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Igreja indemnizará vítimas de abusos sexuais

"Temos de assumir todas as consequências. Não é só bater nas costas umas palmadas, vou rezar por ti, e cada um à sua vida”, afirma, em entrevista ao CM, D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa’.

24 de dezembro de 2021 às 13:00

A Igreja portuguesa vai indemnizar as vítimas de abusos sexuais que foram praticados por sacerdotes ou no seio de instituições católicas, revelou o bispo auxiliar de Lisboa e coordenador-geral da Jornada Mundial da Juventude, D. Américo Aguiar, em entrevista ao CM. A ordenação de mulheres, o casamento de sacerdotes e a febre consumista que desvirtua o espírito natalício foram outros temas abordados nesta conversa.

Correio da Manhã - Mais de um milhão de jovens marcará presença na Jornada Mundial da Juventude, que irá decorrer em Lisboa entre 1 e 6 de agosto de 2023. Já se sabe onde vão ficar tantos jovens?

D. Américo Aguiar – Tal como a azáfama na casa dos leitores do CM, com as couves, as batatas, o bacalhau, a chegada dos familiares, também já estamos um bocadinho com esse ‘stresse bom’, para aquilo que será a logística necessária ao alojamento dos jovens. Será feito de um modo especial nas famílias. Vamos convidar as famílias de Lisboa, Setúbal, Santarém, para acolher jovens em sua casa, mas também teremos acolhimento em pavilhões, instalações militares, instalações coletivas. Quanto maior for o número de jovens, maior será a necessidade de alargar os alojamentos.

- Esse trabalho já começou?

– Já começámos a fazer o levantamento dos espaços coletivos, as escolas, os quartéis, os pavilhões. Daqui a alguns meses abriremos as inscrições para as famílias que queiram acolher jovens nas suas casas.

- E em matéria de transportes, o que vai ser feito?

– Estamos a trabalhar o programa dos jovens nessa semana de maneira a evitar a necessidade de se moverem nos transportes públicos em hora de ponta. Já sabemos que em agosto a hora de ponta é um bocadinho diferente, mas, mesmo assim, a programação terá em conta evitar a utilização dos transportes em momentos mais complicados. Também estamos a trabalhar com as câmaras de Lisboa e de Loures e a autoridade metropolitana, que gere os transportes, de maneira a que possamos ir programando aquilo que será a utilização dos transportes por parte dos jovens, o metro, a Carris, a Transtejo, o comboio.

- Um evento que trará a Portugal o Papa Francisco. Já se sabe por onde vai andar?

– Não fazemos ideia

- Nem Fátima é seguro?

– O Santo Padre manifestou o desejo e vontade de se deslocar a Fátima no contexto da sua vinda à Jornada Mundial da Juventude. Não sabemos se fará isso no primeiro dia, se no último dia, se durante a Jornada. Será calendário a fechar mais para a frente, assim como a presença do Papa em atos para além daquilo que é a programação oficial.

- Qual é a programação oficial?

– Boas-vindas na quinta-feira [3 de agosto], a via sacra na sexta, a vigília no sábado, a missa final no domingo e, depois, o encontro com os voluntários. Os acontecimentos que são alicerce da Jornada são estes. Depois, toda a agenda é preenchida com aquilo que há de ser o critério do Papa. Sabemos, de jornadas anteriores, que quer visitar obras de valência das crianças, dos idosos, dos deficientes. Também existem muitos convites, de instituições, de locais, mas o Papa é que responderá.

- Quando é que estará fechado o programa da visita?

– Muito mais em cima do acontecimento.

- Início de 2023?

– Início ou poucos meses antes da concretização. Foi isso que aconteceu nas outras jornadas. Só muito mais em cima da data saberemos as opções do Papa e da Santa Sé extra Jornada Mundial da Juventude e que estarão dependentes da atualidade.

- Papa Francisco que tem várias tarefas em mão, como o combate à pedofilia e abusos sexuais na Igreja. A Conferência Episcopal Portuguesa prometeu uma investigação exaustiva sobre eventuais casos ocorridos nas últimas décadas. Porquê só agora?

– Estamos a fazer um caminho. Um caminho que não começou hoje nem vai terminar amanhã, para o qual o Papa Francisco, o Papa Bento XVI e, de certo modo, o Papa João Paulo II nos foram chamando a atenção, nos foram sensibilizando, para que a Igreja, num todo, fizesse esse caminho: assumir no nosso coração, naquilo que é a nossa responsabilidade, acontecimentos dolorosos de vivência por parte de eclesiásticos. Porquê só agora? O importante é termos consciência que assumimos no nosso coração este desafio do Papa Francisco.

- Desafio que veio alterar substancialmente a forma de lidar e de tratar o problema.

– Sem dúvida. Vejamos o seguinte. As vítimas estão no top das nossas prioridades e preocupações. E se um acontecimento destes for protagonizado por um eclesiástico e existir um top de gravidade, ele está no top dessa gravidade. Podemos falar do pai, do avô, do tio, do professor, do profissional disto e daquilo, mas quando estamos a falar de um eclesiástico, estamos a falar de alguém cuja missão e cuja vocação diariamente e permanentemente é chamar os outros a atenção e sensibilizar os outros para valores totalmente diferentes daquilo que é esse ato hediondo da parte desse eclesiástico. Isso está certo para nós. Não há qualquer tentativa de desvalorização, de desresponsabilização em relação ao problema. Esse comportamento acabou, terminou. O Papa pede-nos tolerância zero e transparência total. É o que temos feito.

