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Silvestre viu a família morrer arrastada pela água em Moçambique

Viu a mulher, uma filha e duas irmãs serem levadas durante as cheias que se seguiram ao ciclone Idai.

30 de março de 2019 às 09:10

Silvestre Gabriel viu o que nunca esperava ver: a mulher, uma filha e duas irmãs a serem arrastadas por uma corrente até perdê-las de vista durante as cheias que se seguiram ao ciclone Idai, no centro de Moçambique.

Agora luta todos os dias para conseguir conviver com essa recordação.

"Minha esposa e minha filha desapareceram, junto com minhas duas irmãs", conta Silvestre Gabriel, que assistiu ao desenrolar de tudo e nada pode fazer.

Silvestre Gabriel e a família passaram dois dias em árvores, perto uns dos outros, na aldeia de Dombe, distrito de Sussundenga, depois de o rio Lucite transbordar.

Ao todo eram 12 membros da mesma família, na província de Manica, encostada ao Zimbábue.

A determinada altura, uma canoa avistou-os, mas pouco antes de a ajuda chegar, a árvore que amparava a esposa, filha e duas irmãs de Silvestre cedeu e perdeu-se nas águas.

Silvestre fala de uma esperança que diminui a cada dia que passa, depois de ter sido encontrada uma mala, com documentos e roupas da esposa e filha, a 20 quilómetros de Dombe.

Hoje é uma entre dezenas de pessoas acolhidas na missão católica da aldeia.

O motorista da missão, Aquiles Joaquim, queixa-se de uma dor que não sangra, mas que lhe pesa no espírito.

O difícil convívio com as memórias instala-se agora.

Naqueles dias, há duas semanas, também viu o que nunca pensou ver, mas era preciso agir, não havia muito tempo para pensar.

Ele foi o condutor que salvou algumas vidas da aldeia quando as águas subiram, improvisando um leme no lugar do volante.

Desesperado, com água e lama a engolir a aldeia inteira, recorreu a uma brincadeira de infância para se salvar a si e aos outros: construiu duas canoas com troncos de bananeiras e foi atrás do choro de crianças e gritos de socorro que vinham de árvores e telhados de casas.

A embarcação improvisada por Aquiles seguia lenta, muito mais lenta do que desejava e face ao desespero deu prioridade ao salvamento de crianças.

"Dói muito, ficámos muito tristes", descreve, ao falar da morosa operação de resgate a 16 de março, que não evitou que várias pessoas fossem arrastadas pelas correntes.

Mas conforta-se com as 40 famílias salvas pelos seus meios, agora abrigadas numa escola da missão.

Ernesto Francisco, outro sobrevivente de Dombe, foi parar à missão agarrado a um tronco e quando conseguiu chegar ao pé de uma das canoas de bananeira de Aquiles, ainda fez oito viagens contra a corrente, salvando a esposa com um bebé no colo, outros adultos e crianças.

Agora, vai recomeçar a vida do zero, pela segunda vez, depois de ter perdido tudo nas cheias de 2006, antes de ser reassentndo na aldeia, agora devastada por água.

"A primeira necessidade foi dar-lhes um lugar, porque estavam bem traumatizados", disse à Lusa Miriam Santos, freira católica.

"Vinham com infeções respiratórias, diarreias e malária", descreve, pelo que foi preciso providenciar alimentos, roupas e medicamentos para todos - e a comida foi reforçada, entretanto, através do Programa Alimentar Mundial (PAM).

Corpo e mente pedem ajuda: às mazelas do corpo (fome e doenças) os apoios atendem como se pode, as da mente permanecem abertas ao cuidado de cada sobrevivente.

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