Enfermeiras punham auscultadores na barriga de Catarina Sequeira, em morte cerebral, para Salvador não estar sozinho.
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Dizem de Salvador que tem os olhos da mãe e o nariz do pai. Já é alimentado através de uma sonda e respira de forma autónoma, ele que nasceu de uma cesariana que durou quinze minutos, 56 dias depois de ser declarada a morte cerebral da mulher que tanto sonhou ser mãe dele mas que nunca poderá pegar-lhe ao colo.
A unidade de Cuidados Intensivos do Hospital de São João, no Porto, está habituada a dar assistência diária a doentes graves – e a confrontar-se com a perda – mas nunca tinha assistido à morte e à vida deitadas na mesma cama.
"A frase que espelha bem o que a equipa sentia era ‘este bebé está sozinho’ e as enfermeiras não queriam nada que o bebé se sentisse sozinho. Porque uma mãe viva anda, fala e o bebé ‘in utero’ apercebe-se de todos estes ruídos e movimentos; ali tínhamos um corpo morto, sem nenhum estímulo", começou por dizer Teresa Honrado, diretora do serviço de Medicina Intensiva.
"Não querendo substituir a mãe, as enfermeiras falavam muito com a doente durante os cuidados de higiene e durante todo o dia a Catarina tinha sempre uma enfermeira ao lado dela, a acariciar a barriga e a pôr música na barriga com os auscultadores – as canções preferidas da mãe e músicas tranquilizadoras do género das ondas do mar –, de forma a que este bebé fosse sendo estimulado e não se sentisse sozinho. A televisão também estava sempre ligada", conta.
"O pai também estava todos os dias presente, a acariciar a barriga e a falar para o bebé. Até queria saber quando é que lhe podia comprar roupinha, mas para já dissemos que a roupa de um prematuro é tão pequenina que nós temos aqui no hospital", acrescenta Hercília Guimarães, do serviço de Neonatologia.
"Neste caso, o grande desafio era manter as condições do corpo materno, porque uma doente em morte cerebral está sempre sujeita a complicações próprias desse estado. Tínhamos de assegurar a ventilação da mãe, a circulação da mãe, as tensões, a oxigenação do bebé e corrigir as alterações metabólicas, nomeadamente dos iões e do sódio", acrescenta a diretora dos Cuidados Intensivos, que todos os dias controlava os valores "através de uma monitorização invasiva.
"Não se tratava de medir as tensões de cinco em cinco minutos, mas de ter uma onda de cada batimento cardíaco, ter todos os valores de oxigenação minuto a minuto. E sempre que detetávamos alterações endócrinas substituíamos essas carências com fármacos, para que nada faltasse ao bebé".
A equipa multidisciplinar reunia todas as semanas para avaliar Salvador e "a dada altura estava também presente a psicóloga que acompanhou o pai do bebé e que o fez visitar a unidade de Neonatologia para ele se confrontar com a realidade que ia enfrentar", partilha ainda Teresa Honrado sobre o acompanhamento dado a Bruno Sapolo, o namorado de Catarina Sequeira, a canoísta de 27 anos que entrou em coma depois de um ataque agudo de asma, no dia 20 de dezembro passado.
Seis dias depois, às 18 semanas de gestação, foi declarada a morte cerebral da jovem e no dia 1 de fevereiro esta foi transferida do Hospital de Vila Nova de Gaia para o Hospital de São João.
"Quando chegou fizemos ecografias, ouvimo-lo todos os dias e, a partir das 28 semanas, passámos a fazer exames também ao coração do bebé, à frequência cardíaca, ver diariamente se Catarina tinha contrações… o bebé fez inclusivamente uma ressonância magnética para avaliarmos a parte imagiológica cerebral e nunca nos deu sinal de que alguma coisa estivesse a correr mal", conta Marina Moucho, do serviço de Obstetrícia do hospital.
"Nas primeiras vezes estávamos constrangidos com a ideia de fazer exames a alguém que não nos ouvia, mas depois o pai ia sempre no fim da ecografia falar connosco, o que ajudava. A partir de certa altura, todos nós falávamos com a mãe como se ela nos estivesse a ouvir, tanto que eu, no último exame que lhe fiz, disse-lhe: ‘Vá lá Catarina, ajuda-nos lá’", confidencia a obstetra.
"Agora a nossa dúvida principal prende-se com o episódio que a mãe sofreu, porque esteve sem oxigénio alguns minutos durante as manobras de reanimação e não conseguimos ainda avaliar se isso afetou ou não o Salvador, apesar de haver da parte do bebé uns neurónios muito plásticos e por isso muitas situações acabarem por nos surpreender no bom sentido", explica a médica Hercília Guimarães, do serviço de Neonatologia onde Salvador ficará durante um mês, a ganhar peso e mais defesas para enfrentar um mundo onde a mãe que lhe deu a vida não o poderá ver crescer.
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