Ana Rita Gil não se mostrou surpreendida com o chumbo das quatro normas da lei da nacionalidade.
A jurista Ana Rita Gil não se mostrou surpreendida com o chumbo das quatro normas da lei da nacionalidade pelo Tribunal Constitucional (TC) e avisou que o diploma pode levantar outras dúvidas legais caso entre em vigor.
Em declarações à Lusa, a especialista em direito público e uma das peritas consultadas pela Assembleia da República na elaboração dos diplomas -- a alteração à lei da nacionalidade e a norma no Código Penal que autorizava a retirada da cidadania a naturalizados no caso de crimes graves -- explicou que a decisão do TC era a "que se esperava" e o facto de ter sido tomada por unanimidade indica que as medidas previstas constituíam uma "afronta à Constituição".
"No meu entender era a decisão que se esperava" e "não fiquei de todo surpreendida, nem com a decisão de pronúncia pela inconstitucionalidade nem com os fundamentos", explicou Ana Rita Gil, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
As quatro normas que o PS pediu fiscalização preventiva foram chumbadas pelos juízes, pelo que "não é apenas um princípio constitucional ou uma norma constitucional que está em causa", mas "muitos fundamentos", principalmente no que diz respeito à proposta, agora recusada, de permitir a perda de nacionalidade a quem cometa crimes graves.
"Este é o princípio mais difícil de contornar" pela maioria parlamentar, porque o TC "julgou inconstitucional a proposta por muitos fundamentos", entre os quais o tipo de crimes que levavam à perda ou o facto de existirem muitos naturalizados que perdiam a sua cidadania original e não poderiam ficar sem nacionalidade.
"O TC considerou, e bem no meu entender, que determinados crimes comuns", como "posse de arma, ofensa à integridade física ou crimes sexuais", não podem "justificar a perda da nacionalidade, mas deixou a porta aberta que crimes que sejam atentados aos interesses vitais do Estado possam levar a acarretar uma perda", explicou a jurista.
Agora, para que haja a possibilidade de perda de nacionalidade, será necessário tratar todos os cidadãos por igual, independentemente de serem nacionais ou naturalizados, de modo a que não haja uma "violação do princípio da igualdade" e "não me parece que o Parlamento queira estender" a medida a todos os cidadãos.
O discurso político, considerou, tem visado algumas nacionalidades como causadoras de problemas e, nestes casos, a nova lei acabava por ter uma série de limitações na sua aplicação, porque países como a China, Bangladesh, Nepal, Índia ou Paquistão não permitem a dupla cidadania.
Pelo contrário, esta lei iria "prejudicar as pessoas que são de países que permitem a dupla nacionalidade", como são os casos dos lusófonos, exemplificou Ana Rita Gil.
O TC pronunciou-se apenas sobre os pedidos do PS, como impõe a lei, mas existem outros pontos que podem suscitar dúvidas nos juízes, caso a lei seja aprovada, avisou a jurista.
O PS "fez as perguntas sobre normas que tinha mais certeza que eram inconstitucionais, mas há outros pontos a analisar", explicou, dando exemplo ao aumento das exigências para o acesso à nacionalidade por menores nascidos em território nacional ou desacompanhados que estejam institucionalizadas como normas que incorrem nesse risco.
Uma questão que Ana Rita Gil considera não ser inconstitucional mas que pode levantar dúvidas são os prazos diferenciados no acesso à nacionalidade entre naturais de países lusófonos e do resto do mundo.
"Acredito que o tribunal pode ser vir a ser chamado a pronunciar-se", embora "eu ache que não é inconstitucional, mas é uma questão que pode ser estudada". Outra matéria é o "requisito de ter meios económicos suficientes para se ser naturalizado no regime de naturalização comum", uma exigência que também levanta dúvidas porque cria diferenciação no acesso a um direito.
Sobre as quatro normas que foram chumbadas pelo TC, a nova lei terá de as expurgar ou alterar e Ana Rita Gil espera que o Parlamento não abra o precedente de desafiar os juízes e forçar a aprovação da lei com uma maioria de dois terços, alcançável através dos votos dos partidos de direita.
Se isso for feito, "mais tarde, em sede de fiscalização sucessiva, o diploma será sujeito a fiscalização do TC" e se for declarado inconstitucional terá de regressar ao parlamento.
"Nunca concordei muito com esta norma de se poder superar o voto de inconstitucionalidade" através de um voto de uma maioria de dois terços, disse à Lusa Ana Rita Gil, considerando que essa solução iria criar um impasse jurídico no país sem precedentes.
Isto porque a "decisão do TC não é propriamente uma decisão que reflita as maiorias" parlamentares do momento, mas sim o respeito do texto legal.
"Nós temos o princípio do Estado democrático e o princípio do Estado de Direito e o TC, o que faz muitas vezes, é defender o direito das minorias que não têm voz no Parlamento", explicou a professora universitária, que saudou a decisão do PSD, que já disse que vai respeitar o chumbo.
"O governo está vinculado à Constituição e o tribunal é o guardião da Constituição", resumiu, considerando que mesmo uma revisão não irá afetar os fundamentos que levaram a estas decisões.
"O princípio da proporcionalidade não é algo que será mudado. Não é possível fazer uma lei, e muito menos uma Constituição, à medida de casos isolados", acrescentou.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.