A cantora volta aos discos com ‘Fitxadu’, um álbum de redescoberta pessoal e artística depois de ter vencido um tumor
Depois de oito anos sem gravar, Sara Tavares está de volta às lides discográficas com ‘Fitxadu’ (fechado em crioulo), um disco que resulta de um longo período em que a cantora teve de se afastar para se conseguir redescobrir.
Sabendo-se que nunca deixou de tocar e cantar ao vivo nos últimos oito anos, porquê tanto tempo longe dos discos?
Aconteceu muita coisa. Primeiro, esta ausência teve a ver com vontade. Um disco implica fazer promoção, digressões, defendê-lo com unhas e dentes e eu não me sentia com essa disponibilidade espiritual. Andava muito cansada, inclusive de fazer entrevistas. Andei muito tempo a explicar-me e como eu sou uma pessoa introvertida, tive de me renovar e ganhar nova energia. E depois, conseguir um conjunto de canções que façam sentido juntas não é algo que se consiga de um dia para o outro.
Nestes últimos anos passou por um grave problema de saúde [tumor no cérebro]. Isso também atrasou o seu regresso?
Sim claro, porque isso implicou muito com a minha vida prática. O meu corpo sofreu transformações e eu própria tive de mudar de hábitos até porque uma vida de músico é quase igual à de um atleta de competição. Viajamos muito, fazemos muitos esforços, ficamos muitas horas acordados, estamos sujeitos aos jet lags ou a mudanças de temperatura. Foi um novo ciclo que tive de iniciar.
Numa altura em que já não se é propriamente uma adolescente, é fácil fazer essas mudanças de hábitos?
Não foi fácil, mas isto de me afastar da música foi muito interessante. Às vezes, a música pode ser um bocadinho obtusa, porque só vivemos para aquilo, quase como um vício. E este tempo deu para me conhecer de outra forma.
O que é que conheceu de si que desconhecia?
Olha! Deu para perceber que tenho limites. Aprendi a respeitar-me a mim própria e a dizer: ‘sim, tenho que ir dormir’, ‘preciso de descansar’, ‘não quero mais falar’, ‘tenho que ir passar férias’. Este foi um período em que passei mais tempo com a minha mãe e com a minha família.
Na altura em que esteve doente, falou de um tumor que estava muito próximo da fala. Chegou a temer que não pudesse voltar à música?
Soube que era bem possível não voltar a cantar. E tive de lidar com isso. Ainda hoje lido. Não foi um tumor extraído completamente e por isso tenho que lidar com o problema. É por isso que é importante cuidar-me, saber quais os meus limites e viver uma vida equilibrada. Eu acho que as coisas também são muito psicossomáticas e quando as pessoas abusam de si há sintomas.
Até que ponto este novo disco também reflete esse momento menos bom pelo qual passou?
Eu acho que este disco reflete, acima de tudo, uma paixão renovada pela música e pela arte. Acho que, neste disco, há uma energia nova. Acho que se nota muito, por exemplo, um grande trabalho de equipa. Aqui eu abri os braços, as portas e as janelas a toda a gente (risos), para que viessem trabalhar comigo, sem medos. Hoje estou mais livre para trabalhar e para experimentar.
Isso quer dizer que este é o seu disco mais pessoal e aquele em que mais se expõe?
Todos os discos são pessoais e todos eles são álbuns em que me exponho. Todos são feitos com palavras que me saem da boca e do coração.
Agradece neste disco a quem enfrentou consigo a folha em branco. Como é que é para si este processo de compor, de escrever e de olhar para a tal folha em branco?
Nem sempre é pacífico. A folha em branco até é para mim uma coisa um bocado aterradora. Só começo a ficar mais confortável quando começo a fazer uns rabiscos (risos), porque às vezes o processo de desconstrução é mais fácil.
E precisa de estar acompanhada para compor?
Eu gosto, sim, de estar com amigos para compor, mas que não sejam tagarelas nem que se achem maiores do que as palavras (risos). Gosto de estar com amigos que também respeitem o silêncio. Por outro lado, também sou uma pessoa muito solitária. Muitas das vezes sou só eu, a minha guitarra e os meus papéis. Por isso, quando vou ter com alguém, lá levo os meus rabiscos.
O primeiro single conhecido deste disco foi o ‘Coisas Bunitas’. Que coisas são essas?
Essa canção foi muito inspirada no B.Leza onde eu vou muito. O B.Leza é um espaço de música africana onde se encontram muitos rapazes que vão lá só para dançar. Vão lá à antiga (risos), pedirem às raparigas para dançarem. E eu não sou diferente. Só que, às vezes, há pessoas que não são muito corretas ou que não têm jeito para pedir para dançar. E eu inspirei-me nisso, nesta coisa de que às vezes basta ser simples e simpático e dizer coisas bonitas ao ouvido.
Este disco está recheado de convidados. Parece quase um movimento?
E é! E eu acho que os movimentos musicais estão na impressão digital da cidade. Tudo está ligado. O Dodje canta com o Landrick, o Landrick canta com o Matias Damásio, o Matias canta com o Héber, o Héber canta com a Carminho e por aí fora. Eu acho é que ainda falta fazer mais. E um disco é sempre um trabalho de equipa. Eu gostava que, daqui a uns anos, se falasse de um movimento lisboeta de cultura que marcou o ano 2000, mais do que falar da Sara ou dos Buraka Som Sistema. A música de intervenção do 25 de Abril também não foi só o Sérgio, o Adriano ou o Zeca.
A música devia ter mais a ver com partilha?
Sim. Só que fala-se muito pouco nisso. Um disco que, na capa, diz Sara Tavares, na contracapa tem muito mais gente. Tirando aqueles cantautores que centralizam muito sobre si, o trabalho de composição tem sempre muita gente envolvida.
Diz que este disco fecha um ciclo e inicia outro. O que é que vem aí?
Vem mais música e mais colaborações. É preciso plantar para fazer nascer. Cada vez há mais programas de entretenimento, mas só aparentemente é que há muita coisa. Não há formação. Há poucos cursos e os que há são caros. Então somos nós, os artistas, que temos de partilhar e entusiasmar a troca. Os miúdos da linha de Sintra, por exemplo, são muito independentes das editoras, porque já perceberam que com elas não vão a lado nenhum. Então trocam experiências e beats com uma facilidade enorme. Estão-se nas tintas para a indústria e nós temos que aprender com estas novas gerações.
É um bocadinho o regresso àquele espírito punk do ‘do it yourself’!
Eu chamo-lhe o Movimento Ya!. Em Cabo Verde há uma feira na cidade da Praia, tipo feira da ladra, que se chama Ya! É uma feira de contrabando fixe (risos).
A Sara tem uma relação cada vez mais estreita com Cabo Verde. Nunca pensou em se mudar?
Eu gostava e hoje até há mais voos, para vários pontos de Cabo Verde, mas as passagens ainda são caras.
Tem lá família?
Sim, mas a maior parte está emigrada. Ainda continua a ser muito difícil viver em Cabo Verde. A vida é cara.
E acha que era possível alimentar uma carreira por lá?
Acho que não. Não há circuito profissional. O único que existe é para turistas e não me vejo a cantar num hotel. Há alguns festivais porreiros, mas que só querem os artistas de grandes massas.
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