Com origem portuguesa, Mike Lousada deixou a City de Londres para ser terapeuta sexual e escrever livros sobre sexo.
Naomi Wolf foi a jornalista e escritora feminista norte-americana que para escrever ‘Vagina, uma nova biografia’ - livro publicado com estrondo em 2012 e editado dois anos depois em Portugal pela Nova Delphi - participou num workshop de um fim de semana, num hotel em Manhattan, dirigido por Caroline Muir, que incluía "massagem no local sagrado" e foi a Chalk Farm, no norte de Londres, ao consultório de Mike Lousada, "o ex-banqueiro de investimentos mais bonito do Mundo que se tornou curandeiro sexual", segundo disse na altura a escritora ao jornal inglês ‘The Guardian’. Ainda segundo Naomi Wolf, a anafada Muir cobrava numa sessão, que incluía interação com o "local sagrado", quase 300 euros por hora, já Lousada - de origem sefardita - pedia menos de cem.
Há 25 anos no ‘ofício’, o psicoterapeuta sexual Mike Lousada tem vários livros publicados, nomeadamente em Portugal; o último dos quais assinado em conjunto com a sua mulher, Louise Mazanti, que, depois de uma carreira como professora, resolveu aos 35 anos mudar de vida e fazer formação em psicoterapia transpessoal, filosofia esotérica e psicologia energética.
Marido e mulher abriram em 2016 a primeira clínica britânica dedicada ao bem-estar sexual e assinaram em conjunto ‘Sexo Real’, editado em Portugal pela Nascente, bem como ainda responderam a meias, por email, às perguntas da ‘Domingo’.
Em ‘Sexo Real’ escrevem que costumam receber as respostas mais variadas dos vossos pacientes sobre o que é realmente o sexo. Na vossa opinião, o que
é, afinal?
É sentir o próprio corpo. O sexo tem que ver com o corpo, não com a mente. O sexo acontece realmente quando escutamos o nosso próprio corpo. Hoje em dia, na era da internet, temos expectativas em relação ao assunto que, muitas vezes, nem sequer são as nossas e não correspondem ao que realmente queremos.
O sexo é como o Instagram, onde grande parte das imagens pretendem apenas tornar alguém mais interessante aos olhos de quem vê?
As redes sociais são horríveis quer para as relações, quer para a sexualidade. Criam uma enorme pressão social que condiciona a aparência individual e os próprios atos. As redes sociais afastam a pessoa de si própria, arrastando-a para um ‘loop’ aditivo, que tem por base a descarga de dopamina de cada vez que se obtém um like ou uma partilha. Fazem com que se esteja focado nos outros e não nas próprias experiências.
O que pensam, por exemplo, de aplicações como o Tinder? O sexo rápido e sem compromisso é sobrevalorizado?
Nas relações de um só noite mostramos sempre o nosso melhor lado. Queremos impressionar, mesmo que saibamos que nunca mais vamos ver aquela pessoa. Este tipo de encontros, através da internet, são tão bons como maus. Se por um lado facilitam a ocorrência de relações, por outro com a mesma facilidade a tendência é para cortar com a outra pessoa à primeira dificuldade ou desafio emocional. Mais opções representam menos necessidade de compromisso e de descobrirmos o outro e quem realmente somos.
A pornografia não é propriamente um fenómeno novo, por isso porque é que a consideram tão importante na sociedade contemporânea?
É verdade que a pornografia não é um fenómeno novo, mas tem agora um papel diferente precisamente por estar disponível para todos como nunca esteve, nomeadamente para os mais novos, através da internet. As gerações mais novas estão a aprender boa parte do que sabem sobre sexo através da pornografia. As primeiras imagens da sexualidade humana a que têm acesso são de pornografia e por isso acabam por acreditar que os mitos por ela difundidos correspondem à realidade. Estamos a criar gerações que têm uma visão distorcida do corpo e do sexo.
Quais são os mitos criados pela pornografia?
A pornografia transmite mensagens como ‘maior é melhor’ e que todos devemos estar sempre preparados para todo o tipo de sexo, em qualquer altura. Isto é irrealista e cria uma pressão enorme sobre as pessoas, que acabam por se sentir compelidas a fazer coisas que realmente não querem. A pornografia diz que os homens devem estar sempre excitados e capazes de aguentar durante muito tempo a ereção. A pornografia diz que as mulheres querem constantemente sexo e que estão sempre prontas, mesmo que se trate de sexo violento ou de práticas humilhantes. A pornografia é um espetáculo e, enquanto tal, está apenas interessada em reproduzir as práticas visualmente mais apelativas, esquecendo todas as outras, os movimentos que não têm tanto efeito perante uma câmara. A pornografia também omite qualquer tipo de empatia ou ligação emocional entre parceiros, facto que acaba percecionado inconscientemente por quem a vê como ‘normal’.
