O ordenado de juiz desembargador, a rondar os três mil euros líquidos, é curto para dois mil euros de renda do apartamento T3 no luxuoso condomínio Terraços da Barra, no Dafundo, em Algés. Sobretudo quando somados a mais de 500 € de prestação do empréstimo da compra do Range Rover novo, que custa, na versão base, 86 mil €.
E isto para quem tem três filhos, dois ainda menores. Por isso Rui Rangel tinha sempre quem lhe pagasse, à vez, a renda da casa e o empréstimo do jipe – diferentes empresários que, segundo a investigação da PJ, terão corrompido o juiz em processos judiciais que decidiu.
A vida financeira do juiz Rangel é um emaranhado de transferências bancárias – feitas por várias pessoas, algumas delas a Unidade de Combate à Corrupção da PJ, e o Ministério Público, apuraram terem sido beneficiadas pelo desembargador em acórdãos que proferiu no Tribunal da Relação de Lisboa. São esses empresários que sustentam a vida de luxo do juiz – começando por lhe pagarem, mensalmente, a casa e o jipe.
Toda esta gestão era feita pelo pivô do esquema de corrupção e de branqueamento de capitais provenientes dos subornos – o advogado Santos Martins, um dos 5 detidos da operação Lex. Amigo de longa data de Rangel, organizava-lhe a rede de contactos, além de receber e guardar dinheiro para o magistrado. Depois, tinha o cuidado de fazer chegar ao juiz quantias sempre até dez mil euros, para não acionar alertas de branqueamento.
Foi, de resto, o que a Judiciária apanhou Santos Martins a fazer no caso mais flagrante de corrupção que consta neste processo, quando convenceu o filho Bernardo – também agora detido – a colocar a conta bancária ao dispor de José Veiga, para que este transferisse 300 mil € destinados a Rui Rangel.
É isso que faz, para já, de Veiga o maior corruptor do juiz. E, em troca, o empresário terá sido favorecido em decisões na Relação – nomeadamente no caso João Pinto, em que o antigo jogador e José Veiga, que o representava, respondiam por fraude fiscal quando o primeiro assinou pelo Sporting, em 2000.
Há outros casos em investigação, com Rangel a ser suspeito, por exemplo, de ter levantado o arresto dos bens de Álvaro Sobrinho, no valor de 80 milhões de euros, a troco de luvas. A PJ acredita que o acórdão do juiz foi feito pela ex-mulher, Fátima Galante, e que Rangel se limitou a assinar.
Tinha 10 mil euros em notas de 500 escondidos numa arrecadação Rui Rangel guardava 10 mil euros em notas de 500 numa arrecadação do apartamento de luxo. O dinheiro foi descoberto nas buscas realizadas por inspetores da PJ, que foram acompanhadas pelo conselheiro Souto de Moura, antigo procurador-geral da República. Este foi sorteado para o caso, porque buscas a um juiz desembargador só podem ser presididas por um juiz do Supremo.
Mulher presa em Tires e homens na PJOs cinco arguidos detidos passaram ontem a terceira noite na cadeia, após terem sido presos na terça-feira. Os quatro homens estão na prisão anexa à PJ e Rita Figueira, ex-companheira de Rangel, no estabelecimento de Tires.
‘Assina de cruz’ milhões de Angola
O acórdão da Relação de Lisboa que devolveu a Álvaro Sobrinho imóveis no valor de 80 milhões de euros, que se encontravam arrestados, estava distribuído a Rui Rangel na 9ª secção criminal mas terá sido escrito pela sua ex-mulher, Fátima Galante, também juíza desembargadora no mesmo tribunal, mas na 6ª secção cível.
Na tese do Ministério Público, Rui Rangel terá apenas ‘assinado de cruz’ o acórdão, de novembro de 2015, após tanto ele como Fátima Galante terem sido corrompidos pelo empresário angolano Álvaro Sobrinho. O intermediário para o crime terá sido o advogado do banqueiro, João Rodrigues, antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, que foi constituído arguido ao regressar de uma viagem a Angola.
