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Mulheres no Parlamento

Há mudanças que, de tão lentas, quase que não damos por elas; outras há, que apenas impostas, senão nunca existiriam, de tão lentas que seriam. Menos de cem mulheres é diferente de sem mulheres. O parlamento português senta 165 homens, 65 mulheres. Um hemiciclo mal polvilhado de géneros. “Discriminado” – diz-se.

06 de janeiro de 2008 às 00:00

O nó daquela seda faz as listas castanhas-claras convergirem. O fundo é de tom escuro da mesma cor. Brilha a gravata no branco do colarinho. Paulo Portas, vestido imaculadamente clássico, casaco castanho a burilar ares de verde, e calça escura; porque diria o líder da bancada do PP que a nossa entrevista fosse social?

Portas estava de passagem. Com um beijo no rosto de Marta Rebelo (do PS) seguiu caminho, subliminar, pelo átrio dos Passos Perdidos, na Assembleia da República. É o olhar das mulheres no hemiciclo que faz os flashes apontarem, neste final de tarde, para a mais jovem deputada – 29 anos.

“Igualdade é o valor que procuro ter presente em todas as minhas decisões.” Mas sem feminismo. Porque “todas as questões inerentes à desigualdade de géneros radicam no mesmo ponto: a nossa educação e herança cultural.”

Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo Gonçalves, nascida a 13 de Fevereiro de 1978, mede cada palavra. Não gosta de falar de beleza, da vida pessoal, dos amores. Pouco lhe escapa. “Visto-me sempre assim para trabalhar e, ao fim-de-semana, de forma mais casual.”

Pouco tinha sido vista antes, quando nas legislativas de 2005 apareceu em comícios ao lado de José Sócrates. Chamaram-na até de ‘socranete’. Foi a entrada na (movida) política da neta de um dos fundadores do PS no Alentejo.

“Confesso que quando fui militante da Juventude Socialista [aos 16 anos] e mesmo aos 18, quando me inscrevi no PS, não tinha a consciência desta questão da desigualdade de géneros. Hoje, apercebo-me das desigualdades que as mulheres (em geral) encontram para participarem, para serem activas, para desempenharem funções.”

A deputada é estreante no hemiciclo. Entrou em substituição de Vera Jardim. “Não tive, de modo algum, uma sensação imediata de pertença.” Para Marta Rebelo, que integrou o gabinete do secretário de Estado da Administração Local, Eduardo Cabrita, – onde pôs a correr a Lei das Finanças Locais, – “é sempre entusiasmante exercer funções num gabinete governamental”.

ANA DRAGO

Frontalidade é adjectivo que não se lhe pode poupar. “Nós estamos ali [no hemiciclo] para atacarmos outros e sermos necessariamente atacados.” É a postura de Ana Drago. A postura Bloco de Esquerda (BE) – o partido que escusa discutir se é ideologicamente comunista, socialista, trotskista.

“Não sei se é politicamente correcto dizê-lo, mas acho que continua a haver um mecanismo de discriminação e, em termos de paridade, ainda temos problemas na Assembleia da República – acusa. Há muitas mulheres na bancada do PS que quase nunca falam. E ser deputado sem se fazer uso dessa representação, acho que perverte a ideia da participação das mulheres. Faz-me impressão haver muitas deputadas a quem nunca ouvi a voz no plenário.”

O discurso delas seria sempre diferente. “Porque experienciaram um conjunto de tarefas que toda a gente lhes disse que eram suas: cuidar da família, a solidariedade intergeracional...” Mas exige--se, acima de tudo, pragmatismo: “as mulheres têm a mesma capacidade de fazerem disparates e dizerem coisas acertadas, tal como os homens.”

Pior, “há um aproveitamento da imagem das mulheres. São coisas incrustadas na forma como a sociedade se organiza. A avaliação se ela está bem vestida, ou mal, se é bonita, ou feia, antes de se ouvir o seu discurso. Se fosse um homem ninguém o iria julgar pelo fato que traz, por ser bonito ou feio. É irrelevante para o seu comportamento político. Existe esse preconceito.”

“–– Tem essa preocupação?”

“Não direi que não tenho o cuidado de usar um determinado tipo de roupa. Não venho de calção e top. Cria um debate sobre coisas que não quero.”

Ana Isabel Drago Lobato é solteira, nasceu a 28 de Agosto de 1975, filha de um jornalista (já reformado) e de uma médica. Não é dada a “crenças maiores que a vida”. Gosta de Gandhi, Martin Luther King e Amílcar Cabral – de pessoas que foram capazes de liderar movimentos de libertação, emancipação.

Viveu em Lisboa (excepto dois anos, só com a mãe, em Macau), até ir estudar para Coimbra – dois anos de Psicologia e mudou para Sociologia. É lá que se inicia a sua politização e se esbate a pouca crença nos partidos. Em meados dos anos 90, logo após a apoteose do movimento anti-propinas, torna-se jornalista da Rádio Universidade de Coimbra e do jornal académico. Em 1999 surge o BE: “entendi que devia arriscar, que a sociedade onde vivo precisava de um tipo de activismo que não existia.”

