Um revolucionário sem revolução

O telefone toca manhã cedo. Estremunhado, Fernando escuta a voz tonitruante do amigo Artur. "O Papa morreu. Aqui há gato!" Fernando, católico de Esquerda, conhece de há muito as diatribes e convicções de Artur, agnóstico e fanático das teorias da conspiração. Sempre do Contra! Há uns anos, os amigos surpreenderam-se quando o velho libertário se tornou admirador e até estudioso do Papa Francisco. "O gajo é um revolucionário!" Os amigos riam-se. "Estás velho! Agora é que te deu para isso?!" Sempre contra "a padralhada reaccionária", Artur passou a recitar as posições polémicas e vanguardistas de Francisco. Sobretudo a tirada de 2015: "O capitalismo mata!" E outra que muito o reconfortava: "Para se ser um mau cristão, é melhor ser-se ateu!"(2013). Francisco, amante do tango e do futebol, tornou-se um "fenómeno", segundo Artur. E citava as palavras fora da caixa do Papa jesuíta. "Se um homossexual aceita Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-lo?!" Os amigos espicaçavam-no com as posições mais conservadoras de Francisco: "O aborto é um assassínio". Artur ia ao repique. "Pois! Mas também disse que evitar a gravidez não é um mal absoluto!" E contra-atacava. "E até disse que o dinheiro é o excremento do diabo!" O problema, segundo Artur, é que Francisco foi "um revolucionário sem conseguir fazer a revolução!"