A actriz, que integra o elenco de ‘Estado de Graça’, elogia o formato e critica o desfasamento de cachets da estação pública. Aos 60 anos, lamenta haver “sexismo” na escrita e na representação.
Correio TV - A quinta série de ‘Estado de Graça’ arrancou em cima da hora?A
Ana Bola - A RTP vive uma fase conturbada e estivemos na incerteza até 15 dias antes do programa arrancar. Vamos acabar as gravações a 12 de Dezembro e não sabemos o que vai acontecer depois.
- O feedback tem sido bom?
- Tão bom que se fosse directora de Programas da RTP não acabava com ele. Temos boa audiência e o programa é um sucesso na rua.
- A RTP precisa de um espaço de humor como o ‘Estado de Graça’?
- A TV pública precisa de um programa de humor como este, porque é neste canal que brincamos com o Governo, sem qualquer censura. Na rua dizem-nos: ‘Façam-nos lá rir, porque nós precisamos.’ Hoje, não há muitos programas de humor nas generalistas.
- Que tipo de humor sai desta crise?
- Um humor mais agudo, mais acutilante.
- O público português gosta dos seus actores?
- Quando gosta, enche os teatros, apesar da crise. O Joaquim Monchique e a Maria Rueff têm tido casa cheia no Casino Lisboa. Eu e a Rueff fizemos 50 espectáculos no ano passado, pelo País fora, e tivemos os teatros sempre cheios. O público gosta de ver os seus actores numa boa comédia.
- Em tempo de crise, fazer teatro é uma boa fuga para os actores?
- É uma boa fuga e ainda é gratificante. Ainda há quem pense que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. É um erro. Há auditórios fantásticos na província, autênticos pequenos CCB, com programações incríveis, directores empenhadíssimos e um público interessado.
- Os textos de ‘Estado de Graça’ são monopólio da Produções Fictícias. O programa ficaria a ganhar se se abrisse a outros autores?
- Acho que sim. Eu própria me sinto um bocadinho posta de parte…
- A Ana escreve…
- Quando me deixam! Na Produções Fictícias, nunca ninguém me convidou para escrever, mas faz sentido, porque eles têm o seu grupo de escrita. Escrevi centenas de textos para ‘A Mulher do Sr. Ministro’ e a ‘Vip Manicure’, e reconheço que não há muito espaço para outros autores.
- Como justifica a situação?
- Não quero acreditar que seja pelo facto de ser mulher… não sei se não há alguma misoginia.
- Há sexismo no humor?
- Na escrita e representação! Se contar o número de homens e mulheres humoristas vê a diferença. Em França, os teatros estão cheios de mulheres a fazer stand-up. Aqui há ainda um certo preconceito. Ou então são as mulheres que imaginam o preconceito e não avançam.
- Neste momento, a Ana só representa, não escreve?
- Não. O que gostava mesmo era de ter uma reforma porreira para estar mais sossegada. Não me importo nada de trabalhar. Um humorista pode trabalhar até morrer e não há nada de mais divertido do que um humorista velho. Mas, aos 60 anos, gostava de não estar sufocada sem saber o que vou fazer em Janeiro. É um horror viver assim. Apesar de tudo recebo uma subvenção da Sociedade de Autores.
- Se se reformasse agora, quanto receberia?
- Não chegava aos 350 euros. O meu marido, o Zé Nabo, que é músico há quarenta e tal anos, recebe 316 euros de reforma. Como vê, não podemos deixar de trabalhar.
- No ‘5 para a Meia-Noite’ esteve com o ministro Miguel Relvas, que se prontificou a calcular a sua reforma. Concretizou a promessa?
- Aquilo era tudo a brincar! Ele estava no papel de cavalheiro e eu no de comediante. Ninguém faz nada por ninguém. E a minha situação é privilegiada em relação a outras pessoas que vivem situações gravíssimas. Tenho saúde, trabalho e faço o que gosto.
- Terá de continuar a trabalhar após a reforma?
- Não tenho a mínima dúvida. A menos que me saia o Euromilhões. Ou a Raspadinha pé-de-meia.
- E joga?
- Todas as semanas, faço tudo, tudo a que tenho direito. Sempre à espera que me caia algum aos trambolhões.
- E tem sorte no jogo?
- Quando me saem dois euros, fico toda contente.
- Tem algum Plano Poupança Reforma?
- Acho que já tive. Não sei tratar de nada dessas coisas.
- No âmbito da escrita, tem alguma coisa entre mãos?
