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Aos 14 anos, Leonardo, filho do senhor Piero da aldeia de Vinci, chegou à grande cidade de Florença e teve de arranjar um trabalho. Foi para artista.

Mas, alto aí, a escolha era mais vasta do que podemos supor. Artes, havia-as maiores ou menores: estas últimas eram as de sapateiro, talhante, ferreiro… Leonardo Da Vinci era filho de um pequeno notário, um burguês, e escolheu, por isso, a que lhe era mais adequada, uma arte maior. Mas, outro alto aí, a escolha era mais vasta do que podemos supor. A mais nobre das artes era a dos juízes e dos notários e esta estava-lhe vedada: Leonardo era filho do senhor Piero, mas ilegítimo. Um bastardo não podia ir para leis, o topo da hierarquia das artes.

Entre as outras artes maiores – a arte dos mercadores de tecidos finos (os ‘calimala’ que Florença exportava para toda a Europa), a arte da seda, a dos médicos… – o pai de Leonardo meteu-o na corporação dos pintores. Pô-lo a estagiar no ateliê vizinho de Verrochio, um pintor e escultor que trabalhava para os Médicis, a família mais poderosa da cidade.

Nunca agradeceremos bastante, primeiro, o nascimento ilegítimo de Leonardo Da Vinci e, segundo, o acaso de haver, na vizinhança, um artista (no sentido moderno do termo). Em vez do maior génio da Renascença, poderíamos ter tido um qualquer negociante de estofos ou um droguista. Isto para vos dizer que a arte precisa de um banho de humildade, que a faça descer da nuvem onde pára.

Afinal, ela já foi quase tudo e pode chegar-se a ela pelos caprichos do acaso.

Artista, por exemplo, é Fontão de Carvalho, ex-vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Certo, não se lhe conhecem concertos de cítara nem pinceladas formosas. Mas, durante semanas, quando os mais agressivos jornalistas lhe perguntavam se ele era arguido no caso Bragaparques, ele dizia que não. Podia ser só simples resposta, e sincera. Mas não, soube-se há dias. Havia ali arte de arteiro, habilidade, artifício de jeitoso. De facto, Fontão de Carvalho era, há já três meses, arguido. Mas não o era do Bragaparques e sim da EPUL (outro caso, outras manigâncias). E quando os brutos dos jornalistas pensaram chamá-lo à pedra – “diga lá, então, porque não nos disse que era arguido da EPUL?” – o vice-presidente respondeu de forma sublime: “Porque nunca ninguém me perguntou.”

Se continuássemos lúcidos como nos tempos do Renascimento, haveria hoje a corporação dos respondedores geniais em conferências de imprensa. Porque artista, como na antiga Florença, é todo aquele que faz pela vidinha: talhante ou ferreiro, pintor ou vereador. As artes são maiores ou menores, mas o verdadeiro artista é aquele que na sua especialidade atinge o génio.

Na sua corporação, Fontão de Carvalho é o Leonardo Da Vinci das respostas.

Ele é arguido do caso EPUL, acusado de peculato. Outra coincidência com o meio artístico, onde tudo vai ter ao dinheiro. Esta semana, o grande escândalo financeiro em Nova Iorque aconteceu no MoMa, o célebre museu de Arte Moderna. Glenn Lowry, director do MoMa e o mais bem pago dos Estados Unidos, é acusado de conluio com grandes filantropos para, à pala do apoio às belas-artes, fugirem aos impostos. Ah, a arte!

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