A moda agora é dançar ao ar livre, em espaços públicos e de acesso gratuito. Os bailes em Lisboa e no Porto são cada vez maiores.
O que fazem juntos um cônsul irlandês de férias, um investigador de neurociências, uma alemã que se enamorou por Portugal, um engenheiro informático e um reformado dos CTT num domingo ao final da tarde no Mercado de Fusão do Martim Moniz, em Lisboa? Ou, se preferir, uma funcionária de uma sapataria, uma estudante de Letras, um jovem à procura do primeiro emprego em hotelaria e uma professora de inglês no Coreto do Jardim da Estrela - também na capital do País - numa quarta-feira à noite?
Podíamos continuar com a charada nas próximas linhas, mas vamos já satisfazer a curiosidade: estavam a dançar. Nos últimos tempos, a dança libertou-se das quatro paredes das academias e chegou às ruas, sem vergonha e com muita vontade de pôr o País a bater o pé e a abanar a anca. Quem passa, fica a ver e não raras vezes acaba por saltar para dentro dos palcos improvisados e juntar-se à festa, com mais ou menos talento para a coisa. Já é por isso difícil não tropeçar nestes bailarinos informais em sítios públicos, principalmente em Lisboa e no Porto, onde comunidades organizadas na internet conseguem garantir mais adeptos, num boca a boca virtual que funciona, em muito porque os eventos são gratuitos e não precisam de confirmação da presença. Basta aparecer. E dançar.
Danças vintage
São cinco os primeiros ‘corajosos' na aula aberta de vintage jazz (uma dança americana que usa o jazz no seu estado mais puro, o original) que acontece no primeiro domingo de cada mês no Martim Moniz. Miguel Gaspar, vestido informalmente de ganga e t-shirt, é dos primeiros a entrar na ‘pista'. "Antes de conhecer as danças vintage americanas nunca tinha dançado. Nem me imaginava a estar à frente de outras pessoas a dançar e a minha falta de coordenação também não me instigava a pertencer a esta atmosfera." Ninguém diria, tendo em conta a rapidez com que os pés deste investigador do comportamento inato na mosca-da-fruta se mexem, com ritmo e técnica, quase como se de uma cena de um musical se tratasse afinal.
"Isto não é talento" - alerta logo. "É fruto de muitas horas de trabalho e de muitas horas de frustração. Mas vale a pena: é um bode expiatório que ajuda a aliviar a pressão do dia a dia e que serve para apimentar a semana." Por esta altura, os cinco ‘corajosos' - onde Miguel se incluía - já são dez e pouco depois já são quinze e não param de aterrar mais pés neste baile ao ar livre... Mesmo assim, e segundo a organização, o número de ‘bailarinos' só não é superior porque é agosto na cidade.
Há jardineiras de ganga, lenços na cabeça, saias amarelas e camisas aos quadrados que imitam flanela. Há pés calçados e pés descalços. Há homens e mulheres a bailar ao som da música, há passos hesitantes, outros mais seguros, enquanto um ‘público' atento bebe cerveja e petisca, parando, a espaços, os comes e bebes para fotografar o baile. "As pessoas estão a dançar cada vez mais socialmente, vê-se nas camadas mais jovens esta vontade, embora aqui venham pessoas de todas as idades. Temos conseguido quebrar a vergonha que alguns sentem desta exposição e chamar as pessoas para perto de nós", conta Bruno Henriques, professor da Swing Station, a primeira escola a trazer as danças vintage americanas para Portugal.
No mesmo domingo organizaram em simultâneo dois eventos: o de Lisboa e outro no Porto, no anfiteatro exterior da Casa da Música - só não foi na praia de Matosinhos porque o tempo ameaçava chuva. Na ‘pista' da capital, Anne-Marie também veio para arrasar. A ‘Domingo' falou com ela no final da aula, e por isso tinha o rosto vermelho e o suor a emaranhar-lhe os cabelos claros. Anne é alemã mas vive em Portugal há um ano. No país natal experimentou dança clássica, mas em terras lusas apaixonou-se pelos ritmos americanos e não mais parou. "É uma dança muito positiva e é muito mais libertador dançar na rua. Sentes-te livre e estás tão concentrado no que estás a fazer que te esqueces das pessoas que estão à tua volta", diz Anne, num português esforçado. Um cônsul irlandês e a mulher - de visita a Lisboa - não resistiram ao apelo da música e dançaram agarradinhos. "Dançamos onde quer que haja música. Só não convém estar a beber ao mesmo tempo", explica ela, enquanto tenta equilibrar um copo de vinho branco. No final da aula aberta há ainda tempo para uma prática de lindy hop, uma dança social a pares com muitas influências do jazz, do sapateado, do charleston e de várias outras danças que nasceram nos anos 20 nos EUA.