REGINA RAMOS BASTOS

Regina Ramos Bastos, do PSD, estranhou o Parlamento. “As duas primeiras semanas foram complicadas, sentia--me desaproveitada e inútil.” A deputada foi eleita pelo círculo de Aveiro, em 2005. “Estou convencida que o dr. Marques Mendes teve um papel decisivo para a minha introdução na lista.” São amigos pessoais; amigos de casa. “Eu vinha de uma actividade executiva parlamentar frenética [Parlamento Europeu], para uma actividade que, nas primeiras três semanas, era mole, lenta. O que não condiz com o meu perfil.”

Enérgica, determinada... “Não sei se romântica, sobretudo, pragmática.” Apaixonou-se pela política e fez o percurso inverso da maior parte dos políticos. Em 1999 foi eleita deputada para o Parlamento Europeu. Quando regressa, Santana Lopes liga-lhe para integrar o seu Governo, como secretária de Estado da Saúde.

Nunca foi fácil viver longe da família, primeiro em Bruxelas, agora na capital do nosso País. “Há sempre um défice de atenção quando uma mãe ou um pai têm vidas profissionais muito absorventes. Mesmo que seja preocupante passar bom tempo com os filhos, é certo que não há quantidade.”

Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos, a “filha do dr. Lauro Ramos”, primeiro médico de Veiros – com direito a nome numa rua da freguesia, de onde toda a família é natural, – nasceu a 4 de Novembro de 1960, a mais nova de oito irmãos. Bem disposta, só muda de voz, num timbre emocionado, ao recordar o divórcio. Foi há um ano. Foram 28 anos de união, três filhos.

Vicissitudes à parte, na habitual boa disposição, admite que “seria modesta ou irrealista se não dissesse que o aspecto físico tem importância na passagem de uma mensagem. Acho que também a têm a atitude e a credibilidade.” E, nesse contexto, faz parte da educação disciplinadora usar uma roupa adequada a cada ocasião. “Nunca me atrevi a ir de calças de ganga para o tribunal. Tenho uma farda para o trabalho. Mas tenho necessidade de a tirar ao fim-de-semana. Visto calças de ganga e sapatos rasos.”

TERESA CAEIRO

Teresa Caeiro, do PP, também adora usar jeans. Mas agora só o faz ao fim-de--semana. Desde que foi governadora Civil de Lisboa pouca gente a viu vestida casualmente.

“Toda a nossa estrutura laboral e, sobretudo, a política, estão organizadas de uma forma muito masculina – afirma Teresa Caeiro. – Mas num sentido pejorativo porque implica que a parte masculina da sociedade não tem que se ocupar da casa.” Reuniões até tarde, campanhas políticas em todo o País e a durar dias, trabalho fora de horas, ocupações que trocaram as voltas às prioridades biológicas de Teresa: mãe solteira, passou a organizar as horas em função dos momentos com o filho. Não perde o banho, jantar e deitar do Pedro.

“Até eu ter o meu filho, portanto, até aos 37 anos, não tinha qualquer tipo de problema. Chegava a casa quando chegava, tinha meio pão seco e dava. Não tinha constrangimentos. Eu vejo as mulheres deputadas aqui [no Parlamento], não estão aí a conversar nos corredores com os colegas. Não, porque cada minuto que têm é para ir à lavandaria, supermercado, ir buscar as crianças, ou levar as crianças ao médico.”

Preocupações que minimiza ajudada por uma ama que toma conta do Pedro (de 19 meses). “Embora eu não tenha uma família nuclear típica, devo dizer que sou uma privilegiada.”

Tratam-na carinhosamente por ‘Tegui’ – até no Parlamento. Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro, filha e neta de almirantes, e sobrinha de Mário Cesariny, nasceu no Dia dos Namorados, em 1969. Só olha para o passado para apontar ironias: “Ainda somos depositárias da heranças das nossas avós – há esse pressuposto –, mas concorremos de igual para igual em termos profissionais com os Homens.”

MARTA REBELO

Deputada do PS, 29 anos, solteira. Estagiou com Sousa Franco. É mestre em Finanças Públicas.

TERESA CAEIRO

É do PP, 38 anos, mãe solteira. Estagiou no escritório que defendia o ‘Independente’, com Portas director.

REGINA BASTOS

É do PSD, 47 anos, divorciada e mãe de três filhos. Amiga pessoal da família Marques Mendes.

ANA DRAGO

É do BE, 32 anos, solteira. Está no Parlamento em 2002. Gosta de passear no Bairro Alto, em Lisboa, com os amigos, à noite, pelos bares .

O parlamento português senta 165 homens, 65 mulheres. O PS (do Governo) tem 69 homens, 52 mulheres. Longe, a oposição integra uma proporção de 68 para 7 - ganham em número de homens. No PP, dos 12 eleitos, Teresa Caeiro está isolada. O BE divide-se em cinco homens e três mulheres. Só o partido ‘Os Verdes’ senta um ‘casal’.

