‘Animal’, de Casey Sherman, é a história de um mafioso lusodescendente. Vai ser agora adaptada ao cinema pela dupla de argumentistas de Spike Lee
O mais sádico assassino da Máfia de Boston da década de 1960 era filho do lisboeta José Barbosa, que emigrou no início de 1920 para os Estados Unidos da América, em New Bedford, e da costureira de uma fábrica de têxteis Palmeda Camila Barbosa, a quem o marido frequentemente espancava. O filho, Joe Barboza, herdou alguma coisa do pai; o caráter violento e a força bruta nos braços demasiado compridos que impulsionavam punhos tão perigosos como pistolas, espingardas, facas ou picadores de gelo, que também usava quando era preciso.
Mas o mito começou num bar depois de um copo de Crown Royal e de uma altercação por causa de uma bagatela, seguida da admoestação de Henry Tameleo, o todo-poderoso subchefe da Cosa Nostra que Barboza ainda haveria de enviar, com mais três, para a prisão, para morrer em 1985, aos 78 anos de idade.
"- Quero que nunca mais esbofeteies aquele homem!", disse, na altura, Tamaleo a Barboza, que abriu a boca mas para arrancar à dentada parte da bochecha do desgraçado que tinha acabado de esbofetear, cuspindo-a depois para cima do balcão do bar. "-Veja, Henry, eu não usei as mãos!"
O jornalista Casey Sherman vive atualmente em Boston; tem trabalhos publicados na ‘Esquire’, ‘Time’, Fox News, ‘The Washington Post’ e ‘Boston Magazine’ e é autor de vários livros, nomeadamente aquele sobre o assassinato da sua tia, Mary Sullivan, morte imputada ao Estrangulador de Boston - Albert DeSalvo condenado em 1967 a prisão perpétua pelo assassinato de quatro mulheres, embora tenha confessado, durante o julgamento, a execução de treze. Casey nunca acreditou na investigação policial e acabou por fazer a sua própria, para escrever ‘A Rose for Mary: The Hunt for the Real Boston Strangler’, o primeiro de muitos livros do género. "Durante a minha investigação sobre o caso, descobri que houve várias mulheres mortas, cujos assassínios não podiam ser imputados ao estrangulador e que por isso nunca poderia haver só um ‘serial killer’. Percebi também que a polícia sabia da existência de diversos ‘copycat’ e, para mim, essa certeza foi ainda mais assustadora", conta-nos Casey. Mas esta é outra história.
Casey Sherman cresceu em Cape Cod, no estado de Massachusetts, e por isso, a ouvir a história do brutamontes com sangue português, homem de mão da família de L. S. Patriarca - o chefe incontestado da Cosa Nostra em Nova Inglaterra, durante três décadas - que ganhou alcunha de ‘O Animal’ depois de ter arrancado à dentada um bocado da bochecha de um mafioso, conforme conta no livro que escreveu, e agora publicado em Portugal pela Desassossego.
Tom Hardy ou Óscar Isaac
A vida de Barboza, bem como o papel nela desempenhado por figurões da Cosa Nostra, políticos e figuras míticas como o senador Robert Kennedy ou o chefe do FBI J. Edgar Hoover, foi contada por Sherman Casey em ‘Animal, a história verídica do português que se tornou no assassino mais temido da Máfia’, que à semelhança do que aconteceu com o livro que inspirou ‘O Irlandês’ - filme de Scorsese que conta a história de Frank ‘The Irishman’ Sheeran, um sindicalista com ligações ao crime organizado que confessou ter assassinado o sindicalista Jimmy Hoffa - vai ser adaptada ao cinema depois dos direitos terem sido comprados pela Fox.
"O argumento está a ser escrito por Charlie Wachtel e David Rabinowitz, dois dos autores da adaptação de ‘BlackKklansman’ [filme de Spike Lee, e trabalho pelo qual ganharam um Óscar]", conta Casey, que confessa ter preferências sobre os atores que deveriam interpretar a figura do lusodescendente: Tom Hardy (protagonista da saga ‘Venom’ e ator do elenco de ‘The Revenant: O Renascido’, de Alejandro G. Iñárritu) ou Oscar Isaac (protagonista de ‘A Propósito de Llewyn Davis’, dos irmãos Cohen, que esteve também em ‘Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso’, de George Clooney).
"Sinceramente, depois de investigar a história de Joe Barboza e de ter acesso a documentos sobre o submundo de então, a minha visão sobre a Máfia manteve-se inalterada, já o mesmo não posso dizer acerca do FBI. A agência governamental encetou uma guerra ilegal contra a Cosa Nostra e tornou-se tão perigosa como os gangsters que combatia", diz Casey.
Durante um ano, o escritor leu centenas de documentos da agência governamental e entrevistou dezenas de pessoas que acompanharam ou escreveram sobre o processo e, sobretudo, sobre os recursos judiciais que depois originou; entrevistou, nomeadamente, o irmão de Joe que ainda hoje vive entre os seus - "é um orgulhoso membro da comunidade emigrante portuguesa nos Estados Unidos" - e que terá sido importante na caracterização dos primeiros anos de vida de Joe: as sovas do pai, a tenebrosa passagem pelo reformatório, os ringues de boxe, o fascínio pela vida fácil dos gangsters, os primeiros roubos, as primeiras passagens pela prisão, bem como na caracterização da comunidade iletrada e subnutrida com problemas de abuso de álcool, em que vivia.
57 mortos em três anos
"Quando Barboza testemunhou contra duas figuras da máfia de Boston, o FBI sabia que o testemunho dele era falso, mas não se importaram com isso. Barboza foi sem dúvida um dos mais eficazes assassinos da história americana, mas o surpreendente é que foi sucessivamente usado, primeiro como máquina da morte pela Máfia e depois pelo próprio FBI, que rapidamente o descartou e talvez o tenha marcado para morrer às mãos dos mafiosos", conta o escritor.
Para Casey Sherman, a história negra do crime na América é a história das várias vagas de emigração para o país: "Nos primeiros anos do século passado, com a chegada dos emigrantes italianos, irlandeses e judeus foram criadas as estruturas do crime organizado nos Estados Unidos da América. Quando essas comunidades se integraram no país e delas emergiram homens de negócios legítimos, médicos e advogados, foram substituídas por outras vagas de emigrantes vindas da Rússia, China, México e agora, pelo fenómeno mais recente, o dos gangs guatemaltecos", conta Casey, que frisa que hoje em dia, o crime organizado, a Máfia, é bem menos violenta do que naqueles anos em que as principais famílias mafiosas dominavam os negócios escuros à lei da bala, depois transformadas em iconografia americana, inspiração de escritores e da máquina de fazer cinema que é Hollywood. "‘O Animal’ era o principal assassino a soldo da Máfia durante a década de 60, em menos de três anos terá assassinado 57 homens. Esses banhos de sangue já não existem hoje em dia."
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