Quando Cavaco Silva vem falar, nas vestes de avaliador da idoneidade e ética alheias, não é só de Dias Loureiro, Duarte Lima, Oliveira e Costa, Valentim Loureiro, Isaltino Morais e muitos outros que, automaticamente, nos lembramos. Estes são os símbolos óbvios de um tempo em que a ética e a idoneidade de quem governava não viveu o melhor dos tempos. Incluindo por causa daquele estranho negócio do próprio Cavaco, que estalou em cima das eleições presidenciais de 2006, com ações do BPN e a casa construída na algarvia praia da Coelha.
Todavia, para lá dos ditos símbolos, quando se fala de ética e idoneidade é essencial fazer um exercício de memória simples. Os Governos de Cavaco marimbaram-se para a ética, a integridade e a transparência. Só legislaram sobre o tema na reta final, pelos idos de 1994/95 em cima dos escândalos que quase todas as semanas fustigavam membros do seu Governo. O ambiente na relação com os órgãos de fiscalização do Estado, do Governo e dos titulares de cargos políticos era de guerra. O procurador-geral da República, Cunha Rodrigues, foi apontado como uma força de bloqueio, um inimigo do Governo, portanto.
O mesmo aconteceu com o Tribunal de Contas, então liderado por Sousa Franco. As inspeções-gerais foram desmanteladas ou enfraquecidas. Noutra frente, o ambiente dentro do partido não era só pastoso, era de guerra aberta. Quando foi aberta a porta da sucessão, em finais de 1993 e 94, com o célebre tabu que levou Cavaco a ir embora, farto do baronato laranja, como reconhece nas suas memórias, Fernando Nogueira, que ganhou o congresso do Coliseu, foi duplamente assassinado. Primeiro, pelos sequazes de Dias Loureiro, que mandavam ou tinham influências nas secretas, e que espalharam todo o tipo de veneno contra os homens do aparelho e do Governo que apoiavam Nogueira. Depois, em plena campanha eleitoral, quando o deixaram sozinho e Cavaco fez questão de dizer que o seu candidato era outro. Afinal, foi Cavaco quem levou Dias Loureiro para o Conselho de Estado, onde esteve até 2009, quando a sua ação no BPN, com Oliveira e Costa, compadre de Cavaco, era já insuportavelmente sulfurosa. Pela sua experiência, o líder histórico do PSD não tem direito à ingenuidade. E já deveria saber que falar de ética tem as suas exigências. Uma delas é ter legitimidade moral. Outra, é ser exemplar. E, na verdade, Cavaco Silva deixou um pântano político e ético atrás de si, no partido e no País.
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