Com mais polémica à mistura, no PCP já não há mulheres. A expulsão de Luísa Mesquita (agora como deputada não inscrita) fez os comunistas perderem um lugar e a única deputada após a retirada da histórica Odete Santos. Já não há mulheres, há 11 homens.

DEPUTADAS EM PRIVADO

Marta Rebelo (PS) é benfiquista ferrenha, lê a imprensa desportiva e o ‘Jornal do Benfica’. Tem Alexandre O’Neill e Oscar Wilde na prateleira dos autores preferidos. Ana Drago (BE) anda a ler ‘Orlando’, de Virginia Wolf. Depois de várias tentativas de ler ‘As Ondas’, adorou e comprou logo três livros de Wolf. Teresa Caeiro (PP) é mãe – solteira – de um menino de 19 meses. Está a ler o ‘Snow’ (‘Neve’) de Orhan Pamuk, e o ‘Stalingrad’ (‘Estalinegrado’) de Antony Beevor. Fez ballet e aprendeu pintura, solfejo e um pouco de piano. Regina Bastos (PSD) está apaixonada por jardinagem. Agora lê “o livro mais polémico da época”, ‘O Rio das Flores’, de Miguel Sousa Tavares.

Em Agosto de 2006, o Presidente da República, Cavaco Silva, promulgou a Lei da Paridade, que obriga à inclusão de um terço de mulheres elegíveis nas listas de candidatos eleitorais. Na prática, a lei proposta pelo PS impõe uma “representação mínima de 33,3% de cada sexo nas listas” candidatas às eleições legislativas, autárquicas e europeias. Caso contrário, e dependendo dos casos, os partidos perdem dinheiro – o Estado retira até 50% das subvenções para a campanha.

SEIS PERGUNTAS À QUEIMA-ROUPA RESPONDIDAS NA PRIMEIRA PESSOA E NO FEMININO

1. O que deveria mudar para as mulheres poderem conciliar a vida familiar com a profissional?

MARTA REBELO (PS)

As mentalidades masculinas, sobretudo, mas também as femininas. Há muito a mudar na divisão de tarefas.

REGINA BASTOS (PSD)

Tinha que haver uma resposta ao nível de creches, de horários, de funcionamento da vida em geral.

TERESA CAEIRO (CDS-PP)

Maior flexibilização na organização do trabalho.

ANA DRAGO (BE)

É nos meandros das reservas que as pessoas têm dentro da sua cabeça que é preciso mudar.

2. Parece-lhe produtiva a discussão a favor das quotas em círculos restritos para as mulheres?

MARTA REBELO (PS)

Produtiva é no sentido em que, de facto, quando existem quotas há maior participação feminina.

REGINA BASTOS (PSD)

Não.

TERESA CAEIRO (CDS-PP)

É bom para sensibilizar as pessoas, mas a questão é tão-mais cultural.

ANA DRAGO (BE)

Acho que é muitíssimo produtiva porque é aquela que coloca o dedo na ferida.

3. De que serviu a descriminalização da Interrupção Voluntária da Gravidez?

MARTA REBELO (PS)

Para que a liberdade dos casais seja exercida de forma responsável, monitorizada pela sociedade.

REGINA BASTOS (PSD)

Para não incentivar a natalidade.

TERESA CAEIRO (CDS-PP)

Só posso falar em nome individual: ainda há um longo trabalho a fazer no planeamento familiar.

ANA DRAGO (BE)

Nunca mais uma mulher vai ser levada a tribunal e vais ser julgada por uma escolha difícil que fez.

4. O que fazer com 64 700 portugueses com formação académica superior no desemprego?

MARTA REBELO (PS)

Deve-se a uma má estrutura do tecido económico que tem de ser orientado para absorver pessoas qualificadas.

REGINA BASTOS (PSD)

Um dos maiores dramas da actualidade é os jovens recém-licenciados não terem hipóteses de emprego.

TERESA CAEIRO (CDS-PP)

Primeiro temos que fazer um esforço de adequar o out-put de cursos à procura.

ANA DRAGO (BE)

Utilizá-los para a modernização do tecido económico português.

5. Em que sector se deveria apostar para o desenvolvimento económico nacional?

MARTA REBELO (PS)

Devemos apostar em primeira mão na Educação e, provavelmente, associada ao sector tecnológico.

REGINA BASTOS (PSD)

As pequenas e médias empresas são o sector da economia que mais postos de trabalho consegue criar.

TERESA CAEIRO (CDS-PP)

O sector da excelência; as pessoas serem verdadeiramente boas e rigorosas naquilo que fazem.

ANA DRAGO (BE)

Novas formas tecnológicas de produção. E apostar naquilo que são novas alternativas ambientais.

6. O que se faz no Parlamento?

MARTA REBELO (PS)

Fazem-se leis; e discute-se um conjunto de questões vitais para o País.

REGINA BASTOS (PSD)

Muitas vezes faz-se comício, sobretudo nos debates com o primeiro-ministro.

TERESA CAEIRO (CDS-PP)

Há razões para os deputados não estarem no plenário: a preparar intervenções; fazer relatórios (...).

ANA DRAGO (BE)

Representa-se escolhas políticas que os cidadãos, nas eleições, escolheram.

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