O chefe do Estado-Maior do Exército, Carlos Fabião, apoia os moderados e exige o fim da 5.ª Divisão.
Os militares moderados com assento no Conselho da Revolução, sob a batuta de Melo Antunes, de longe o mais esclarecido politicamente, tornam público, em 8 de Agosto, precisamente no dia em toma posse o V Governo Provisório, um documento com fortes críticas à actuação do PCP e da ala revolucionária do MFA – é o ‘Documento dos Nove’, subscrito, além de Melo Antunes, por Vasco Lourenço, Canto e Castro, Vítor Crespo, Sousa e Castro, Costa Neves, Vítor Alves, Franco Charais e Pezarat Correia.
A ira revolucionária abateu-se sobre os nove militares: foram expulsos do Conselho da Revolução, acusados de traidores, e mandados apresentarem-se nas Armas a que pertenciam. O ‘Documento dos Nove’ deu origem a pelo menos mais dois. Otelo Saraiva de Carvalho respondeu com um texto de ‘Autocrítica Revolucionária’, mais conhecido como ‘Documento COPCON’, em que defendia o poder popular de base. A Marinha também contestou publicamente e com violência a posição do grupo liderado por Melo Antunes.
Mas o apoio mais inesperado ao ‘Documento dos Nove’ partiu de onde menos se esperava – de Carlos Fabião, então graduado em general, chefe do Estado-Maior do Exército. Fabião fez parte do restrito grupo da confiança de António de Spínola, na Guiné. A seguir ao 25 de Abril, cortou os laços que o uniam aos spinolistas – e, pelo menos aparentemente, aderiu ao sector militar do PCP. Ainda assim, neste momento decisivo em que o País resvalava perigosamente para a guerra civil Fabião actuou com prudência: não gostou que a célebre 5.ª Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas, repartição de informações e verdadeira central de agitação, onde pontificavam militares das alas comunista e revolucionária do MFA, tivesse dirigido um documento ao Presidente da República, general Costa Gomes, a exigir “exemplar punição” dos militares “indignos de pertencerem às Forças Armadas Revolucionárias Portuguesas” e que “não hesitaram em criar divisões entre os portugueses para satisfação das suas ambições pessoais e políticas”.
Carlos Fabião enviou, em 13 de Agosto, um documento ao Presidente Costa Gomes a pedir a imediata “suspensão” da 5.ª Divisão do EMGFA. Fabião fez ainda chegar o documento a todas as unidades militares - e manteve a ameaça: se o seu pedido de desmantelamento da 5.ª Divisão não fosse satisfeito seria forçado a adoptar “medidas drásticas”. O então chefe do Estado-Maior do Exército não escondia aos oficiais mais próximos o que pensava dos militares da 5.ª Divisão: “suicidas fanáticos”.
O ‘Documento dos Nove’, segundo oficiais próximos dos moderados que o subscreveram, congregou o apoio de pelo menos “80 por cento” das unidades militares. O livre debate do texto – que só não foi entregue no Ralis, no Regimento de Polícia Militar, na Escola Prática de Administração Militar e em Engenharia I – fora inicialmente impedido, sobre as unidades da Força Aérea, cujo chefe do Estado-Maior, Morais e Silva, acabaria por permitir a circulação do documento.
As unidades do Norte do País discutiram e votaram o ‘Documento dos Nove’ – e a grande maioria pronunciou-se favoravelmente. Os resultados das votações foram entregues directamente ao Presidente da República, por um estafeta especial que se deslocou a Lisboa – passando assim por cima do comandante da Região Militar do Norte, brigadeiro Corvacho, figura de proa da ala revolucionária. O mesmo não aconteceu nas duas outras regiões militares, onde os resultados foram fornecidos aos respectivos comandantes, Franco Charais e Pezarat Correia (oficiais próximos dos moderados), que fizeram chegar a Lisboa os números das votações.
Enquanto a tropa fervia em agitação, o V Governo aprovava as “linhas de acção programática e tarefas de transição”. Mas já nesta altura, escassos dias após ter tomado posse, o Executivo chefiado por Vasco Gonçalves, tinha a morte anunciada. Por esta altura, o Presidente da República, general Costa Gomes, iniciava diligências para a formação de um novo Governo – e sem êxito tentou convencer Carlos fabião a aceitar ser indigitado primeiro-ministro. Nos dias seguintes, Otelo, comandante do COPCON, retirou o apoio a Vasco Gonçalves. Escreveu-lhe uma carta, com data de 20 de Agosto, na qual o proíbe de visitar unidades do COPCON e o aconselha a ir descansar: “Peço-lhe que descanse, serene, medite e leia (...) Como dizia Mao, um revolucionário deve estar sempre com as maiorias populares (...)”
DE SPÍNOLA PARA COSTA GOMES
Exilado no Brasil, onde se refugiou após o fracasso da intentona de 11 de março, Spínola inspirou a criação do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) – que, a partir de Espanha, lava a acabo actos de terrorismo contra sedes do PCP e do MDP/CDE no Norte e no centro de Portugal. Na segunda semana de Agosto, enviou uma carta ao seu antigo amigo e companheiro de armas, o Presidente da República, Francisco Costa Gomes. Já não o trata por ‘Chico’, como nos tempos em que ambos conspiravam contra o regime e se revelaram os mais brilhantes generais na Guerra Colonial - mas por Senhor General Costa Gomes e excelência:
“ (...) Nesta hora dramática em que corre grave risco a sobrevivência da Pátria como nação livre, junto-me ao bom Povo português para lhe perguntar para onde leva Portugal (...) V.ª Ex.ª, senhor general, tenta ganhar tempo numa manobra política em que joga com facções apenas divergentes na forma (...) O actual rumo político do país é irreconciliável com a democracia (...) Lanço um apelo aos valentes combatentes civis e aos meus irmãos de armas para que nos unamos em volta do Movimento de Libertação de Portugal que se propõe reconstruir a Pátria (...).
REVOLUÇÃO DIA A DIA
14 de Agosto - Reunião entre Otelo e outros oficiais fiéis com o Grupo dos Nove: tentam chegar a acordo para um documento antigonçalvista; Manifestação do PS de apoio ao Documento dos Nove; Assalto à sede do PCP em Amarante
Dia 16 - Boicote a comício do PCP em Alcobaça; Bombas contra sede do MES, em Vila Nova de Gaia. Assalto a sede do PCP, no Algoz, Algarve.
Dia 17 - Unidades militares do Norte apoiam ‘Documento dos Nove’ e decidem entrar em prevenção rigorosa.
Dia 18 - Discurso de Vasco Gonçalves, em Almada, transmitido em directo pela RTP; Vinte e quatro jornalistas, acusados de contra-revolucionários, são saneados no ‘Diário de Notícias’, por acção de José Saramago.
Dia 20 - Costa Gomes reúne-se, em S. Julião da Barra, com oficiais do Grupo dos Nove e outros fiéis a Otelo: é decidida a criação do 6.º Governo Provisório. Carta de Otelo a Vasco Gonçalves: “Peço-lhe que descanse, serene, medite e leia.
PINHEIRO DE AZEVEDO
Nesta altura de grande agitação, Pinheiro de Azevedo ‘tinha na mão’ os Fuzileiros, unidade de grande capacidade operacional de que fora comandante. Fazia parte da direita militar - e mal sabia ele que, falhado o propósito de Costa Gomes convencer Carlos Fabião a formar Governo, estava na calha para primeiro-ministro. Acabou mesmo como chefe do Executivo. Muitas coisas mudaram então em Portugal: para uns foi uma derrota da Revolução; para outros um segundo 25 de Abril.
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