O mais interessante do centenário das aparições de Fátima foi a inversão de papéis a que tanta gente se prestou. Por um lado, passou diante de nós uma procissão de padres desentranhando-se em razões para se distanciarem e até ridicularizarem Fátima: ‘Maria não vem do céu por aí abaixo’ (bispo Carlos Azevedo), ‘Nossa Senhora não apareceu em Fátima’ (padre Anselmo Borges), ‘não acredito em Fátima’ (frei Bento Domingues) ou ‘aquilo [a imagem de Nossa Senhora] não é nada. É um pedaço de barro’ (bispo Januário Torgal Ferreira). Até o Papa afinou por um diapasão parecido: ‘Maria não é uma santinha a quem se recorre para obter favores a baixo custo’, disse, enquanto canonizava os pastorinhos.
Por outro lado, houve um cortejo de ateus, aliás muito cuidadosos em anunciar-se como tais, que revelaram um óbvio fascínio pelo fenómeno. Desde logo, o primeiro-ministro, com a famosa tolerância de ponto. Depois, o PCP: um editorial do ‘Avante’ reconheceu que Fátima criou ‘raízes’ entre os comunistas e que Cunhal antecipou muito do que o Papa Francisco agora diz. Finalmente, foram os intelectuais avulsos, de direita e de esquerda, rendidos à evidente dimensão do culto. Claro que, enquanto estas eminências religiosas e culturais se martirizavam, o espectáculo de Fátima decorreu como de costume, naquela mistura de fé genuína, superstição, idolatria, festa, feira, evento social (com várias celebridades a marcarem o ponto e muita gente a aplaudir Marco Paulo tanto quanto o Papa).
A verdade é que Fátima sempre foi isto: um fenómeno popular vagamente incompreensível para as elites, mas que estas sempre tentaram domesticar. A Igreja demorou quase 20 anos a credibilizá-la, e hoje, 100 anos depois, grande parte dela ainda a detesta. O Estado Novo instrumentalizou-a para fins políticos.
Chegou agora a vez de a democracia e os seus ateus fazerem o mesmo.
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