Agora, a decisão pode vir a ser anulada e todo o processo reaberto e reapreciado. Os 30 imóveis foram arrestados no âmbito de uma investigação por branqueamento de capitais. Álvaro Sobrinho, antigo patrão do BES Angola, ainda se encontra sob investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que em abril de 2015 pediu o arresto dos bens - quatro prédios e 26 apartamentos, no empreendimento Estoril Sol - ao juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal.
O pedido, que visava garantir o pagamento de eventuais indemnizações a que Sobrinho fosse condenado, foi aceite pelo superjuiz Carlos Alexandre, no processo 244/11. Álvaro Sobrinho recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa. O processo acabou distribuído a Rui Rangel - provavelmente de forma fraudulenta através do oficial de Justiça Octávio Correia - e este e a ex-mulher, Fátima Galante, terão sido abordados e corrompidos por João Rodrigues, advogado de Sobrinho, a pedido deste, segundo a teoria do Ministério Público.
Os juízes estão indiciados por corrupção passiva e João Rodrigues por corrupção ativa. O angolano não deverá escapar a ser constituído arguido no processo. Os imóveis avaliados em 80 milhões de euros acabaram devolvidos em janeiro de 2016. Rui Rangel alegou que a investigação era "uma mão- -cheia de nada".
"Parei apenas por simpatia" Luís Filipe Vieira saiu de casa ontem de manhã e, ao passar pelos jornalistas, mandou o motorista parar. Abriu a janela mas, quando questionado, recusou-se a responder. "Parei apenas por simpatia", disse.
Os últimos dias antes de cair em desgraça Nos dias anteriores à operação Lex – que ocorreu na terça-feira – Rui Rangel manteve uma vida aparentemente normal. Na quinta-feira, dia 25 de janeiro, esteve na festa de lançamento da marca Eusébio, no Palácio Foz, e até se deixou fotografar ao lado do apresentador Fernando Mendes, do maestro Vitorino de Almeida e do jornalista João Malheiro. Segundo a revista ‘Sábado’, Rangel foi visto a sair de casa à hora habitual e no sábado marcou presença num jogo de futebol com amigos e familiares não muito longe de casa.
O fim de semana foi marcado pela descontração: no domingo saiu de casa em traje informal ao volante do seu luxuoso Range Rover. Na 2ª feira, véspera da operação, voltou ao trabalho no Tribunal da Relação: o mesmo jipe esteve durante várias horas mal estacionado no parque da praça do Município, a poucos metros do edifício onde o juiz trabalha.
Falta ao trabalho por razões pessoais Rui Rangel não compareceu ontem ao trabalho na 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) por "razões de natureza pessoal", informou o presidente do TRL, Orlando Nascimento, sem adiantar pormenores.
"Vou esclarecer tudo na Justiça" "Estou de consciência absolutamente tranquila. Confio na Justiça, onde terei oportunidade de esclarecer tudo o que houver a esclarecer para o apuramento da verdade", afirmou o vice-presidente do Benfica Fernando Tavares.
PORMENORESPSP chamada à RelaçãoO jornalistas foram impedidos de consultar as pautas sobre as decisões da 9ª secção criminal previstas para ontem. A situação só foi desbloqueada após intervenção da PSP.
13º arguido conhecidoNuno Proença, que seria uma das pessoas que ajudava a ocultar o património do juiz Rui Rangel, foi ontem constituído arguido no processo. É o 13º arguido no âmbito da Operação Lex, cinco dos quais estão sob detenção desde terça-feira.
Porta das traseirasOs arguidos detidos entraram ontem pela porta das traseiras do Supremo Tribunal de Justiça. Este acesso tem sido usado para realizar as mudanças do edifício: o Supremo vai para obras em breve.
As três mulheresFátima Galante, Rita Oliveira Figueira e Bruna Amaral são as três mulheres da vida do juiz Rui Rangel. Todas têm filhos do juiz e foram constituídas arguidas no processo por suspeita de ajudar a ocultar dinheiro ilícito.
Corrupção e fraudeNa operação Lex investigam-se crimes de tráfico de influências, corrupção, recebimento indevido de vantagem, branqueamento de capitais e fraude.