O que mudou no campo da sexualidade desde o relatório Kinsey [Albert Kinsey, 1894-1947, sexólogo americano cujos controversos estudos na universidade de Indiana, nas décadas de 1940 e 1950, foram fundamentais para a compreensão da sexualidade masculina e feminina]?
Estranhamente, não mudou muito. Diria que a mudança fundamental está relacionada com o facto de a sociedade hoje em dia ser mais permissiva com certos comportamentos que na altura de Kinsey eram censurados e tidos no anonimato, nomeadamente no que se refere às comunidades LGBT. As terapias continuam, no entanto, ainda hoje, ancoradas no modelo médico convencional, que assume que o sexo é uma função e que se conseguirmos que os processos que conduzem à função funcionem, o sexo será bom. Ou seja, se se ficar excitado, com uma ereção, se se tiver um orgasmo, o sexo é bom. Ora a atividade sexual é bem mais complicada do que isso porque é também uma experiência emocional. O nosso trabalho clínico foca-se mais no significado que as pessoas dão à atividade sexual, na experiência emocional do sexo. Para nós, os problemas sexuais dos adultos têm geralmente origem na eterna busca pela infância - se se resolver isso, resolve-se o problema sexual - e na desregulação do sistema nervoso, ou seja, na ansiedade.
Qual é o papel da família que se teve na forma como depois em adulto se lida com o sexo?
A terapeuta sexual Esther Perel disse: "Mostrem-me como foram amados na infância para perceber como fazem amor depois de adultos." Isto é tão verdade! Achamos que uma criança insegura tende a ser um adulto inseguro em termos sexuais, que geralmente trabalha muito para satisfazer o outro, mas que se esquece do seu próprio prazer.
O que é que Naomi Wolf encontrou na clínica de Mike Lousada?
O trabalho do Mike [Lousada] mudou muito desde que Naomi Wolf escreveu a respeito dele. Na sessão na clínica, o trabalho dele costumava incluir a ajuda a mulheres que pretendiam atingir o orgasmo. Agora o trabalho dele é muito mais subtil e não invasivo. Ele já não oferece contacto genital: ajuda a paciente, totalmente vestida, a conseguir entrar em contacto com o seu eu. Ao encontrar traumas e emoções suprimidas, a pessoa consegue perceber quem realmente é. É como entrar em casa de si próprio.
O que é que acontece mesmo nas sessões? Agora estão a trabalhar juntos?
Tivemos uma clínica de sexologia, num hospital privado, durante um ano, onde recebíamos pacientes que tinham problemas sexuais muitas vezes motivados por questões médicas; por exemplo, se se fez uma operação à anca, que até correu muito bem, pode ainda assim não conseguir manter relações sexuais por causa de sentimentos de vergonha que surgem por se ter estado tantos anos sem poder ter relações sexuais. Infelizmente, a clínica teve de fechar e agora estamos demasiado envolvidos noutros projetos, como por exemplo sessões públicas, e este livro.
O Mike Lousada trabalhou na City de Londres. Por que é que se tornou num terapeuta sexual?
Deixei o trabalho num banco de investimento quando iniciei uma caminhada espiritual. Percebi que a vida que vivia não tinha sentido nem era autêntica e comecei a estudar Psicoterapia e Tantra. E é claro que, como qualquer um que se dispõe a curar o outro acaba por descobrir os seus próprios problemas, deparei-me também com as minhas barreiras em torno da sexualidade. Eu cresci numa família em que o sexo era entendido como um pecado se não acontecesse dentro do casamento, o que me trouxe muitos complexos em relação à minha própria sexualidade.
Era um homem muito diferente daqueles que trabalhavam consigo na City de Londres?
Agora sou um homem muito diferente. Antigamente estava, tal como os outros, focado em coisas materiais, o dinheiro, o estatuto social, o carro certo, a roupa de marca... Na verdade, o medo dominava a minha existência. Se não fosse o melhor naquilo que fazia sentia-me envergonhado por não ter feito o suficiente. Agora, aos 52 anos, sou mais feliz do que nunca.
Lousada é um nome português. Sabe que tem antepassados judeus sefarditas portugueses?...
Nem eu nem a minha família sabíamos desse facto até que um dia, no final da minha adolescência, um parente desconhecido, que estava a fazer a sua árvore genealógica, entrou em contacto connosco e contou-nos sobre as nossas raízes. A minha família saiu de Portugal no final do século XV para Amesterdão e é uma das primeiras famílias judaicas a chegar a Londres depois de o rei Carlos II ter decretado que os judeus eram bem-vindos em Inglaterra, logo após a Restauração da monarquia, em 1660. Interessante é que agora, na loucura do Brexit, foi sugerido que a ascendência sefardita pode dar direito a passaporte português.
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