- A Igreja está preparada para assumir financeiramente as consequências?

– Quando o Papa nos pede para assumirmos na totalidade aquilo que foi a vivência de uma circunstância destas, temos de assumir todas as consequências do que estamos a dizer. Não é só bater nas costas umas palmadas, vou rezar por ti, e cada um à sua vida. Agora, temos que ver como é que isso acontece naquilo que é a responsabilidade de cada um. Podemos estar a falar da responsabilidade de uma pessoa, de uma instituição, de uma responsabilidade num nível diocesano ou a nível da Igreja como um todo. Temos de ver como é que isso se articula, mas tendo como prioridade o respeito pela vítima. E temos de evitar que a vítima volte a ser vítima. Não agora de um abuso sexual, mas vítima de um sistema ou de uma circunstância em que, por ventura, volte a sofrer pelo simples facto de ter aberto o seu coração e de ter partilhado o seu sofrimento. Porque não é fácil a uma pessoa, por exemplo, um homem casado, com filhos, com quarenta e tal anos, vir denunciar uma situação que tenha vivido na sua adolescência. É nossa obrigação, a Igreja, a sociedade, criarmos as condições necessárias de segurança e de confiança para que as potenciais vítimas possam fazer a denúncia.

- Outra preocupação do Papa Francisco é a de dar outro lugar à mulher na Igreja. A nomeação da freira franciscana Raffaella Petrini, para "número dois" do Vaticano é disso exemplo. Mais um passo para a ordenação de mulheres?

– Não sei. Eu acho que a importância do papel da mulher na Igreja é indiscutível. Podemos, às vezes, é estar a falar do exercício de mais ou menos poder e o que isso significa. Porque, quando vou a uma comunidade ou quando conheço uma comunidade, meus amigos, as mulheres é que mandam naquilo. É uma verdade, constata-se. Vamos à catequese e as senhoras são a maioria, vamos a tantas áreas da pastoral e as mulheres têm uma presença quase esmagadora. Agora, se associarmos o poder àquilo que é o exercício ministerial dos sacerdotes, se porventura, se pode entender que ser padre é o topo da carreira na comunidade, entender-se-á que as mulheres possam entender, algumas ou todas ou a sociedade em geral, que falta chegar lá. Não é o meu entendimento nem acho que seja o entendimento das mulheres que estão empenhadas na pastoral da vida da Igreja. Quanto à questão da ordenação das mulheres, da importância da mulher na Igreja, é óbvio que vai ficando reforçado. O Papa vai sensibilizando, cativando e conquistando cada vez mais a normalidade desse assunto, quando chama mulheres para exercício de tarefas muito visíveis. Neste pontificado já muitas outras nomeações aconteceram e também nas nossas dioceses e nas dioceses do Mundo inteiro.

- Gostava de ver padres casados?

– Não gostava nem deixava de gostar. Eu sinto que Deus me chamou para o exercício desta ovação. E chamou-me neste quadro, que é uma opção livre. No dia em que concluir que a minha felicidade passa por não corresponder a essa circunstância, o que eu devo fazer, em consciência, é pedir à Igreja que me dispense do mesmo, como acontece com tantos ao longo dos tempos. Agora, não creio que seja uma urgência que passe no coração dos sacerdotes todos os dias, ou em cada dia, ou em cada circunstância, e até constato, nos sacerdotes que eu conheço, o exercício de uma vida feliz neste contexto, nestas circunstâncias. Sem o celibato podia acontecer? Podia, não sei se seria a mesma coisa. Eu vivo bem com esta circunstância, os sacerdotes dos presbitérios que eu conheço também. Acho que todos os assuntos podem ser falados e caberá em cada tempo, a cada responsável, avaliar da oportunidade de fazer qualquer alteração.

- O fim do celibato não podia ser um travão aos abusos sexuais na Igreja?

– Aí é que eu discordo totalmente. Porquê? Entra pelos olhos dentro. Ainda há pouco o CM tinha uma peça sobre os últimos números que a PJ partilhou de uma base de dados e, infelizmente, aquilo que se verifica é que em noventa e muitos por cento dos problemas de abuso sexual, os protagonistas são casados, não são celibatários. Não é sério, não é verdade que se possa associar este tipo de crimes à questão de ser ou não ser celibatário.

- Ainda faz sentido falar em Natal cristão, com a febre do consumo que se vive por estes dias e o Pai Natal a ocupar o lugar do Menino? Bento XVI foi particularmente crítico com esta ‘ditadura do consumo’.

– O Natal comercial esmaga quase totalmente a possibilidade de o Menino poder nascer na simplicidade das palhinhas, com tudo aquilo que isso significa. Mas, apesar de tudo, o Natal ainda toca no coração das pessoas. E nós, felizmente, continuamos a ver, no nosso país, e por este Mundo fora, gestos, comportamentos, campanhas que ainda têm a marca profunda deste sentimento natalício.

- Pelo menos, um sentimento de solidariedade.

- Pelo menos isso, se isso é pouco. Agora, temos de fazer um esforço, todos, por salvaguardar este espírito, porque senão este braço de ferro entre o que deve ser o Natal e aquilo que é o Natal, um dia pode sair vencedor o lado de um Natal comercial. Depende de cada um de nós e é um exercício que temos de fazer permanentemente. Não somos os donos do Menino Jesus nem somos os donos do Natal, mas a Igreja também é chamada a ter um cuidado especial naquilo que significa salvaguardar a pureza daquilo que é a vivência e a marca. O Natal não pode ser só um feriado e umas férias, tem de ser muito mais do que isso.

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