O dia do amor em Israel - Tub-beav - tingiu o Kibutz Gazit. O funeral de Oren Lifschitz desmente a simbologia do 9 de Agosto e põe à prova o significado da palavra do estabelecimento comunitário agrícola: pedra polida.
Quando em Novembro despisse a farda militar, Oren queria entrar num avião grande, pequeno, mas que o levasse à América do Sul. Contava o calendário para rever a terra ancestral dos seus pais. Vestiria a camisola da selecção da Argentina, tiraria fotos a cores, encheria a boca de ‘dolce de leche’. Depois da passagem pela capital do tango, regressaria à terra prometida que pouco lhe prometeu. Queria. Ouvir música, a bicicleta, o campo. Descansar os pés dos sapatos. Do resto, do complicado – do futuro – sabia nada. “Há tempo...”. Respondia.
Enganou-se. Pela guerra soube tudo. A breve duração com alarme final soava num beco no Sul do Líbano. Oren era camarada. Nunca fugiu da solidariedade. Nem quando o resultado do fogo cruzado feriu gravemente um parceiro de tropa, amigo de sonhos, fez pirueta ao próximo. Oren, jovem que cuspia na pólvora quis estancar uma hemorragia irreversível no abdómen do camarada. Por isso, não seguiu em frente. Voltou para o braseiro dos tiros. “Há tempo”. Mas não havia. Um míssil acertou-lhe o coração. Será enterrado hoje.
Agora. Às seis de uma tarde que aterrou cedo. Devagar. O motor do carro militar funerário soluça em andamento moroso. A vida é que teve pressa com a fantasia de 21 anos. Depositou-o num caixão. Cobre-o com a bandeira azul e branco. A estrela de seis pontos símbolo do estandarte nacional israelita não brilha. O cortejo é uma multidão de dores. Tudo o que não é lágrimas, são silêncios.
A família não caminha, arrasta os pés. Vão abraçados para acreditarem na dor. Mili e Offer – os pais do luto – olham para o céu. Deus encontra-se tão longe como a crença. Mas alguém que lhes responda qual foi a razão de não terem sido avisados que “aquela” vez, “aquela” vez, seria a derradeira. Fez dez dias. Guiaram até à fronteira e estiveram um dia juntos. Oren tinha dois objectivos nessas horas de miniliberdade: beijar a tumba de um amigo de infância que partiu nesta guerra. E voltar a casa. “Se soubéssemos. Se soubéssemos, teríamos morrido por ti”. Keren, a irmã de Oren, não quer saber do firmamento. Estende os braços. Parte os músculos. Os dedos nunca chegam à urna. Não chora. Geme. Pede: “não vás”. Eran, o irmão mais velho precisa de espaço para suportar a mágoa. Põe e tira as mãos dos bolsos. Dobra o lombo. Dói-lhe o frio.
A viatura parou. Keren grita que não. Que quer ir, morrer, também. Ou irão os dois. Ou Oren não irá sozinho. Não. O carro continua a marcha lenta. No judaísmo, a paragem simbólica traduz-se pela extrema dificuldade da despedida. Oren morreu em velocidade mas será enterrado compassivamente. “Há tempo”. Sim. Tinha razão. A preparação de um corpo que parte não demora. Tem o seu tempo. A Hevrah Kadisha – espécie de confraria que assume todos os assuntos fúnebres – de manhã enxugou-o com água quente e fria, direita, e esquerda – símbolos de purificação e da conformidade da alma, e imbuiu-o numa mortalha branca para ser recebido no mundo vindor. Assim dizem os salmos proferidos pelo rabino.
Por enquanto, o próximo universo, é aqui, no cemitério de Gazit. O motor calou-se. O pranto cresce. A mãe segura a filha. O pai pousa a mão no caixão e beija-o. Os seis magalas saem do carro. Levantam a urna. Inventam forças. Menos nos olhos. O rabino, que desde ontem, sepultou quinze rapazes que não regressaram, inicia a cerimónia fúnebre: “Deus dá e deus tira”.
Enquanto a urna se despede a sociedade isrealita levanta-se. Retoma o ritmo. Deixou os abrigos. Veio em massa para a rua. As cidades do norte reabriram as luzes. Afula, Kiriat Shemona, Tiberiades, Maa’ot, Safed, já não são desertos. Lojas de portas escancaradas. Automóveis com rádios ligados. Bandeiras espetadas em tudo o que é sítio. Rostos aliviados. Grávidas nas esplanadas. Crianças nos jardins. Mas as marcas dos trinta e seis dias de guerra ainda não caíram em amnésia.
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