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José Diogo Quintela

José Diogo Quintela

Opinião

Vítimas de todo o Mundo, repousai!

15 de abril de 2017 às 00:30

Recentemente, três feministas de currículo impecável, a histórica Germaine Greer, a escritora Chimamanda Adichie e a apresentadora do ‘Women’s hour’ da BBC4, Jenni Murray, disseram que as mulheres transgénero não são iguais às mulheres que nasceram mulheres. Tendo sido homens durante muito tempo, falta-lhes a vida inteira de experiência feminina.

(Pouco sofisticadamente, é como os Transformers, robots que se transformam em carros, mas nunca são carros iguais aos que saem dos stands, na medida em que, por exemplo, não fizeram a rodagem).

Imediatamente, foram acusadas de transfobia e mandadas calar. Três feministas que sempre lutaram contra homens que as mandavam calar, são agora mandadas calar por mulheres que já foram homens. Ou seja: ao silenciar mulheres que acham que as mulheres transgénero não são 100% mulheres, as mulheres transgénero provam que não são 100% mulheres, pois mantêm um resquício daquele machismo que gosta de mandar calar mulheres.

O problema de Greer, Murray e Adichie é que não estão bem posicionadas no Campeonato da Vitimização, a competição que classifica os argumentos, não consoante os seus méritos, mas consoante a dimensão dos traumas dos seus proponentes. Greer e Murray são mulheres e, por isso, recebem um ponto de vítima. Adichie, mulher e africana, soma dois pontos. Mas não têm hipótese contra transexuais, bastante acima no ranking por serem oprimidos em mais critérios.

(No topo está a mulher negra, transexual, lésbica, cega e hindu, o Cristiano Ronaldo da vitimização. Ganha por capote. Além das classes oprimidas que representa, pertence a uma religião que acredita na transmigração das almas, de maneira que pode afirmar que foi discriminada noutras reencarnações. Uma espécie de vidas infinitas, como nos jogos de computador, mas em que as vidas, além de ilimitadas, são oprimidas).

Um debate é ganho, não por argumentos, mas pela identidade. Por isso, não interessa ter razão, interessa pertencer a uma minoria. Quanto mais traumatizada, mais virtuosa é. Obviamente, tanto trauma acumulado dá origem à Síndrome de Stress Pós-Traumático, um distúrbio psicológico que precisa de ser tratado.

Portanto, o ranking estabelece: 1) quem tem razão; 2) quem está a precisar mais de tratamento. Enquanto as vítimas se reestabelecem, o Mundo fica ao cuidado dos únicos que, por nunca terem sido traumatizados, não sofrem de distúrbio: homens brancos.

Durante séculos, o heteropatriarcado ocidental afirmou que as mulheres, os homossexuais, os pagãos e as minorias em geral não tinham capacidade de tomar conta de si próprios. Agora, são as próprias minorias que vêm dizer que estão debilitadas. Já descansávamos um bocadinho, mas, enfim, fazemos o sacrifício e continuamos a tomar conta enquanto recuperam dos traumas. Não precisam de agradecer.

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Throwback to Nuremberga 1935 

Entretanto, no Brasil, para se certificarem de que os alunos que entram na universidade através das quotas reservadas aos negros são mesmo negros, já se começaram a medir cabeças, classificar carapinhas, cotejar pantones e comparar narizes. Quem não tiver a percentagem de negritude obrigatória, é expulso. Só os mais puros ficam. As notícias não esclarecem se se voltaram a usar os compassos e escalas que se usavam nos mercados de escravos. Não se via uma preocupação tão criteriosa no aferimento da pureza racial desde Nuremberga em 1935.

Direcção Geral de Saúde – Quem tem mais hipótese de apanhar hepatite A são homens que têm sexo com outros homens.

Jornalista – Ou seja, os homossexuais arriscam-se a…

DGS – Não falei em homossexuais.

Jornalista – Disse "homens que têm sexo com outros homens".

DGS – Não é o mesmo. Ao dizer "homossexuais" está a estigmatizar um grupo. O que interessa é passar a mensagem de que esta doença afecta qualquer um, com maior probabilidade para homens que têm sexo com outros homens.

Jornalista – Os homossexuais.

DGS – Preconceituoso!

A love that dares not speak its bame, Parte 2 

O objectivo da perífrase é não referir a homossexualidade num contexto que pode ser interpretado como negativo, não vá alguém ofender-se. Mais de um século depois do julgamento de Oscar Wilde, continua a ser um amor que não se pode nomear. Antigamente, era por a homossexualidade ser reprovável. Agora, é por ser louvável. Sucede que ambas as razões são falsas: a orientação sexual não tem valor moral em si.

Ora, na actual ideologia identitária, a mera constatação do surto de hepatite A ter relação com homossexualidade é considerada preconceituosa. Mas, como é factual, o policiamento linguístico tenta aligeirá-la. Dizendo que não afecta homossexuais, mas homens que têm sexo com outros homens. É isso e o cancro do pulmão, que não é prevalente entre fumadores, mas sim entre pessoas que fumam.

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