Proposta visa permitir às autoridades a usar sistemas de rastreio automático para conseguirem identificar material que contenha evidências de abuso sexual.
O advogado João Leitão Figueiredo defende, em entrevista à Lusa, que é preciso ponderar sobre os valores que estão em confronto na proposta europeia do 'Chat Control' como o direito à privacidade, considerando que poderá ter uma natureza excessiva.
A proposta visa permitir às autoridades obrigarem as empresas detentoras de ferramentas que prestam serviços de comunicação, como sejam WhatsApp, Messenger, Gmail, a usar sistemas de rastreio automático para conseguirem identificar material que contenha evidências de abuso sexual de crianças ou tentativas de aliciamento 'online'.
Questionado sobre de que forma esta proposta colide com o direito à privacidade, o jurista da CMS Portugal dizer ter "muitas dúvidas" quanto a isso.
"Essa pergunta é excelente e deve-nos fazer, acima de tudo pensar e ponderar nos valores que aqui estão em confronto, obviamente que estamos a falar de crimes de natureza sexual, que são crimes hediondos" e "estamos a falar de um grupo particularmente vulnerável quando estamos a falar de menores, de crianças", prossegue.
Mas também "não nos podemos em momento algum esquecer que surgem questões relativas à privacidade e à proteção de direitos fundamentais e a questão da inviabilidade das comunicações", pelo que "ao permitir uma monitorização preventiva das mensagens privadas estamos a permitir que alguém entre e esteja a assistir àquilo que é a troca de mensagens privadas e o seu conteúdo entre dois particulares", enquadra o jurista.
Ou seja, "estamos a falar de monitorização preventiva", prossegue, referindo que o fim último do regulamento é relevante.
Contudo, "não podemos deixar de considerar que isto implica uma destruição inalterável da confiança do sigilo das comunicações", aponta o jurista.
Até porque "basta haver esta suspeita para haver uma verificação preventiva e seja emitida uma ordem para verificação preventiva" e "a minha vida pode ser toda exposta para destes mecanismos de controlo", diz, questionando-se até que ponto se está perante um "mecanismo necessário e proporcional".
João Leitão Figueiredo sublinha que o 'Chat Control' tem uma natureza generalizada e preventiva. Desta forma, "uma vez emitida a ordem de deteção, todas as comunicações num serviço podem ser analisadas ainda que nada tenham a ver com o objeto da averiguação, independentemente de existir uma suspeita concreta dirigida a utilizadores específicos".
Em suma, "temos aqui uma amplitude que gera, pelo menos na minha visão sobre esta matéria, fundadas suspeitas sobre a sua proporcionalidade", acrescenta, reiterando considerar relevante que se tente identificar formas de combater o abuso sexual de menores.
Agora, "até que ponto é que estamos a quebrar uma das barreiras essenciais da nossa sociedade, que é a possibilidade de comunicarmos em privado e é um princípio fundamental, não apenas no nosso ordenamento jurídico desde logo a Constituição, mas também na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia", pergunta o jurista.
Questionado sobre se este regulamento tem 'pernas para andar', admite que: "Atendendo ao estado tão polarizado da nossa sociedade e às pressões para que se combatam um determinado tipo de situações, a pressão também para a adoção de medidas possa levar-nos a cometer algumas precipitações".
Aliás, tal como ocorreu com o AI Act (regulamento europeu de inteligência artificial], "parece-me também que este 'Chat Control' poderá ter uma natureza excessiva, ou pelo menos da visão que eu tenho sobre o que está a ser discutido atualmente parece-nos claramente uma abertura a uma atuação por parte das autoridades, que deverá ser analisada com maior cautela e cuidado".
Até porque "temos inclusivamente legislação europeia, desde logo o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, que vem impor um conjunto de salvaguardas para a proteção, em particular, de informação de natureza sensível", diz.
"Podemos estar a garantir, mediante este tipo de averiguação, acesso não apenas aos factos, elementos que poderão ser essenciais para uma averiguação criminal, que aí até poderia ser justificada, mas um acesso indiscriminado a toda a informação, poderemos ter acesso a informação empresarial, comunicações profissionais, tudo aquilo que são as nossas obrigações, desde os advogados, aos médicos, aos jornalistas", refere.
Perante isto, é preciso ter a capacidade de sopesar os dois valores: "a proteção dos menores, com certeza que é um valor relevante, e também, no fundo, a proteção dos direitos constitucionais que nós temos, e verificar se a compressão de um direito constitucionalmente consagrado é adequada para a salvaguarda", defende.
O jurista questiona se não haverá outras formas menos intrusivas de educar os menores a usar as ferramentas 'online' de forma adequada.
"Mais uma vez me parece que esta tutela jurídica poderá ajudar a diminuir a importância daquilo que são obrigações, não apenas dos pais, dos tutores, mas das escolas, desde logo uma educação, uma consciencialização adequada e a capacitação dos menores, das vítimas, para evitar colocar-se em situações de risco", diz.
Nesse sentido, "será que não devíamos disciplinar e continuar a trabalhar mais, impor regras para que crianças muito jovens, sem capacidade ainda de compreender plenamente o que significa a utilização destas ferramentas, não as utilizem até a uma idade em que tenham, do ponto de vista intelectual, a maturidade suficiente para perceber os riscos, as condutas que devem reportar aos seus pais, aos seus professores, a forma como se devem proteger", questiona.
João Leitão Figueiredo considera que há vários caminhos "talvez menos intrusivos" e "menos conflituantes" entre direitos fundamentais e a proteção de menores que poderiam ser explorados de forma mais adequada.
"Teremos seguramente, caso seja este o caminho a adotar na União Europeia, de regular muito seriamente todas as situações que possam consistir num abuso porque a utilização destes meios vai seguramente ter um impacto na nossa sociedade", conclui.
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