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APAV recomenda atenção à privacidade e segurança das vítimas na comunicação de crimes

Associação considera que as recomendações passam por tentar minimizar ao máximo as situações de julgamento social.

23 de outubro de 2025 às 17:24

A cobertura mediática de crimes deve respeitar a dignidade, privacidade e vontade das vítimas, proteger informações pessoais, evitar julgamentos sociais, garantindo que qualquer testemunho seja voluntário e seguro, recomendou esta quinta-feira a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).

"Enquanto organização que apoia as vítimas, efetivamente a nossa prioridade é sempre garantir que os direitos, os interesses e também as necessidades das vítimas são assegurados em todos os momentos", disse Cíntia Silva, criminóloga na APAV, que falava à Lusa a propósito de dois crimes de violência de filhos contra pais, ocorridos esta semana, que estão a ser investigados pela Polícia Judiciária.

Um dos casos foi o homicídio da vereadora de Vagos (distrito de Aveiro) Susana Gravato, alegadamente cometido pelo filho de 14 anos, e o outro a tentativa de homicídio do ex-presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo José Manuel Anes, pela filha.

Cíntia Silva realçou que os órgãos de comunicação social desempenham "um papel muito importante na perceção social do crime", na avaliação do risco que as pessoas sentem de se tornarem vítimas e no medo que podem ter de determinados tipos de crime.

Ao mesmo tempo, podem ter um impacto no processo de vitimação, advertiu, salientando que, por estas razões a APAV tem recomendações sobre como os media devem abordar "estas situações tão delicadas".

"As nossas recomendações são sempre no sentido de tentar minimizar ao máximo as situações de julgamento social. Porque existem instâncias e locais próprios para que o julgamento seja feito e sabemos que hoje em dia uma grande parte desse julgamento é feito através da internet e nas redes sociais", afirmou.

Segundo a especialista, também se deve evitar situações de vitimação secundária em que as vítimas acabam por reviver os aspetos negativos relacionados com a situação de que foram alvo.

Cíntia Silva destacou a importância de "dar voz a quem quer falar, a quem quer partilhar o seu testemunho".

"Muitas vezes as vítimas desejam falar e até pode ser parte do processo de recuperação", mas é igualmente necessário respeitar quem decide não o fazer.

Defendeu que todas as abordagens realizadas devem ser feitas com sensibilidade e respeito, considerando que as pessoas estão numa situação de "enorme vulnerabilidade" face ao crime que sofreram, e deve evitar-se "ao máximo fazer qualquer tipo de juízo de valor" mesmo relativamente ao infrator, devendo presumir-se a inocência até à sentença transitada em julgado.

Cíntia Silva destacou ainda que a vida privada e a intimidade da vítima devem ser respeitadas: "Mesmo quando as vítimas decidem falar e partilharem o seu testemunho, há pormenores da sua vida privada que deverão ser protegidos", disse, sublinhando que "a segurança e a proteção das vítimas têm que estar sempre em primeiro lugar".

Também deve ser garantido que o espaço onde as entrevistas são realizadas ou onde são recolhidas informações das vítimas seja adequado, preservando a intimidade e a segurança das pessoas envolvidas, salientou.

Questionada se a forma como se noticiam estes casos pode potenciar situações semelhantes, Cíntia Silva disse que "pode de alguma forma influenciar", mas ressalvou que "cada caso é um caso e vai depender sempre de várias circunstâncias, vários fatores e não apenas de uma única causa".

Mais de 2.800 pais agredidos pelos filhos pediram ajuda à APAV, entre 2022 e 2024, um aumento de 27,1%, com uma média de 2,6 casos por dia.

"Só em 2024, apoiámos cerca de 1.036 vítimas e, muitas destas situações estão enquadradas dentro do crime de violência doméstica", salientou.

Relativamente a homicídios cometidos por filhos contra pais, a especialista disse que a rede especializada da APAV "Hope", em funcionamento desde 2013, registou um único caso.

"Não temos muitos dados relativamente a situações de homicídio, mas percebe-se que temos tido mais vítimas por parte dos filhos. Outros tipos de violência que estão a aumentar, ou as pessoas pedem-nos mais ajuda", concluiu.

Quanto aos motivos, disse que podem coexistir várias circunstâncias, como questões financeiras, consumos de substâncias, problemas do foro mental.

Quando os agressores são mais jovens, disse, "a exposição à tecnologia e a exposição cada vez mais precoce à violência também podem ser fatores com algum impacto nestas situações".

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