- Estou a escrever um monólogo para mim. Uma coisa que queria fazer há muito tempo.
- Vai circular pelo País com o monólogo?
- Sim, o espectáculo é para exibir num espaço pequeno, controlado. Vai ter interacção com o público, por isso, tem de ser num espaço pequeno, não posso arriscar ficar sem público. Num monólogo seria fatal.
- O que vai abordar nesse monólogo?
- Vai ser uma coisa um bocadinho autobiográfica e ficcionada. E como sou comediante e cheguei à idade de dizer tudo o que me apetece, vou fazer uma coisa sem filtros.
- É um privilégio da idade?
- Além do reumatismo, das dores na coluna… dá-nos o privilégio de dizer o que pensamos. Talvez lá para Janeiro avance com o projecto.
- Trabalha com computador?
- Tenho computador, mas não sei usá-lo. O Zé é que me manda os e-mails.
- Escreve os seus textos à mão?
- Sim, e depois o Zé passa. É a única pessoa no Mundo que conhece os meus gatafunhos. Mas vou ter de aprender a trabalhar com computador, porque, agora que o meu filho emigrou para a Islândia, vou ter de comunicar com ele.
- Em termos de carreira profissional, há algo por fazer?
- Não, mas gostava muito de ser médica.
- Está a falar a sério?
- Estou. Tenho alma de médica. Tenho a certeza absoluta de que teria sido uma boa médica. Leio compêndios médicos, publicações de simpósios, vejo programas de medicina, tenho muita curiosidade nos temas desta área. Qualquer dia, começo a ir a congressos.
- Já descodifica sintomas?
- Há colegas que me telefonam a queixar-se disto ou daquilo e eu faço o diagnóstico e receito-os [risos]. E só não vou para falsa médica porque me conhecem [risos].
- Escolher a carreira de actriz não foi um devaneio de adolescente?
- Não foi, de todo. Tornei-me actriz em 1976 já depois de casada e de ser mãe. Ser actriz na altura era complicado, a profissão era mal vista e mal paga.
- E como surgiu a representação?
- Andava muito pela avenida de Roma, os meus pais viviam ali perto, era menina do Vavá, onde conheci o Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, gente do cinema… Comecei a ver muito cinema e teatro, e a ter imensa vontade de representar. Quando me convidaram para ir para o Adóque [Cooperativa de Trabalhadores de Teatro], não resisti. Nessa altura, a família apoiou-me.
- E teve duas incursões na música...
- Isso era para ir viajar. Não canto mal, mas não canto bem… Mas dava para fazer coros. Por sorte, acabei por ir a dois festivais da Eurovisão. Foi um fait divers.
- Fora dos ecrãs, que vida faz?
- Uma vida banal e sem interesse para as revistas. Vivo nas Azenhas do Mar. Como não sou católica, preciso do mar para me acalmar e orientar. Sou casada há 30 e tal anos com o mesmo homem. Somos muito felizes, já não nos dispensamos um ao outro. Está decidido que vamos envelhecer juntos. Tenho uma neta do meu filho, com 12 anos, e o Zé tem três. Adoro ler e estar por casa, onde ando quase sempre descalça, até no Inverno. Tenho vários cães e uma horta, que neste momento está muito descuidada. Mas vou tratar dela e até já comprei o ‘Borda d’Água’, porque há coisas que vale a pena plantar. E adoro cozinhar.
- Como olha a situação do País?
- A classe política é a grande responsável. E não estou a falar de Passos Coelho. Falo de décadas anteriores. Os políticos, o sistema bancário e a corrupção. A Islândia é um exemplo. Em três anos reergueu a sua economia. Como? Prendendo os políticos e os banqueiros corruptos. O grande problema nacional é a impunidade.
PERFIL
ANA BOLA, actriz e autora, nasceu em Lisboa, em 1952. Filha única, frequentou o liceu Charles Lepierre, tirou o curso de secretariado no ISLA e trabalhou 9 anos como secretária na Gertral. Estreou-se no teatro em 1976. Seguiu-se a TV, com a participação em ‘Fungagá da Bicharada’ e ‘O Passeio dos Alegres’. Colaborou, durante anos, com Herman José nos programas ‘Humor de Perdição’ e ‘Casino Royal’, entre outros. Em 1993 apresentou ‘Os Bonecos da Bola’ (RTP). Assinou as sitcoms ‘A Mulher do Sr. Ministro’, ‘Débora’ e ‘Sra. Ministra’. Escreveu as peças de teatro ‘Avalanche’ e ‘Celadon’.
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