O mais antigo grupo de música tradicional portuguesa faz 40 anos de carreira.
Com que sentimento é que olham para trás, para estes 40 anos de carreira?
Arnaldo Carvalho – O lugar-comum numa altura destas é dizer que olhamos para trás com o sentimento de dever cumprido [risos]. Mas, vendo bem, às vezes pergunto-me como é que foi possível.
E como é que foi possível?
AC – É curioso, porque há pessoas que dizem que, se a Brigada tivesse atingido a profissionalização mais cedo, tinha chegado a outros patamares. Só que há outros que dizem que a nossa longevidade só foi possível porque a Brigada foi sempre mais do que um grupo, foi na verdade uma casa de chegada e de encontro de vários músicos.
E sentem que esse espírito tem sido o segredo de uma carreira?
AC – Eu sinto que o facto de todos nós e de aqueles que já passaram pela Brigada terem andado por outras áreas e por outros géneros ajudou a que este projeto tivesse durado tantos anos.
E como é que se mantém a identidade de um projeto com tantas entradas e saídas?
AC – Fácil nunca foi, mas as pessoas também sempre perceberam que estavam a entrar para um projeto e não para um grupo que tivesse propriamente um líder. Com maior ou menor dificuldade, sempre chegámos a um consenso e a uma linha comum.
Tendo a Brigada aparecido no período pós-25 de Abril, sentem que de alguma forma também fizeram uma revolução no meio musical?
AC - De alguma forma, sim. Na altura, não havia nada semelhante à Brigada. O que se ouvia de música tradicional vinha sobretudo dos ranchos folclóricos e era uma música que estava camuflada pelo regime e conotada com o facilitismo e o povo alegre e pobre. A Brigada veio romper com essa imagem padronizada. Aliás, há muitos estudiosos e entendidos que falam deste pioneirismo da Brigada.
Mas na altura sentiram logo que estavam a contribuir para essa mudança?
Rui Curto – Sim. Nunca ninguém tinha pegado na música tradicional e dado aquela roupagem que nós lhe demos. No início, as pessoas ficaram muito surpreendidas. Quando fizemos o nosso primeiro espetáculo em Coimbra, e depois em Lisboa, foi de facto a apoteose. Nós até tivemos alguma dificuldade em digerir internamente aquele sucesso repentino. Mas esse papel de termos aberto novas portas ninguém nos tira. A história já está escrita.
Quando a Brigada surgiu com o nome Victor Jara [cantor chileno morto por militares após o golpe de Pinochet, no Chile], foi com alguma intenção provocatória?
AC - O nosso nome – que remete, por um lado, para as brigadas de alfabetização e, por outro, para o músico assassinado no Chile – demonstra que, para além de sermos uma banda de música, sempre fomos pessoas que acreditámos numa forma de estar na vida. Nunca andámos atrás do estrelato. Sempre fomos um grupo de causas.
E as pessoas ainda se identificam com essas causas?
AC – Sim, e a prova é que lançámos uma caixa comemorativa com todos os nossos discos graças a uma campanha no Crowdfunding [peditório online] em que batemos todos os recordes. A Brigada criou uma rede de afinidades de gente que ainda hoje se revê no projeto musical e cultural. Isto é, nós representamos um tempo e uma postura. Nós vimos de uma altura em que fazer cultura era uma guerra.
E como é que era fazer música naquela altura, em comparação com os dias de hoje?
AC – Não tem nada a ver [risos]. Costumo dizer que era o tempo de andar com a baliza às costas. As condições que tínhamos eram as que existiam nos locais. Lembro-me de que uma vez chegámos à serra da Estrela para um concerto e só havia um microfone e um megafone pendurado numa árvore [risos].
RC – Uma vez estávamos a tocar num pavilhão e ficámos sem luz. A organização decidiu então meter uma carrinha a trabalhar e ligar os faróis. Íamos morrendo todos intoxicados. Até já tocámos encostados ao balcão de uma tasca. O pior foi quando apareceu o dono e nos pôs todos na rua, a gritar, que não queria ali comunas [risos].
E já dava para ir ganhando dinheiro com a música?
RC - Não. Não havia cachets. O primeiro cachet foi-nos pago em Castelo Branco, numa primeira parte do Carlos do Carmo. Foi ele que disse "estes rapazes merecem ganhar" e deu-nos 40 contos. Ainda me lembro do Arnaldo a contar as notas [risos]. Mas era engraçado, quando havia mais do que um microfone, tinham de estar todos em fila e nós alinhados. Era quando na brincadeira chamávamos ‘oito em linha’ e ‘dois à pesca’ [risos].
AC – Acho que nós só começámos a trabalhar com condições a sério quando começámos a tocar na festa do Avante, até porque o material vinha do estrangeiro, especialmente de Inglaterra.
E mesmo a forma de gravar discos era completamente diferente!
AC – Sim. Gravar era uma coisa muito engraçada. Como era tudo gravado em fita, quando era preciso cortar tinha que se fazer um trabalho quase cirúrgico, cortar no sítio certo e colar com uma fita-cola. Hoje, qualquer miúdo grava um disco em casa.
A Catarina entrou para a Brigada há 15 anos. Como é que foi apanhar o comboio a meio?
Catarina Moura – Bem, o comboio já ia a mais de meio do caminho [risos].
Mas como é que chegou até eles?
CM - Eu andei num grupo com uma certa ligação à Brigada e eu já conhecia algumas coisas e tinha participado em alguns concertos, mas foi uma responsabilidade muito grande. O facto é que, como eu fui criada muito neste espírito da corporatividade e sempre ouvi muita música tradicional, as coisas acabaram por ser mais fáceis.
Quem é que hoje aparece nos espetáculos da Brigada?
CM – Aparece todo o tipo de pessoas. É engraçado, porque há muita gente nova interessada em nós. Aqui há dias, no Musicbox, em Lisboa, estavam umas miúdas a servirem ao balcão que no final vieram ter comigo para me perguntarem se nós já tínhamos algum disco gravado [risos].
RC – Mas isto não se passa apenas com o público. Hoje, há um fenómeno muito interessante que tem a ver com o número de gente jovem que toca instrumentos que estavam desaparecidos. Há meia dúzia de anos, contávamos pelos dedos de uma mão alguém que tocasse bem uma flauta de tamborileiro de três buracos. Agora, já há muita gente a tocar, e bem.
E como é que isso se explica?
RC – Eu acho que as pessoas estão cansadas e sentem cada vez mais a necessidade de procurar as suas raízes. Numa altura havia preconceito contra a música tradicional, mas isso hoje já não acontece. Hoje, os instrumentos de raiz tradicional furam em todas as áreas musicais, até no rock.
AC - Há uma evolução curiosa. A música tradicional, quando apareceu, começou por ser proibida, depois passou a ser foleira, depois passou a ser kitsch, e hoje é uma música usada como fusão em muitas áreas.
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