Cansados, barba hirsuta, sujos e algo malcheirosos, avançam para o controlo de passaportes. Um é alto e louro, o outro moreno de cabelos negros lisos – tão moreno que passa bem por paquistanês ou indiano. São colegas de trabalho. As contingências das escalas obrigam-nos a passar por Londres. O ‘very british’ funcionário de Schengen sorri ao branquinho, que avança para território inglês. Mas, a um sinal do chefe, o moreno é travado logo ali. Convidam-no a seguir para uma sala ao lado. Porquê? Vai ser interrogado. O rapaz enerva-se, gesticula, fala mal inglês. "I have passaport de Portugal!" Lança impropérios em dialecto incompreensível, até que um polícia lhe lança as algemas aos pulsos. Um pandemónio.
Os ingleses, como tantos outros ilhéus, são muito ciosos do que é seu, ainda que o seu chá seja plantado longe, e o ‘chá das 5’ tenha sido introduzido por uma rainha portuguesa. Para o inglês comum, existe a Inglaterra, o resto é paisagem, o "abroad" (lá fora). O sr. Cameron, supondo-se um democrata mais inglês do que a Rainha, lançou o referendo do "ficamos ou piramo-nos da Europa?" Arrependeu-se logo. Na verdade, os anglo- -saxónicos nunca perceberam bem a diferença entre o referendo e o plebiscito. Na tradição do direito romano, o plebiscito é utilizado antes da criação da norma ou da lei, e é o Povo, pelo voto, que aprova ou não a questão em apreço. Quanto ao referendo, é convocado depois da aprovação da lei e serve, simplesmente, para ratificá-la ou não. Assim se instala a confusão. Não se fez nenhum plebiscito sobre a entrada ou não de Portugal na União Europeia ou na Zona Euro, como poucos outros países o fizeram. Mas agora, com a "perversão Cameron", vão saltar referendos que nem coelhos.
O referendo tem sido, quantas vezes, a justificação para a ditadura. Em Portugal, o perverso referendo de 1933 serviu para institucionalizar a ditadura de Salazar. Em cartazes nas ruas perguntava-se: "Portugueses! Quereis a desordem e a indisciplina, ou a disciplina e a ordem? Se sois pela ordem, votai na nova Constituição!" Pretexto para Fernando Pessoa escrever: "Mais valia publicar um decreto-lei que rezasse assim: Art.1 António de Oliveira Salazar é Deus; art. 2 Fica revogado tudo em contrário, nomeadamente a Bíblia!" Confusos, medrosos e orgulhosos, os funcionários ingleses de Schengen levaram duas horas a interrogar o baralhado português. Finalmente, explicaram-se: "Quem manda aqui somos nós, que somos pela ordem e pela disciplina!"
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Maneira cautelosa de prever o futuro sem se comprometer.
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