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Centenas mudam de sexo em cinco anos

ILGA quer que mudança deixe de exigir relatório clínico.

14 de março de 2016 às 09:49

Conhece quem tenha mudado de sexo?

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Conhece quem tenha mudado de sexo?

Quase 300 pessoas mudaram de nome e de sexo no registo civil desde que a lei entrou em vigor há cinco anos, uma mudança que permitiu a Alexandra uma cidadania plena e a Daniela construir uma nova identidade.

A lei 7/2011 foi publicada em Diário da República a 15 de março e logo nesse ano 79 pessoas dirigiram-se a uma conservatória do registo civil para mudarem de nome e de sexo no Cartão do Cidadão.

O pedido só pode ser feito por cidadãos com mais de 18 anos que devem apresentar um relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, elaborado por equipa multidisciplinar de sexologia clínica. Depois dos 79 pedidos apresentados em 2011, o número baixou para 44 no ano seguinte, subindo ligeiramente para 49 em 2013, voltando a baixar em 2014 para 45 e aumentando 60% em 2015, quando 72 pessoas fizeram o pedido, entre 30 homens e 42 mulheres.

Alexandra é uma das pessoas que fazem parte destas estatísticas. Hoje com 49 anos, sempre se sentiu diferente e desde cedo teve a consciência de que, apesar de ter nascido num corpo masculino, gostaria de ser mulher.

Só há quatro anos, então com 45 anos, é que tomou a decisão de iniciar o processo de mudança de sexo, tanto o clínico como o legal, algo que conscientemente foi adiando porque tinha medo. Medo por causa das leis, mas também porque implicava muitas cirurgias cujo resultado final era uma incógnita.

Alexandra refere-se ao facto de com a lei 7/2011 as pessoas trans puderem alterar o nome e o sexo no documento de identidade independentemente de terem ou não concluído o processo clínico de mudança de sexo.

De acordo com Nuno Pinto, da direção da ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero), a aprovação desta lei "foi absolutamente essencial", já que permitiu que os pedidos de mudança de nome e de sexo nos documentos de identificação transitassem dos tribunais para os registos civis.

Antes da entrada em vigor desta lei, quem queria mudar o nome e o sexo no Bilhete de Identidade ou no Cartão de Cidadão tinha que primeiro fazer o processo clínico e a cirurgia e só depois colocar um processo em tribunal.

Alexandra considera-se um caso atípico. Teve o apoio da família, demorou tempo a tomar a decisão, mas fê-lo de forma consciente e tranquila. E mesmo quando chegou o momento de escolher o novo nome, também amadureceu a decisão e só mudou depois da cirurgia. Os pais pensaram chamar-lhe Paulo Alexandre, mas a opção recaiu em Paulo. Como gosta muito do nome Alexandre, decidiu-se por Alexandra Paulo, porque Paulo foi o seu primeiro nome e representa todo um processo, do qual tem muito orgulho.

"Tudo aquilo por que passei, e por mais sofrimento que tenha tido, não o poderei esquecer e o facto de ter o Paulo como segundo nome é precisamente para isso", explicou, acrescentando que se trata do começo de uma nova vida.

Já para Daniela Bento, 29 anos, que foi há duas semanas fazer a mudança de nome, a lei permitiu "dar um grande passo" e defende que ter o novo Cartão de Cidadão é não só uma confirmação da identidade, como uma proteção legal muito grande.

Daniel Filipe era o nome de nascimento e como era um nome de que gostava, pensou mudar para Daniela Filipa. Como queria um nome neutro, que não fosse nem muito masculino, nem demasiado feminino, tentou a opção Daniele, "mas em Portugal não é permitido".

"Tendo em conta que não posso ter o primeiro nome neutro, e como o meu nome original já tinha Filipe, optei por Daniela Filipe como forma de neutralizar um bocadinho o nome, de ficar meio-termo entre o nome masculino e o feminino", explicou.

Isto porque para Daniela "as coisas sempre foram muito ambíguas" e mesmo hoje vê-se como "uma continuidade entre rapaz e rapariga", apesar de se identificar mais com o género feminino.

Manter o nome Daniel é também uma forma de não apagar o passado e a história que lhe está agarrada, desde os amigos, os problemas, a depressão, a aldeia onde nasceu, a família que não compreende a decisão que tomou.

Afirma que poder apresentar-se com o nome feminino ajudou-a a dar "um grande salto" em termos de autoestima e não tem, por isso, dúvidas de que fez uma "grande diferença" na sua vida.

"A construção identitária também passa por isso, que é percebermos o que nos faz felizes, o que é que nos vai fazendo sentir melhor", apontou.

Nesse sentido, contou que já começou os tratamentos hormonais e que pretende fazer a cirurgia de mudança de sexo, mas apesar de ter plena consciência desse objetivo, tem também a certeza de que não quer ficar presa a isso.

"Quero viver todo o meu percurso até lá. Isso é muito importante para mim", sublinhou.

ILGA quer que mudança deixe de exigir relatório clínico

Nuno Pinto, da direção da ILGA, apontou que, na altura da publicação, a lei "foi absolutamente essencial", já que tinha como objetivo retirar estes processos dos tribunais e torná-los processos administrativos: "E nisso, a lei foi totalmente bem-sucedida".

"Outro objetivo era fazer o corte entre os processos clínicos, pelos quais as pessoas transexuais passam, e o reconhecimento legal da identidade", apontou o responsável.

Nessa matéria, contou Nuno Pinto, a ILGA tem acompanhado diversos casos, alguns "com bastante sucesso", e outros onde as pessoas têm tido "bastante dificuldade no reconhecimento legal por dificuldade nos processos clínicos", ou seja, em que as pessoas estão dependentes de um diagnóstico de saúde para poderem aceder à mudança de nome no registo civil.

Segundo Nuno Pinto, há casos de pessoas que, apesar de terem já dois diagnósticos clínicos para aceder a tratamentos hormonais, continuam sem o documento necessário para irem à conservatória.

Conhece também situações, relacionadas com pessoas trans que vivem no estrangeiro, em que por dificuldades nos consulados não conseguem tratar destes processos, mas também menores que já vivem de acordo com a sua identidade, mas que não podem mudar os documentos porque a lei só permite o acesso a maiores de 18 anos.

Para a ILGA, a extinção desse diagnóstico veio demonstrar que "os profissionais de saúde não podem fazer diagnósticos da identidade".

Pede, por isso, que haja uma alteração à lei 7/2011 que vá ao encontro das mudanças no paradigma clínico e que respeite a autodeterminação das pessoas trans, porque elas, melhor do que ninguém, "sabem quem são".

Entretanto, fonte do gabinete da secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade adiantou que Catarina Marcelino já está a trabalhar com o Ministério da Justiça e com as Organizações não-Governamentais LGBTI para alterar o regime de identidade de género, estando a definir que questões podem ser tidas em consideração nessa alteração.

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