A cumprir 25 anos de carreira, a fadista gravou um disco de tributo aos grandes mestres da canção de Lisboa.
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Segundo uma nota de rodapé na contracapa deste disco, ‘Roubado’ significa ‘Contratempo’ na "gíria musical dos fadistas". Mas contratempo é também, por definição, uma ocorrência inesperada. Este disco não estava nos planos?
[risos] Não, não estava. Este disco tem uma história que começa no início da minha carreira, aí por volta de 1994, quando, ao fim de dois anos a cantar, o Mário Martins, da EMI Valentim de Carvalho, me desafiou para gravar um disco com temas mais ou menos conhecidos de grandes fadistas. Só que, na altura, eu disse-lhe que não, porque ainda mal sabia cantar e, artisticamente, mal sabia quem era.
E hoje sabe?
[risos] Se calhar nunca sabemos, mas eu sinto que tenho uma singularidade qualquer que as pessoas distinguem. E isso já é qualquer coisa.
E quando é que percebeu que já tinha ‘bagagem’ para fazer este disco?
Quando chegou agora esta data dos 25 anos de carreira, desafiaram-me a assinalá-la de forma especial com um disco. E eu fui para casa pensar no assunto. Então associei o 25 de Abril, que foi a minha primeira revolução, com a entrada no fado, que foi a minha segunda revolução e lembrei-me daquele primeiro convite do Mário Martins. Pareceu-me a altura certa.
Este disco recupera fados imortalizados por Maria Teresa Noronha, João Ferreira Rosa, Amália Rodrigues, Hermínia Silva ou Maria da Fé, entre outros. Não é angustiante pegar em gravações que já parecem perfeitas e intocáveis?
Não é angustiante se houver a humildade de perceber que é impossível competir com aquelas personalidades que são das mais importantes da história do fado. Seria uma grande arrogância da minha parte alguma vez tentar comparar-me ou tentar ultrapassar os originais. O que eu fiz foi com os meus recursos e com aquilo que sou e sei. Não é por acaso que recusei fazer este disco há vinte anos. A minha granzer uma coisa a pensar que poderei ser melhor do que a Amália, internem-me. A minha relação com o fado é muito honesta e humilde e, por isso, eu acho que mereço entrar por aqui adentro com toda a liberdade.
E quão emocional foi para si gravar estes clássicos?
Foi apaixonante. Ouvir de repente aqueles fados na minha voz foi uma surpresa. Algumas destas melodias, por exemplo, levam a minha voz para registos que habitualmente não uso no fado tradicional. E depois foi engraçado descobrir que quando ouvimos estes fados a vida inteira, eles passam de facto a fazer parte de nós. Para mim carregam um bocadinho de todos os momentos da minha vida em que os ouvi e pensei sobre eles.
Os dois discos anteriores da Aldina foram feitos num período da sua vida de alguma dor interior. Este é bem mais positivo. A que período da sua vida corresponde?
Os discos anteriores tinham correspondido a um certo período de luto. Dois anos depois, este disco representa o caminho feito depois desse luto, caminho esse que germinou em outras coisas que sem essa dor não se aprendem. Ou seja, valeu tudo a pena. Artisticamente, eu sei que já não me liberto das minhas inseguranças, mas também já não combato contra elas. Passaram a fazer parte da minha arte. Integrei-as e encontrei-me. Hoje, há uma liberdade que me conduz a outros registos mais solares do meu canto. A versão que faço do ‘Vendaval’, por exemplo, é absolutamente solar.
A capa deste disco tem uma foto de Aldina aos vinte anos. Quem era a Aldina nessa altura?
Nessa foto eu tinha vinte e um anos e foi tirada no primeiro emprego que tive como redatora do jornal ‘O Século’. Era uma Aldina cheia de garra e que queria mudar o Mundo. Tinha muita sede de viver. Aquela foto representa, curiosamente, o meu primeiro contacto com o fado, porque foi tirada no dia em que me mandaram entrevistar a Maria da Fé a propósito de um concerto que ela ia ter no S. Luiz com uma orquestra dirigida pelo José Alberto Moniz. Como eu não sabia quem era, lá me explicaram então que era uma fadista. E eu perguntei o que era uma fadista [risos].
Curiosamente, a Maria de Fé veio a ter um papel importantíssimo na sua vida!
Sim, ela é a pessoa mais importante do meu caminho. É a pessoa com quem trabalho há 23 anos.
Ainda reconhece em si essa Aldina dos vinte anos?
Sim, sobretudo na inquietação e na necessidade de arriscar. Como artista, eu arrisco sempre muito, no que digo, no que faço e no que não faço.
Esta coisa de ter chegado tarde ao fado deu-lhe outra perspetiva e outra compreensão sobre o próprio fado?
Deu. Por um lado acho que demorei muitos anos a sentir que fazia parte do fado e que o fado fazia parte de mim. Achava que me faltava uma infância e uma adolescência mais por dentro. Durante muitos anos tive esse complexo. Mas, por outro lado, e para ser eu, não podia deixar a minha bagagem à porta, que era a bagagem que eu trazia da minha vida já adulta, de outras músicas, da minha consciência política e social. Para ser uma boa fadista tinha de ser verdadeira e autêntica.
Quando olha para 25 anos de carreira, pensa em quê?
A dor que me traz a passagem do tempo é pensar em como é que vou avançar e evoluir daqui para a frente quando já não ouço regularmente ao vivo a Beatriz da Conceição, o Fernando Maurício, a Ada de Castro, etc. Já não tenho o Fontes Rocha na guitarra para me ensinar, o Manuel Martins na viola ou o Paquito que foram músicos que estiveram sempre do meu lado. Eu não cresci a ouvir disco, mas a ouvir os próprios músicos. Só que, por outro lado, a minha paixão é reacendida regularmente. Aí, o tempo nunca passa. Não há meio deste amor acabar.
PERFIL
Aldina Maria Miguel Duarte nasceu em Lisboa a 22 de julho de 1967. Crescida num bairro social em Chelas e depois de ter passado pelo jornalismo, descobriu então o fado, já tarde, para lá dos 20 anos. Em 1995, é convidada pelo guitarrista Mário Pacheco para integrar o elenco do Clube de Fado, passando depois a cantar no Sr. Vinho de Maria da Fé. Grava o seu primeiro disco, ‘Apenas o Amor’, em 2004, a que seguiram mais seis álbuns de estúdio.
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