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O homem que matou o sniper

Eddie Ray Routh foi condenado a pena perpétua pelo homicídio de Chris Kyle, herói do filme de Eastwood.

03 de março de 2015 às 14:34

Ninguém pagou a Eddie Ray Routh para matar Chris Kyle, o atirador furtivo cuja cabeça chegou a valer uma recompensa de dezenas de milhares de dólares, oferecida em tempos pelos adversários dos EUA no Iraque. 

Os jurados reunidos no tribunal da cidade texana de Stephenville, dois homens e dez mulheres, não tiveram a menor dúvida em considerar Eddie Ray Routh culpado do homicídio em primeiro grau dos dois homens que tinham aceite passar algumas horas consigo, como já tinham feito com outros que não voltaram bem do Iraque e do Afeganistão. E o juiz leu a sentença na noite de terça-feira, apenas dois dias depois de ‘Sniper Americano’, o filme realizado por Clint Eastwood e protagonizado por Bradley Cooper, ser um dos maiores derrotados da cerimónia dos Óscares. Apesar de ter dominado as bilheteiras no início de 2015, amealhando mais de 321,7 milhões de dólares nos EUA, só venceu uma estatueta dourada, na categoria de Melhor Montagem.

Também derrotada em toda a linha foi a estratégia dos advogados de defesa de Eddie Ray Routh. Sem nunca contestarem que ele disparou uma dúzia de tiros com as pistolas automáticas das vítimas, procuraram provar que sofria de insanidade mental, e não podia ser responsabilizado. Naquele dia, após assassinar Littlefield e Kyle, conhecido como o recordista do número de mortes confirmadas entre os atiradores furtivos norte-americanos, fugiu na pick-up Ford F-250 do homem interpretado no cinema por Bradley Cooper. Só seria capturado, na sua cidade natal, após a viatura ser abalroada pela polícia.

LONGE DOS COMBATES 

Um dos pontos mais fascinantes do julgamento, mediatizado graças à figura de Kyle, foi o perfil do homem que o assassinou. Apesar de lhe ter sido diagnosticado stress pós-traumático, esquizofrenia e outras doenças mentais, e de ter recebido acompanhamento psicológico até uma semana antes do dia fatídico em que o ‘Sniper Americano’ acedeu a um pedido da mãe de Routh para que ajudasse o filho, o mínimo que se pode dizer é que a vida militar do condenado na terça-feira dificilmente poderia interessar a um estúdio de Hollywood.

Enquanto Chris Kyle matou pelo menos 150 iraquianos, incluindo mulheres e crianças, que tentavam atacar soldados dos EUA, Eddie Ray Routh passou quatro anos nos Marines como técnico de reparação de armas de fogo. De setembro de 2007 a março de 2008 foi colocado no Iraque, passou alguns meses de 2009 no navio anfíbio USS Bataan e no ano seguinte participou na missão de auxílio após o mortífero terramoto no Haiti. Mas nunca esteve em situação de combate ou em que tenha tido a vida em risco.

Poucos foram os que levantaram a voz em defesa do homem que matou o ‘Sniper Americano’. Um dos raros foi o cabo Corey Smalley, que conheceu Routh numa base junto à cidade iraquiana de Falujah, quando ambos estavam nos Marines. "Ele não era um monstro e idolatrava Chris Kyle", disse ao jornal britânico ‘Daily Mail’, recordando alguns episódios traumáticos que os dois testemunharam, como a morte de todos os soldados que tinham acabado de sair em patrulha dentro de um veículo atingido por um míssil.

"O Eddie não era um líder. De facto, era quase o Marine ideal, pois aceitava ordens e fazia o que lhe diziam, quer lhe agradasse ou não", acrescentou Corey Smalley, desmentindo ou relativizando outras acusações, como a de que o amigo chegou a espancar um camarada de armas "quase até à morte". Tudo não terá passado, nas palavras do cabo, de um nariz a sangrar devido a "uma brincadeira que correu mal".

À família, cada vez mais alarmada com o seu comportamento, Eddie chegou a dizer que teve de pescar cadáveres de homens, mulheres e crianças afogados no Haiti.

SEM MISERICÓRDIA

A condenação do ex-militar, que desde a detenção se tem caracterizado por comportamentos suicidas, foi bem recebida pela viúva de Chris Kyle, que nunca aceitou o argumento de que Routh sofria de stress pós-traumático.

"Deus abençoe os jurados e o bom povo de Stephenville, no Texas", escreveu no Facebook Taya Kyle, de 40 anos, que no domingo passado esteve em Los Angeles, na cerimónia de entrega dos Óscares. Cabe-lhe agora criar dois filhos sozinha, tal como esteve na maior parte do seu casamento, à medida que o marido voltava a voluntariar-se para missões no Iraque, onde conquistou estatuto de lenda viva.

Marcus Luttrell, outro veterano dos Navy SEAL que era amigo de Chris Kyle e escreveu o livro ‘Lone Survivor’, sobre uma missão que correu tragicamente mal no Afeganistão – Mark Wahlberg interpretou o seu papel no cinema –, foi ainda menos misericordioso: "Eddie Ray Routh, pensas que já tiveste stress pós-traumático? Espera só até os rapazes da cadeia descobrirem que mataste um herói do Texas."

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