José Novais ‘estaciona' a bicicleta no largo antes de se juntar ao baile. "Dancei viras toda a vida e desde que descobri o lindy hop nunca mais parei. Tenho aulas na escola e venho a estas práticas ao ar livre ao fim de semana para não perder o ritmo." É este engenheiro informático de 63 anos que explica à ‘Domingo' algumas das ‘regras' desta dança. "A parte gira é que não é preciso par certo, aliás, até é deselegante dançar sempre com a mesma pessoa. Duas danças é o normal, quatro já é abuso. Olhe, deixe ver se estes costumam dançar isto" - José interrompe a conversa para observar um casal que entretanto se juntou à ‘festa' - "Não, não têm a técnica do pé direito, mas lá que costumam dançar, costumam... e também gostam um do outro." Menos mal, já que isto de dançar com quem não se quer não dá lá grande entusiasmo.
Mas há circunstâncias a que assim obrigam, que o digam os ‘tangueros' que todas as quartas-feiras à noite frequentam as milongas (bailes de tango argentino) em espaços exteriores de acesso livre e gratuito. "A milonga começa no olhar. O casal lança uma mirada um para o outro e se a senhora acenar significa que aceitou a dança. É um convite feito à distância, para evitar um contacto visual menos prazeroso. Dirigem-se para a pista e vão dançar o tango, em conjuntos de quatro músicas. No fim dessas músicas o par afasta-se e está preparado para um novo convite", explica Lino Silva, um químico de formação que organiza o Tango na Rua juntamente com a advogada Alexandra Rua e o informático Ilídio Varandas, todos na casa dos 30 anos.
Na noite em que os encontramos, estão no anfiteatro ao ar livre da Fundação Champalimaud - os ‘palcos' vão variando entre os vários jardins e miradouros de Lisboa - sob um céu estrelado e uma lua quase cheia. Ao fundo, a ponte 25 de Abril ajuda a compor um cenário que parece roubado a um filme.
Andreia Negrier é educadora de infância, tem 37 anos, e é uma habitué destas noites ‘tangueras'. "A magia do tango é poder expressar o que sentimos de uma forma livre, é abraçar o outro sem o compromisso de nos ligarmos de outra forma. A única parte mais complicada é gerir os convites para dançar. Se quisermos seguir o protocolo e ficar à espera que nos convidem, podemos correr o risco de não conseguir dizer que não a alguém e temos por isso de dançar com uma pessoa que não nos apeteça muito... Por outro lado, podemos ter vergonha de convidar quem realmente queremos para dançar. Demorei anos a conseguir gerir isto da melhor forma." A proximidade que se cria entre as pessoas durante as milongas já deu frutos. "Temos casais que se conheceram aqui e começaram a namorar, pessoas que engravidaram aqui - salvo seja, que dançaram até ao final da gravidez, corrige Alexandra Rua - e apesar de as pessoas estarem aqui para dançar, acabamos por conhecer um pouco das suas vidas", conta a advogada.
Cristiana Alves e Carlos Vale trouxeram Maria, de três meses, pela primeira vez a uma milonga. "Dancei tango na rua até às 39 semanas, por isso ela não estranha. Vimos a estes bailes na rua há três anos", contam.
Encontros informais
No mesmo domingo e à mesma hora em que encontrámos a escola Swing Station no Martim Moniz a dançar lindy hop, estava a decorrer outra prática deste tipo de dança no largo do Carmo, junto ao quartel da GNR. "Este largo é fabuloso: tem sombra, tem água de borla e tem um chão que escorrega bastante bem, que são os nossos critérios principais", brinca Solange Santos - professora de lindy hop na escola David & Cátia. "Quem vem a estas práticas ao ar livre está-se a marimbar para qual a escola que está representada, querem é dançar. Com o crescimento da comunidade tornou-se um baile informal" que junta muitos estrangeiros e até faz os guardas da GNR bater o pé ao som da música que sai da aparelhagem ligada a duas colunas.
No Coreto do Jardim da Estrela, às 21h00 de quarta-feira (costuma ser às quintas-feiras), o grupo de danças europeias passa mais despercebido. Vê-se um ou outro corredor de ocasião mas regra geral o ambiente está por conta daqueles que ali chegam à procura de descontrair do dia que passou e começar a dançar. "São encontros muito informais de amigos que gostam de dançar, essencialmente danças europeias, folk de vários países da Europa. Como não há sempre eventos e temos sede de dançar, organizamos estes encontros espontâneos", explica Sara Abreu, uma professora de Inglês de 30 anos que já dançou na estação de Entrecampos e debaixo do arco da rua Augusta. O escuro inibe a vergonha, mas esta noite Sérgio Batista, de 21 anos, está mais na qualidade de observador. "Sou estreante e como há pessoas descalças tenho medo de partir um osso a alguém."
VEJA O VÍDEO DA MODA DE DANÇAR NA RUA
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