Paulo Dias, neuropsicólogo da infância e da adolescência, explica os principais aspetos relacionados com estes distúrbios.
Anorexia, bulimia e compulsão alimentar. Segundo o Serviço Nacional de Saúde definem-se como “doenças que provocam distúrbios graves na forma como os doentes avaliam o seu peso e imagem corporal, com marcado impacto desta avaliação no seu autoconceito”.
Os distúrbios ou perturbações alimentares não dizem respeito apenas a inseguranças pontuais, mas estão sim fortemente relacionados com pensamentos negativos e autodestrutivos constantes acerca da própria pessoa e que conduzem a uma relação não saudável com a comida, seja esta de recusa ou de compulsão. A busca pelo peso ou pelo corpo ideal tende a não terminar mesmo quando esses objetivos são alcançados, o que conduz a uma insatisfação constante. É neste sentido que os distúrbios alimentares podem ainda desencadear ou serem desencadeados por ansiedade, depressão, pânico, comportamentos obsessivos-compulsivos ou até dependências.
As doenças do comportamento alimentar têm também uma forte componente hereditária, diz o SNS, principalmente a anorexia nervosa. O neuropsicólogo da infância e da adolescência, com experiência no tratamento de perturbações alimentares, Paulo Dias, indica que a condição da hereditariedade não é obrigatória, mas pode auxiliar no diagnóstico atempado. “Conseguimos muitas das vezes prevenir, de certa forma, o desencadear de um problema mais profundo, ou seja, quase como que podemos antecipar determinados comportamentos ou status de alerta que a criança ou jovem possa vir a ter”, afirma.
Distúrbios alimentares em Portugal
Comecemos com alguns dados sobre o diagnóstico de distúrbios alimentares, em Portugal. Através dos centros de saúde, estão diagnosticados, atualmente, em Portugal, mais de 10 mil casos de doenças do comportamento alimentar. Estima-se uma prevalência da anorexia nervosa na ordem dos 0,3% a 0,4% da população, sendo 90% dos doentes do género feminino.
Um grupo de investigadores do CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, desenvolveu um estudo através do qual concluiu que, entre 2000 e 2014, os distúrbios alimentares foram responsáveis por 4.485 hospitalizações no País.
O mesmo estudo revelou que o número de hospitalizações se manteve estável durante os anos em análise, mas que o diagnóstico de casos de anorexia nervosa passou de 12,8 por um milhão de habitantes para 23,7, o que significa quase o dobro de casos diagnosticados.
A anorexia representou 54% dos diagnósticos referidos no estudo, a bulimia nervosa 13% e outros distúrbios corresponderam a 27% dos casos. A maioria dos pacientes eram mulheres, com uma média de idades de 26 anos.
A anorexia foi também a doença que apresentou a maior taxa de mortalidade, tendo sido contabilizadas 25 mortes nos 15 anos de análise.
Embora estes valores sejam de há uma década, oferecem uma perspetiva completa do panorama destas perturbações em Portugal.
Mudanças repentinas e persistentes e a obsessão com o reflexo: como detetar um distúrbio alimentar
Quem sofre de um distúrbio alimentar tem tendência em escondê-lo. No entanto, há alguns sinais que podem auxiliar na identificação da doença. O neuropsicólogo Paulo Dias explica que alguns dos sinais mais óbvios podem ser as “mudanças abruptas que existem na alimentação”, quer ao nível da recusa de certos alimentos, quer ao nível da “obsessão alimentar”, refere.
Na linha de obsessões que podem surgir, seguem-se a obsessão pelas calorias ou pelo reflexo. Esta última pode também surgir ainda na fase da infância, diz o neuropsicólogo. “Uma criança que começa a olhar-se demasiado ao espelho, que passa muito tempo sempre a olhar para o espelho e a preocupar-se muitas das vezes com perguntas ou questões da parte física, por exemplo, se os pais acham que ela está demasiado gorda ou demasiado magra, começa a ter aqui um comportamento tanto ou quanto obsessivo”, exemplifica.
Um segredo bem guardado
Por que razão quem sofre de um distúrbio alimentar tem tendência a escondê-lo? O sentimento de culpa parece a resposta mais adequada.
Na adolescência, quando existe uma maior consciência dos próprios comportamentos e de como são errados, há a intenção de esconder, seja a comida que se come compulsivamente fora das refeições, a indução ao vómito, a prática de exercício físico de forma excessiva ou até mesmo a toma de medicação para perder peso. “O esconder toda esta parte do comportamento tem muitas vezes a ver com esse caminho de punição, porque já estamos a falar muitas vezes de adolescentes que têm a plena consciência, ou melhor, possam começar a ter alguma consciência, de que aqueles comportamentos estão errados”, refere Paulo Dias, que acrescenta que, havendo o desejo de alcançar determinado objetivo físico, a ocultação torna-se uma maneira de “não serem punidos ou julgados pelas suas próprias atitudes”.
O body shaming e as redes sociais como desencadeadores de disturbios alimentares
A busca pelo corpo perfeito da modelo, da atriz, da influencer ou de outra pessoa qualquer que surja no feed de uma rede social, pode desencadear um desejo de insuficiência em quem está em frente ao ecrã. É precisamente essa pressão social – seja ela imposta diretamente ou criada na mente de cada um – que Paulo Dias aponta como responsável por nos fazer acreditar que temos de alcançar determinado resultado, de preferência, no menor espaço de tempo possível. “Quanto mais eles [os jovens] se sentirem impressionados a alcançar esses padrões irreais de beleza, mais rápido vão adotar comportamentos para alcançar em menor espaço de tempo esses mesmos resultados”, afirma o especialista.
No mesmo sentido, o chamado body shaming, que nada mais é do que uma forma de agressão baseada em insultos sobre o corpo ou aparência física de alguém, tem uma relação “cada vez mais direta” com o desenvolvimento de um distúrbio alimentar, diz o neuropsicólogo, que liga a construção da identidade pessoal com o desejo de aceitação social na juventude. Há uma maior probabilidade, portanto, para que os adolescentes desenvolvam obsessões com um determinado ‘corpo ideal’ e que façam de tudo para o alcançar, tendo por base a ideia de que só serão aceites ou validados quando atingirem esse objetivo.
A cura pode ser um caminho a percorrer durante toda a vida
Falar na cura total de um distúrbio alimentar pode ser enganador. Paulo Dias explica que o tratamento de qualquer distúrbio alimentar é um processo complexo e multidisciplinar que pode demorar longos anos. “Claro que a pessoa pode ter uma qualidade de vida perfeitamente estável e ultrapassar esta fase menos boa da vida dela, mas há sempre ali algumas feridas emocionais que, se não forem bem cicatrizadas, podem levar a algumas recaídas em fases posteriores”, afirma. O neuropsicólogo salienta também que o momento do início do tratamento é crucial para a eficácia do mesmo. “Eu olho muitas vezes para este tipo de aspeto como um processo terapêutico de acompanhamento durante um longo período da vida do próprio jovem, ou seja, isto também depende muito do momento em que vão procurar ajuda. Uma coisa é procurar ajuda para quando um jovem já está em sofrimento há 2, 3, 4 ou 5 anos, em que os hábitos já estão muito impregnados nas suas próprias rotinas e é muitas vezes mais complexo nós conseguirmos desmontar estes próprios hábitos”, explica.
Será mais correto, por isso, que o foco esteja na estabilização do distúrbio e não na procura por uma cura total.
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