião é funesto para a Maçonaria. Mas insisto: a maior parte dos obreiros da loja é gente muito boa.

- Não julga que bons também podem ser aqueles que não foram condenados?

- Repare, há um processo dos Serviços de Informação em que ficou corroborado a utilização indevida de meios do Estado para fins pessoais e a um grupo eventualmente empresarial. Isto foi dito pelo dr. Júlio Pereira, o novo secretário-geral do Sistema de Informações. Para mim, vale muito. Mais ainda quando se usa a Maçonaria para conquistar poder. É algo que me põe nervoso.

- Repito, o seu afilhado maçónico não foi condenado...

- Independentemente de não me satisfazer nenhuma condenação, aquilo que é fundamental é ser condenado publicamente: utilização de serviços estatais para proveito próprio ou empresarial e servir-se da instituição maçónica para atingir os seus objectivos.

- Se o assunto era tão grave, por que esperou que a ‘Loja Mozart’ fosse manchete nos jornais para falar?

- Fiz avisos discretos, mas ninguém me quis ouvir ou, então, não me ouviram dentro da minha obediência.

- Não caberia ao grão-mestre da GLLP/GLR, José Francisco Moreno, falar e não um maçon isolado?

- Às vezes, os grão-mestres não têm à-vontade nem disponibilidade para tal. Em consequência, eu decidi auto-suspender-me e é claro que a minha auto--suspensão antecedeu as minhas declarações.

- O past grão-mestre Trovão do Rosário não considerou que a ‘Loja Mozart’ tivesse sinais de suspeição...

- Como resposta, posso dizer algo que é interessante: eu fui muito mal tratado pelo Trovão do Rosário. Logo eu, que, no final do meu mandato de grão-mestre, indiquei-o para ser o meu sucessor.

- Consta que Trovão do Rosário, em tempos, esteve suspenso. Porquê?

- Creio que sim. Julgo que o grão--mestre que o sucedeu [Martim Guia] terá considerado que ele e a sua loja tiveram comportamentos indevidos.

- O doutor já regressou à sua ‘Loja Teixeira de Pascoaes’ ou ainda mantém a sua auto-suspensão?

- Estou na expectativa.

- Pode ser mais explícito?

- Estou a ver qual é o caminho que as coisas tomam. Mas serei maçon até morrer.

- O seu regresso depende de quem?

- Depende de eu querer, da Grande Loja e da evolução da situação.

- Por que se encontram tantos maçons nos serviços de Segurança?

- É uma maneira de cuidar de um sector muito importante. Se eu for livre e quando sair de casa e me for apontada uma arma, de nada me vale a liberdade.

- Foram os atentados do 11 de Setembro de 2001 que lhe despertaram o interesse pelos estudos islâmicos?

- Eu já me interessava pelas correntes esotéricas sob o aspecto apenas do sufismo, mas foi, de facto, depois dos atentados do 11 de Setembro que me dediquei a estudar o fundamentalismo e o radicalismo islâmico, procurando encontrar uma ponte com os muçulmanos, designadamente com a Comunidade Islâmica portuguesa, que é muito bem dirigida, mesmo que tenha algumas franjas radicais.

- O Observatório para a Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo [OSCOT], edificado em 2004, por dois maçons – Rui Pereira e José Manuel Anes – nasceu depois do atentado terrorista de 11 de Março de 2004, em Madrid, como profilaxia para uma eventual calamidade similar. Portugal não estava preparado? E agora já está?

- Na altura, não estávamos preparados para um atentado daquela dimensão. Mas as coisas mudaram. Hoje em dia há uma excelente colaboração internacional entre as polícias. Obviamente, o OSCOT teve alguma influência, alertando para o perigo dessa realidade.

- O que tem a dizer sobre o novo Observatório da Segurança Nacional, resultando de uma cisão no OSCOT, que será criado muito em breve. "Preencher um espaço vazio" parece ser a intenção das quase 50 pessoas prontas para avançar com a associação...

- O que sei, até agora, é que o novo Observatório é apenas uma pessoa: Paulo Pereira de Almeida. Pessoa essa que nos criticou por não termos feito estudos. Fizemos. Por exemplo, o inquérito ao sentimento de insegurança, que ele tentou sabotar da maneira mais vergonhosa, tendo oferecido ao Ministério da Administração Interna por uma quantia elevada, um inquérito, cuja qualidade foi tanta ou tão pequena que nunca chegou a ser publicado por falta de qualidade.

- Há mais pessoas, o ex-ministro da Administração Interna António Figueiredo Lopes e o general Carlos Chaves. Fala-se também no engenheiro Ângelo Correia...

- O general Carlos Chaves, por exemplo, pela confiança que tem em mim, só sairá do OSCOT quando o meu mandato terminar.

- Estão lá por sua causa ou por que acreditam no Observatório para a Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo?

- Quer saber? É só por uma questão política – pela quantidade de socialistas que estão no OSCOT – que algumas pessoas querem sair.

- Qual é a sua orientação política?

- Fui militante do Partido Socialista, mas, por razões deontológicas, deixei de o ser. Hoje em dia, talvez me situe na social- -democracia.

A TRAJECTÓRIA DE UM MAÇON ASSUMIDO

Não, não dá licença. As regras ‘sui generis’ de segurança não deixam. Apesar de a morada ser pública, a entrada na vivenda do antigo perito superior criminalista é privadíssima. Há tiques profissionais que não o largam. Não esquecer que José Manuel Morais Anes, entre 1978 e 1997, trabalhou no Laboratório Científico da Polícia Judiciária.

Duas comissões de Inquérito colocaram-no no fulcro da investigação sobre o ‘Caso Camarate’. Preside, desde 2010, o Observatório para a Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, tendo sido co-fundador, em 2005.

É o director da revista ‘Segurança e Defesa’. Sobra uma esplanada na Costa da Caparica, esse miniparaíso que asilou o past grão-mestre da obediência maçónica GLP/ GLRP, após o divórcio da única mulher a quem disse o sim. O esotérico nasceu no solstício de Verão de 1944, na freguesia de Arroios, Lisboa. Licenciado em Química, em 1975, José Manuel Anes quis ir além da ciência exacta.

O culminar da caminhada espiritual chegou aos 64 anos com o doutoramento em Antropologia Social e Cultural, na área de Antropologia da Religião e dos Novos Movimentos Religiosos, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL.

Em Janeiro, a química fez faísca ao ter sido o primeiro maçon a puxar as orelhas a outro irmão: o ex-espião Jorge Silva Carvalho. Na véspera das palavras agudas que dissera, auto-suspendeu a sua condição de pedreiro-livre, ciente de que a linguagem da Maçonaria o converteria em obreiro adormecido.

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